Neste
Maio, pardo como diz a tradição, mas demasiado molhado para garantir sorrisos
primaveris, vivemos momentos de emoção porque, finalmente, a ligação por
auto-estrada entre o litoral norte e a ponte internacional de Quintanilha foi
concluída, com a inauguração do Túnel do Marão.
Sentimos
quase um sobressalto telúrico, como se ficasse para sempre o domínio dessa
entidade que é a serrania que nos impôs séculos de diferença, mesmo na simples
designação de ficarmos por trás dos montes, o que também nos relegou para o
esquecimento, quando outras gloriosas empresas e o cheiro da canela mobilizaram
as energias do reino.
Vivemos,
todos sabemos, séculos de sangria sem apelo. Mesmo quando se acreditou, em tempos
históricos diversos, que se poderiam inverter dinâmicas quase assassinas, o
resultado foi, até ver, o agravar da nossa condição, depois de alguns tempos de
ilusão.
Uma
primeira esperança, quase sólida, aconteceu no século XVI, quando a indústria
da seda animou a economia da região. Voltou a ser a seda a atapetar visões de
futuro no tempo em que o marquês refez a aposta na produção nacional. Mas,
também ele, voltou a perder e, assim, esta região mergulhou em muitos anos de
decadência.
Foi
então, pelo dealbar do prodigioso século XX, que uma nesga do sol da história
pareceu querer acordar-nos para um futuro promissor. Tratava-se de fazer aqui
chegar o caminho-de-ferro, quando a rede de carris já estava por todo o
restante Portugal. Mesmo assim, foi uma festa, entre a última década de
oitocentos e o ano de 1906.
Uma
das minhas avós tinha então 18 anos e lá esteve, ao cimo da actual Avenida João
da Cruz, para ver chegar o cavalo de ferro. Quase viveu o suficiente para o ver
desaparecer, numa madrugada de 1993. Só lhe faltaram 14 anos de tragédia, já
que se foi em 1979.
Claro
que o comboio não passou de um trampolim exíguo, menor e pouco elástico, que
nos fez estatelar contra a barreira da indiferença, levando-nos, ronceiro que
fosse, às rogas, para junto das brisas do mar oceano, ou às vias largas que nos
distribuíram pelas europas do nosso contentamento descontente.
Ficou
a pairar o cinzento do fim, de que ainda não percebemos como nos libertar,
apesar das variadas músicas com que nos enredam, adormecendo-nos o impulso de
revolta. Voltámos a ser os últimos a ter direito às novíssimas vias do
progresso. Fomos à festa, como fizera a minha avó, há 110 anos, desta vez
ousando desdenhar do grande titã que vigia o rio do ouro, que também se foi
escorrendo para o mar.
Aparentemente,
agora não haverá mais obstáculos ao ansiado do momento de voltar aos caminhos
do futuro, sem mais lamentos. A não ser que os 80 quilómetros entre Quintanilha
e Zamora permaneçam, mais umas décadas, o estrangulamento que são hoje,
inviabilizando a utilidade do bendito túnel e recondenando a região ao pior dos
destinos, que é ficar a um passo da salvação.
Por
isso, feita a festa, espera-se que os poderes políticos não percam mais tempo e
desenvolvam formas de pressionar os vizinhos desta Ibéria para que a E82 seja
definitivamente uma grande via europeia, suporte do nosso futuro. Nem que
tenham que solicitar a intervenção de Endovélico, Trebaruna e Atégina,
divindades celtibéricas que, há três milénios, velam por este ocidente, que não
tem que ser só o ponto do ocaso.
Por Teófilo Vaz (Diretor do
Jornal Nordeste)
Publicado em 10/05/2016
Retirado de www.jornalnordeste.com
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