Quando em 2013 criámos em Varge o Movimento DART
(Desenvolver, Autonomizar e Rejuvenescer Trás-os-Montes e Alto Douro), jamais
acreditávamos que três anos depois fosse possível oficializá-lo através da
criação de uma plataforma associativa de cooperação raiana. E as minhas
primeiras palavras terão de centrar-se nas razões da escolha da aldeia de Rio
de Onor para celebrar este momento festivo, e nos porquês do nome RIONOR.
Antes de o fazer, no entanto, gostaria de lembrar que as
fronteiras são divisões humanas decididas nos grandes centros, com as quais se
separam populações que coabitavam nos mesmos espaços e que de um momento para o
outro se sentem isoladas por uma língua, por leis e por economias distintas.
Sabemos também que felizmente essas linhas divisórias ao longo dos tempos
desaparecem, como sucedeu nos últimos anos no espaço europeu, mas apesar do seu
desaparecimento legal, as marcas ficam vivas nas consciências por muitos anos,
e para convencer as populações que já não existem é necessário um trabalho
longo e aturado.
A maior parte das vezes servem as fronteiras para
acentuar as marcas características dos outros do lado de lá, normalmente
reduzidos a meros estereótipos onde se cristalizam as características mais
negativas, com as quais se procura afirmar a identidade própria à custa da
negação da identidade alheia. São linhas geradoras de desertificação e de
afastamento. Neste ponto, ensina-nos o filósofo Kant a importância do outro
para a construção da nossa humanidade, e as fronteiras muitas vezes querem
negar o outro, aniquilá-lo, e em vez de servirem para o reforço humano,
contribuem para o seu empobrecimento. No entanto, podem também as fronteiras
servir a construção humana, quando nos suscitam o desejo e a vontade de
partilhar anseios com os outros, de os conhecer, de os tornar amigos, numa
palavra, de nos outrar, no dizer feliz de Fernando Pessoa.
Neste ponto, desculpem-me o recurso às minhas vivências
infantis, a fronteira que Rio de Onor simboliza, para mim cedo se tornou um
apelo, um desejo de conhecer quem eram os habitantes de Rio de Onor de cima, o
que faziam, como falavam e se eram mesmo maus como os livros escolares os
pintavam nos relatos de Aljubarrota. Ora, em Rio de Onor pude aprender que afinal
os espanhóis eram pessoas idênticas aos portugueses, pessoas amigas, que nos
davam do melhor que tinham em suas casas e que apenas falavam uma língua um
tanto estranha. Por tudo isto que Rio de Onor simboliza, pela resistência
passiva à imposição de fronteiras impostas de fora, pelos séculos de
convivência democrática entre a gente dos dois lados da fronteira, sem medos de
perder identidades, mas antes reforçando-as e alargando o seu âmbito cultural,
a oficialização da RIONOR não podia ser noutro lugar que nesta aldeia mítica.
Quanto ao nome RIONOR que escolhemos para esta nova
associação, (Rede Ibérica Ocidental para uma Nova Ordenação Raiana), diremos
que quisemos recuperar a sonoridade de Rio de Onor ou Rihonor, e com essa
sonoridade pretendemos homenagear e recuperar as lições milenares de
convivência fraterna entre populações que políticas tentaram separar,
encontrando formas de sobreviver por entre o espartilho de leis impostas de
fora, mesclando as culturas e inventando o contrabando para a partilha de bens.
E o que é mais interessante, a convivência
manteve-se e as culturas não desapareceram, mas bem ao contrário, ainda se
reforçaram.
Um dos primeiros pontos da RIONOR é pois o de aprofundar
este ensinamento profundo da convivência raiana, com o qual podemos juntar
esforços para conseguir uma voz mais forte e mais respeitada, capaz de ser
ouvida em Lisboa, Madrid e Bruxelas.
Graças à convivência com espanhóis num outro projeto
associativo cuja cooperação foi altamente frutífera, aprendi que o maior
obstáculo ao entendimento ibérico, por muito que nos custe, é o da barreira das
línguas. E neste sentido gostaria de dizer que não vale a pena insistir no
tópico da preguiça dos espanhóis ou dos ingleses para falar outros idiomas. Penso
que será mais interessante compreender que o castelhano, ao contrário das
múltiplas vogais do português, tem apenas cinco vogais abertas e não possui a
sonoridade de outras letras do alfabeto, limitações que são sérias quando são
forçados a falar ou a escutar uma língua neste ponto muito mais complexa como é
o português. E assim, se queremos ter êxito, é necessário fazer esforços de um
e de outro lado da fronteira para conhecermos e falarmos os nossos idiomas,
pois estou convencido que muitos dos gestos de castelhanos, catalogados por
alguns portugueses de arrogantes, não passam de desentendimentos
comunicacionais. Para além do esforço de muitos portugueses falarem castelhano,
é extremamente animador constatar que existem cada vez mais espanhóis a falar o
idioma de Camões, práticas que devemos incentivar cada vez mais.
Outro grande ponto da RIONOR é o da cidadania como
aprendizagem permanente de envolver os cidadãos na construção dos seus próprios
destinos. Não nos cansamos de dizer que a excelência de uma democracia está na
força que a opinião pública tem num país, e um dos exemplos dessa força
mostrou-a o povo inglês ao votar a saída da União Europeia, sem temer o velho
recurso às falácias do apelo ao terror e ao caos. Não interessa aqui discutir
se é uma ou má decisão, mas sim que só num país com uma opinião pública coesa e
esclarecida foi possível avançar para o Brexit. E é nesse sentido que as
democracias têm de avançar, tendo de haver cada vez mais participação cívica,
tarefa que não é fácil, ainda por cima em territórios despovoados e em que o
derrotismo se instalou.
Sabemos que é necessário reaprender com os nossos
antepassados os valores da solidariedade, da entreajuda e do comunitarismo que
vivenciaram aqui mesmo nestes territórios e que parecem seriamente ameaçados.
Defendemos o individualismo quando não precisamos dos outros, mas a vida dá
muitas voltas e todos nós um dia mais tarde ou mais cedo acabaremos por
reconhecer que sem os outros não vamos a lado nenhum e para não nos vermos sós
e desamparados quando isolados nas paredes de um lar, temos de construir as
bases da solidariedade enquanto ainda temos forças para o fazer.
Temos em Portugal um Presidente da República que insiste
na importância da afetividade, ponto que na RIONOR subscrevemos na íntegra,
pois se não amarmos os nossos territórios e as nossas culturas, se não
gostarmos das pessoas que os habitam e de nós próprios, jamais podemos ter
êxito no nosso trabalho. Com o filme de Orson Welles, aprendemos que na vida o
que conta não são os bens materiais acumulados ao longo da vida, mas aquilo que
conseguimos com afeto e com a partilha desinteressada, como sucedeu com a
personagem Cidadão Kane, cuja última palavra que proferiu antes de morrer foi Rose
Bud, um brinquedo de infância que não tinha conquistado com dinheiro, mas
com afeto.
Na RIONOR pretendemos trabalhar com todos os que se
interessam pelas suas terras, pertençam a partidos ou não, professem credos ou
sejam ateus, E visamos a criação de um escol de pensadores críticos (académicos
ou populares), que possam propor medidas alternativas, soluções, ideias de
futuro. Todos sabemos que a criação de uma massa crítica só se consegue através
do confronto permanente de pensamentos, de pontos de vista e de opiniões.
Neste ponto, e permitam-me que recorra de novo à minha
experiência de largos anos de liderança associativa, hoje posso dizer com
segurança que os que me ajudaram verdadeiramente a crescer, não foram os que
estavam sempre prontos a dizer-me sim, mas os que me disseram não. Muitas vezes
tentamos ver nas críticas apenas os aspetos da maledicência, dos sentimentos
baixos, ignorando os aspetos positivos que também existem em propostas que
apontam noutra direção. E esta lição devia estar sempre presente em todos os
que exercem cargos de poder, seja no associativismo, seja em cargos políticos,
procurando um esforço permanente de aprender com os opositores.
É pois neste caminho que se pode criar a massa crítica, e
aqui temos um grande papel a desempenhar, pois a sociedade não está preparada
para o confronto sério, aceitam-se muito mal os reparos e somos exímios na
maledicência deslocada ou de soalheiro, que apenas tem como consequência
aliviar a nossa raiva momentânea, mas que tem pouca ou nenhuma eficácia.
Pretende também a RIONOR intervir na resolução concreta
dos problemas que afetam os territórios raianos, como o fizemos com a discussão
da problemática das áreas protegidas e como o pretendemos fazer no próximo ano
com o debate sobre a acessibilidade no campo das redes de comunicação e dos
transportes rodoferroviários e aéreos, encarando-a como um fator sério de
coesão territorial.
Possibilitou a União Europeia a modernização de muitos
aspetos das nossas economias, mas provocou também o abandono rural, o
despovoamento e o empobrecimento das populações afastadas dos grandes centros,
culpa também da má utilização dos fundos que não foram e não estão a ser
direcionados para projetos verdadeiramente criadores de riqueza. Neste ponto é
urgente questionar os responsáveis por tão calamitosa situação, forçando-os a
propor políticas que a corrijam.
Na RIONOR acreditamos que os ideais associativos encerram
uma das melhores formas de apelo à participação cívica e de ajuda na resolução
dos problemas com que os cidadãos se defrontam. Sabemos que uma associação vive
do dinamismo e da honestidade dos seus dirigentes e da participação ativa dos
sócios, mas infelizmente também sabemos que muitas associações se afastaram dos
fins para que foram criadas, como infelizmente sucedeu com muitas cooperativas
de produtos agrícolas. No entanto, do mesmo modo que só através da participação
cívica dos cidadãos se podem travar os devaneios de muitos políticos, também
cabe aos sócios fazer com que os dirigentes não se afastem dos fins
associativos, participando nas assembleias, sugerindo e propondo medidas
alternativas.
Para terminar direi que é nossa intenção criar uma
associação identificada a todo o momento com a defesa intransigente dos
problemas que afetam as populações residentes nos territórios raianos e que
seja uma voz respeitada e escutada por quem de direito. O poder autárquico e os
poderes políticos, se de facto pretendem com as suas políticas resolver os problemas
dos cidadãos, acabarão por reconhecer a utilidade do nosso trabalho. Mas avisamos
desde já que estamos plenamente conscientes que os nossos esforços por muito
longe que vão, serão sempre um mero contributo e que sem o envolvimento do
poder autárquico, das instituições governamentais e não governamentais, numa
palavra, sem a mobilização de toda a sociedade, não será possível colocar os
territórios raianos na agenda mediática e na agenda política.
Muito obrigado
Francisco Alves, Presidente da Direção da RIONOR
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