Os
sistemas educativos das sociedades democráticas constituem uma das mais
celebradas conquistas da humanidade. No entanto, são realidades frágeis, muitas
vezes ainda sob a ameaça do obscurantismo envolvente. Continuam também sujeitas
a manipulações metódicas, com o objectivo inconfessado de garantir a submissão
das gerações, sempre mais cómoda para os poderes instalados do que os ventos
cortantes da verdadeira liberdade.
Foram
longos os séculos em que o conhecimento, ou o que pretendia parecê-lo, esteve
sujeito a apertada vigilância, verdadeiramente sequestrado, sem resgate
anunciado, garantindo a alguns grupos o exercício do poder esmagador sobre
corpos e almas, reduzidos a instrumentos de consolidação de privilégios.
Algumas
narrativas mitológicas identificaram mesmo o conhecimento, o saber, com o
caminho mais fácil para a perdição eterna, contrapondo-lhe a resignação à
ignorância, a inefável pobreza de espírito ou a demissão da procura inteligível
da explicação do mundo e da vida.
Mas
ao longo do tempo foram germinando, aqui e ali, sementes de uma utopia que
concebia um outro mundo possível, onde a ignorância perderia terreno para a
sabedoria, construída em partilha solidária, no caminho da autonomia e da
dignidade de cada um dos viventes para o resto da história.
Este
foi o desígnio que, a partir do século XVI, deu mostras de poder passar de
sonho a realidade. No entanto, só recentemente, no último século, se
generalizaram as redes escolares e, no caso português, só o regime nascido em
1974 abriu a porta da escola para todos.
Aparentemente
poderíamos estar a celebrar essa obra maior do país. Na verdade, se apurarmos a
observação, com a frieza que a inteligência exige, verificaremos que o
resultado não merece a serena satisfação do dever cumprido. Depois de décadas
perdidas, em que se preferiu iludir estatísticas, mantendo a população
ignorante, embora formalmente escolarizada, percebe-se que, afinal, nunca se
quis ir mais longe e todos estamos acomodados, enquanto o verdadeiro
conhecimento perde terreno, com todas as consequências nefastas para a
sociedade, a economia, mas também a cidadania.
Apesar
das proclamações de alguma propaganda política, que faz a festa infrene da
geração mais preparada de sempre, o que se verifica é que a ignorância alastra,
a autonomia dos cidadãos é precária e a vida é cada vez mais vidinha, império
da mesquinhez, do oportunismo, do salve-se quem puder.
O
fracasso resultou de decisões nada ingénuas, que associaram, de forma
deliberada, a massificação do ensino à desvalorização do papel dos professores,
relegados à força para a função de amanuenses do sistema, em vez de referências
do saber e da capacidade de reflexão e prospecção, o que poderia fazer de
gerações inteiras perigosos cidadãos inquietos.
Assim,
tudo poderá permanecer na suave resignação, na abulia tranquila dos pântanos,
que engolem sem piedade quem se debate para encontrar suporte sólido, que lhe
devolva o direito de decidir o seu próprio caminho.
Podemos
estar a produzir simples variações sobre realidades de tempos recuados. Quando
se promovem funcionalidades em vez de capacidades, quando se festeja só o fazer
e se ridiculariza o saber, embora aparentemente se estejam a criar condições de
sucesso material, o que realmente acontece é que se estão a adestrar escravos.
Não faltava competência e eficácia às multidões de escravos que construíram as
pirâmides do Egipto e as pontes romanas por toda a bacia do Mediterrâneo.
Talvez
ainda tenhamos oportunidades de escolha, porque só cidadãos livres poderão
deixar para o futuro um mundo novo.
Por
Teófilo Vaz (Diretor do Jornal Nordeste)
Retirado
de www.jornalnordeste.com
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