Paola
Afonso tem 45 anos e vive em Belleville, Paris. Os pais, naturais de Agrochão,
no concelho de Vinhais, emigraram para França na década de 60. Com dupla
nacionalidade, desde criança que vem a Portugal, pelo menos uma vez por ano. É
professora de espanhol e autora de várias publicações e trabalhos de recolha de
tradições. Destaca-se o trabalho “Tesouros de Memórias”, uma recolha de canções
populares de Agrochão, que preparou com a ajuda da sua madrinha, Graça Afonso,
ou a publicação “Azulejos de Lisboa”. Tem ainda trabalhos na área da
fotografia, vídeo e gravura. Em Entrevista ao Jornal Nordeste, a artista fala
de como é viver actualmente em Paris e da desertificação de Trás-os-Montes.
Que
diferenças encontra entre o modo de vida actual no nordeste transmontano e na
capital francesa?
Em
Belleville, cerca de 65 por cento da oferta imobiliária é destinada à habitação
social. Aqui não vivem só artistas mas também outras pessoas, incluindo pessoas
com dificuldades. Esta mistura torna-se interessante, tendo também em conta a
diversidade de nacionalidades que aqui coabitam, já que Paris é uma capital
aberta ao mundo.
Enquanto
artistas, temos também uma grande visibilidade, o que não é possível em
Bragança, já que está na periferia de Portugal. A Bragança falta-lhe este
público e este olhar que tem Belleville. E a Belleville falta-lhe o espaço para
trabalhar, as condições e qualidade de vida que oferece Bragança.
Bragança
sofre, hoje em dia, da desertificação. Os jovens saem desse território, que é
um território que não está a saber valorizar a sua riqueza e está a empobrecer
à custa da desertificação.
Bragança
sofre, hoje em dia, da desertificação. Os jovens saem desse território, que é
um território que não está a saber valorizar a sua riqueza, está a empobrecer à
custa da desertificação.
O
que acha que mudou na vida dos parisienses, depois dos atentados terroristas?
Desde
os últimos atentados, o ambiente modificou-se. Não posso dizer que se modificou
completamente, porque já se tinham notado algumas mudanças, no início do ano
passado, com os primeiros atentados. Mas, os de Novembro, foram mesmo um choque
emocional, para toda a gente. Cada vez mais, há polícia por todo o lado. Além
disso, agora também há muitas manifestações do movimento “Nuit debout”
[movimento de manifestantes que teve início em Março, com manifestações contra
a lei do trabalho], que protagoniza noites de manifestação na Praça da
República, que está próxima de Belleville. Aqui em França, sempre houve uma
cultura de manifestação, que nos últimos anos estava bastante apagada. Apesar
dos atentados, agora os manifestantes andam na rua e há muita tensão, até
porque para o ano há eleições. Paris está um pouco difícil, agora.
Há
um clima quente, agora, portanto?
Sim.
O que eu noto, em comparação com a França que eu conheci, é que agora os
intelectuais não dizem sinceramente o que sentem porque há medo. Já estão as
tensões tão fortes e as pessoas a radicalizarem-se, que é melhor, às vezes, não
atingir certos temas porque podem ser recuperados e mal compreendidos. O projecto
que estamos a fazer com Bragança também abrange um pouco esses temas: o
território, a identidade, o movimento… Mas é preciso ter muito cuidado porque,
às vezes empregamos certas palavras, que podem ser mal interpretadas. Parece
que andamos a falar das mesmas coisas mas não de forma explícita… São temas
delicados e perigosos, hoje em dia….
Conhece,
certamente, outros portugueses em Paris. Nota que há uma vontade, da parte
deles, de regressar a Portugal, depois dos últimos atentados e do clima de instabilidade
que se vive, actualmente, na capital francesa?
Os
portugueses que conheço cá, são sobretudo da nova onda de imigração, que
aconteceu em 2011 e, o que eu noto, é que esses portugueses são muito
corajosos, não perdem tempo, trabalham e encontram aqui uma razão de estar.
Pode dizer-se que Portugal está na moda, agora, em Paris. Além da exposição de
Amadeo de Souza-Cardozo, está em residência durante dois meses na Opera da
Bastilha, Tiago Rodrigues, um grande actor português [director artístico do
Teatro Nacional D.Maria II, em Lisboa] a falar do poder da arte e como a arte é
essencial nas nossas vidas. Fala-se muito nele. É impressionante o impacto que
a cultura portuguesa tem hoje em dia, em Paris. Há cada vez mais espaços
culturais e recreativos, cafés e casas de chá portugueses, que representam a
nossa cultura. Nota-se que, apesar dos atentados, há muitos portugueses que
estão a encontrar o seu lugar em França e penso que a França lhes dá essa
oportunidade.
Retirado de www.jornalnordeste.com
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