Houve
festa de três dias por esse país fora. Enquanto muitos terão sentido as almas
radiosas, com o “upgrade” no catálogo de santidades, outros terão deixado
referver as vísceras numa marinada de cerveja, amendoins e batatas fritas
gordurosas, graças à águia que paira, de olho certeiro, há quatro anos, nos
céus ainda azuis; por fim, olhos turvos de lágrimas de ternura sonharam com um
novo quinto império, da língua, da poesia e da sensibilidade.
Festa
é festa e de nada vale estragá-la com lamentos ou dedos apontados às
consciências. Mas não é avisado que nos deixemos inebriar, confundindo a
percepção da vida real, que nunca se transformará da noite para o dia, numa
alameda triunfante até às portas do paraíso.
Trepidante
foi a festa. Mas não permitiu que, pelo nordeste, deixemos de encarar, com
legítimas dúvidas, o presente e o futuro.
Sem
nos confundirmos com regionalismos passadistas, provincianismos bacôcos nem
localismos de esquina, reconheçamos as dores que, apesar da festa, não deixam
de nos moer.
Dor
primeira: enquanto as orações murmuradas, em Fátima e pelo caminho, se tornaram
um rumor que terá chegado aos céus, se tivéssemos subido ao cabeço da Senhora
da Assunção, ficaríamos com uma sensação de paraíso descartado, com a serpente
mortífera do olvido à espreita. De facto, até os nossos lugares sagrados, onde
ainda queremos sentir a vibração dos desígnios divinos, poderão tornar-se
pontos de encontro de todos os fantasmas. Estão a desaparecer romarias que,
durante séculos, marcaram o ritmo das nossas vidas e, pelo andar da carruagem,
doutras se perderá a memória, até que a própria raiz seque para sempre. Claro
que Fátima há-de chegar para todos os miserandos.
Moinha
irritante: enquanto o Marquês, na capital, sofria tratos de polé, para mal dos
seus pecados, lembramos que os dez estádios, construídos e financiados para
2004, ficam, quem diria..., naquela famigerada faixa que há-de afogar o país.
Enquanto se vão rebolando campeões em Lisboa ou no Porto, os nossos clubes não
resistem e afundam-se no desespero da redução à insignificância. Mesmo assim,
também nos sentimos com direito a participar na festa, já que Luís Miguel
Fernandes (Pizzi) é um dos heróis do primeiro tetra benfiquista, o menino de
Bragança, que por aqui se iniciou nas lides da bola. Mas os nossos futebóis
estão em correspondência com o resto das nossas misérias.
Quase
tristeza: olhos mareados não faltaram sábado à noite, enquanto um cantor
português dignificou a poesia e a música, por entre uma feira de lata ruidosa.
Pode ser que, com o exemplo, a Eurovisão mude de rumo. Mas, mais uma vez, temos
que lamentar o que se tem perdido de talentos desta terra, nunca reconhecidos.
Quando se vivia o empolgamento, ao fim da noite, lembrei-me de um projecto, na
Bragança da transição do século, “Odores de Maria”, criadores de músicas
originais, que contavam com uma voz, de Maria Zulmira (Mirinha), que o acaso
ceifou quando florescia e que Kiev ou qualquer outra capital desta Europa
também poderia ter aplaudido para nossa satisfação.
São
dores sem remédio, que nenhumas festas aliviam.
Escrito por: Teófilo Vaz
(Diretor do Jornal Nordeste)
Retirado de www.jornalnordeste.com
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