segunda-feira, 7 de novembro de 2022

EU EM MIM

Como podes estar assim, tão tranquila no meio desta barafunda? A vida é muito mais do que estar assim, derreada no sofá junto da lareira apagada. 

Amanhã surgirá um novo dia de desassossego... mas será um novo dia. Nada, a não ser a morte, to poderá negar. Pode ser bom ou mau, mas será teu. Apenas teu que os outros vivem os seus. 

Chorarás talvez, quando ouvires aquela canção, a tua canção de desgostos vários ou alegrias imensas. É a tua canção que acorda nos teus lábios pela manhã quando sais para o trabalho, quando vais caminhar, enquanto comes, quando estás a escrever, quando amas, quando vais dormir...

Como podes viver assim sem seres tu? Como podes esconder no mais fundo da tua alma a alma que és tu? Não. Não consigo ver-te a não dormir. Quando fechas os olhos e os sonhos não vêm e tantas vezes te levantas por não conseguires dormir, apetece-me zangar-me contigo. Dizer "Até logo. Hoje estás insuportável." E deixar, com o bater da porta da rua, cair a lágrima que há tanto tempo espera para cair... mas não. Regresso a casa alguns minutos depois e vou para o quarto onde dormimos os dois. Tu já não estás. Procuro por ti em todos os cantos. Reviro a roupa do quarto de vestir. 

Nada encontro. Nada sei. Olho para o espelho e tu estás ali, no canto superior esquerdo, sempre a olhar para mim. Quando terei coragem de retirar-te dali? 

Sentei-me no sofá junto da lareira apagada. É outono e as manhãs já são frescas. Devia acendê-la e esperar por ti com a casa quente. Um chá fumegante ou um café pintado de leite como tu gostas... talvez uma torrada barrada com manteiga e compota de maçã...

Não sei como consegues viver assim, nesta barafunda... Posso ajudar-te a arrumar os livros espalhados pelo chão. Tens uma bela biblioteca com as paredes cheias de estantes onde nem um pequeno quadro cabe, nas paredes, não nas estantes que são para os livros.

Não sei onde estás. Vou sair para ver se te encontro. Caminharei ao longo do rio onde tu gostas de estar. Não procurarei por ti. Encontrar-te-ei ou tu encontrar-me-ás. Seguiremos os nossos caminhos de mãos dadas ou não e depressa resolverei a barafunda no meu coração. 

MARIA CEPEDA



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