Em 2006, o Ernesto e eu fomos à Feira do Livro de Braga. Ao passarmos perto do Seminário de Montariol, o Ernesto comentou:
- Foi ali que, aos 16 anos, mandei imprimir o meu primeiro livro de poesia... o «INCONVENCIONAL» ... pago pelo meu pai, é claro.
- Ali? Mas ali é um seminário franciscano!
-Sim, mas tinham lá uma gráfica. Era um frade que tomava conta dela. Um tal Frei Perdigão. Deve ter morrido há muito. Já era velho nesse tempo.
-Velho? Tu tinhas 16 anos, qualquer um te parecia velho! Vamos mas é lá ver se o homem morreu ou não!
Levei o Ernesto atrás de mim, que remédio! Chegados à recepção, camilianamente, pergunta:
- Frei Perdigão ainda é vivo?
Uns olhos muito abertos respondem:
-Sim... Está além naquele anexo. E apontava para o fundo do jardim. O Ernesto faz um ar intrigado e já eu...
-Vamos lá falar com ele!
E fomos. Um homem ainda bem conservado, olha para nós, curioso. O meu companheiro avança em direcção ao frade:
-Frei Perdigão?
-Sim. Quem me procura?
- Ernesto Rodrigues.
-Mas não é de Bragança, pois não?
-Sim... Do distrito de Bragança, da Torre de Dona Chama.
- Ora uma destas !
E nós ainda mais espantados do que ele.
- Então você é aquele catraio que me entrou aqui num dia de temporal com um livrinho de poesia para eu editar?!
- Siimm... Sou eu ...- gaguejou o Ernesto.
-Não me diga!
- Hum...
- E o que é que faz na vida o poetinha?
-Sou professor em Lisboa... na Faculdade de Letras.
- Logo vi! Logo vi que ali havia coisa com futuro!
O Ernesto emudeceu e eu atalhei.
-Mas porquê, Frei Perdigão?
- Porque eu recebia aqui quilos de poesia boa para embrulhar mercearia e de repente aparece-me um livrinho diferente, um livrinho catita e eu disse com os meus botões: sim senhor, este catraio é bom! Temos aqui homem! ... Então e continua a ser poeta, não é verdade?
- Sim... Silêncio.
Com receio que ele emudecesse ,e deixasse o frade à míngua, acrescento eu:
-Poeta e romancista. Pelo menos...
Frei Perdigão sorriu quis saber o "pelo menos", informou-se dos títulos, cada vez mais encantado. Um fantasma aparecera-lhe de repente do passado, não era para menos. Olha-me sorridente:
- Sabe que não o deixei ir embora nesse dia ? Começou a trovejar e disse-lhe:
-O menino hoje não sai daqui com este temporal! Vai dormir ali numa cela !
E o frade contava , contava...
Interrompo a ladainha:
- Foi ali que, aos 16 anos, mandei imprimir o meu primeiro livro de poesia... o «INCONVENCIONAL» ... pago pelo meu pai, é claro.
- Ali? Mas ali é um seminário franciscano!
-Sim, mas tinham lá uma gráfica. Era um frade que tomava conta dela. Um tal Frei Perdigão. Deve ter morrido há muito. Já era velho nesse tempo.
-Velho? Tu tinhas 16 anos, qualquer um te parecia velho! Vamos mas é lá ver se o homem morreu ou não!
Levei o Ernesto atrás de mim, que remédio! Chegados à recepção, camilianamente, pergunta:
- Frei Perdigão ainda é vivo?
Uns olhos muito abertos respondem:
-Sim... Está além naquele anexo. E apontava para o fundo do jardim. O Ernesto faz um ar intrigado e já eu...
-Vamos lá falar com ele!
E fomos. Um homem ainda bem conservado, olha para nós, curioso. O meu companheiro avança em direcção ao frade:
-Frei Perdigão?
-Sim. Quem me procura?
- Ernesto Rodrigues.
-Mas não é de Bragança, pois não?
-Sim... Do distrito de Bragança, da Torre de Dona Chama.
- Ora uma destas !
E nós ainda mais espantados do que ele.
- Então você é aquele catraio que me entrou aqui num dia de temporal com um livrinho de poesia para eu editar?!
- Siimm... Sou eu ...- gaguejou o Ernesto.
-Não me diga!
- Hum...
- E o que é que faz na vida o poetinha?
-Sou professor em Lisboa... na Faculdade de Letras.
- Logo vi! Logo vi que ali havia coisa com futuro!
O Ernesto emudeceu e eu atalhei.
-Mas porquê, Frei Perdigão?
- Porque eu recebia aqui quilos de poesia boa para embrulhar mercearia e de repente aparece-me um livrinho diferente, um livrinho catita e eu disse com os meus botões: sim senhor, este catraio é bom! Temos aqui homem! ... Então e continua a ser poeta, não é verdade?
- Sim... Silêncio.
Com receio que ele emudecesse ,e deixasse o frade à míngua, acrescento eu:
-Poeta e romancista. Pelo menos...
Frei Perdigão sorriu quis saber o "pelo menos", informou-se dos títulos, cada vez mais encantado. Um fantasma aparecera-lhe de repente do passado, não era para menos. Olha-me sorridente:
- Sabe que não o deixei ir embora nesse dia ? Começou a trovejar e disse-lhe:
-O menino hoje não sai daqui com este temporal! Vai dormir ali numa cela !
E o frade contava , contava...
Interrompo a ladainha:
- Frei Perdigão, o senhor que idade tinha nesse tempo?
Sorriso franco e nostálgico:
-Oh! nesse tempo eu era ainda um rapaz novo. Deixe ver... Tinha os meus 36 anos...
Já recompostos da emoção, na descida de Montariol, não resisti:
- Com que então, Ernesto, quando tu tinhas 16 anos o frade já era velho, muito velho...
-Longa vida, Frei Perdigão!
Teresa Martins Marques, 18 de Março de 2014.
Sorriso franco e nostálgico:
-Oh! nesse tempo eu era ainda um rapaz novo. Deixe ver... Tinha os meus 36 anos...
Já recompostos da emoção, na descida de Montariol, não resisti:
- Com que então, Ernesto, quando tu tinhas 16 anos o frade já era velho, muito velho...
-Longa vida, Frei Perdigão!
Teresa Martins Marques, 18 de Março de 2014.
P. S. Ernesto e Teresa, Teresa e Ernesto... quando temos amigos assim sentimo-nos imensamente privilegiados.
Mara e Marcolino Cepeda
Adorei ler.
ResponderEliminarPossuo, com enorme prazer, um exemplar da primeira edição, oferecido pelo ilustre autor e meu amigo Ernesto em 1974.
A primeira edição (não sei se existiram outras), foi impressa na Tip. Editorial Franciscana em Braga no dia 25 de abril de 1973. Curiosamente, um ano antes do dia da Liberdade!
Na penúltima página do livro, manuscritos a caneta ou esferográfica, estão uns pensamentos que só o Ernesto poderá dizer se foram escritos por ele. Como a letra não é minha, presumo que seja a dele.
...
Tão perto em corpo
g´lutinado em espírito.
Tu não vês, não compreendes?
Tu não queres compreender?
Ó homem que destruíste o amor com as
dicotomias do progresso!
É difícil fazer entender ao ente amado
a pureza daquilo que dentro de nós sentimos,
as dúvidas, o receio pelo próximo, o recordar
passado, a esperança no futuro