terça-feira, 16 de novembro de 2021

Sabor Brasil

    Boquiaberta, olhos arregalados, não conseguia deixar de olhar pela janela do táxi. Ao meu lado, a minha mãe com o meu irmãozinho ao colo, mais assustada, não menos surpreendida, olhava admirada para fora. No banco ao lado do motorista, o meu pai, o meu português tranquilo... Os seus grandes olhos, porém, diziam o que lhe ia no coração. As suas muitas preocupações e incertezas cintilavam no verde que os pintava mas, ao mesmo tempo, o amor e a bondade resplandeciam quando virava a cabeça para olhar para nós. O seu sorriso não conseguia esconder o orgulho que sentia da sua pequena família, agora recuperada.  
    Era cedo. O trânsito era pouco e a viagem corria bem. Mesmo assim, faltava uma boa meia hora até chegarmos a casa. 
    De vez em quando, o meu pai virava-se para olhar para nós e sorria. O bebé choramingava e a minha mãe, antes que chorasse a sério, deu-lhe de mamar.
    O meu irmão ainda não tinha três meses e a viagem fora muito longa. Dez horas de voo, recolher a bagagem, apanhar um táxi, chegar a casa... Grandes emoções.
    Chegámos finalmente à Vila Maria onde nos aguardavam o meu tio Alfredo, a mulher e os filhos e o tio Joel ainda solteiro. 
    Eu não os conhecia. Ainda não tinha um ano quando deixaram Portugal depois de receberem as cartas de chamada enviadas pelo meu pai, que, por sua vez, a tinha recebido do seu primo Luís.
    Depois dos abraços apertados de muita saudade dos que vieram e dos que lá ficaram, os homens retiraram as muitas malas do táxi. O meu pai pagou e o taxista foi à sua vida. 
    A tudo assisti serena. Era tudo novo, mas era como se eu já tudo conhecesse. Antes de entrarmos na casa onde agora habitaremos, fomos para o café.
    - Tens fome garota? - Perguntou o meu tio Joel.
    - Tenho. 
    - Senta-te aqui. 
    Com alguma dificuldade em subir para o banco, lá me encavalitei para chegar ao balcão onde o meu tio me colocou um pastel de carne à moda do Brasil e um suco de manga.
    Nunca vira nem comera ou bebera nada assim. Tentava descobrir o que seria mas, a verdade era que tinha fome e, sem mais delongas, peguei no pastel quentinho e dei a primeira dentada... Nunca mais esqueci o sabor que me ficou na boca. Começou nesse momento o meu amor pelo Brasil.
    Não me fazendo rogada, comi com enorme prazer o melhor pequeno almoço do mundo. 
    Os meus primos, mais ou menos da minha idade, espreitavam escondidos atrás do meu tio Alfredo. Não tiravam os olhos de mim como se eu fosse um ser de outro planeta. 
    - Anda cá Ana Clara. - Chamou o meu tio.
    Saltei do banco e fui ter com eles. Olhávamos uns para os outros como se tivéssemos medo de estragar um sonho muito bonito.
    - Vai Francisco, leva a tua prima para casa. Ide brincar. 
    Lá fomos os três, ainda tímidos, desconfiados, ansiosos por nos conhecermos...

  Maria Cepeda

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