Já sabia que ninguém
tinha toque tão puro e saltou da cama, cabelo em desalinho, olhos piscos de sono,
pés descalços no chão frio… abriu a portada da janela e sorriu.
Lá fora, a neve caía
leve e fria, na sua imaculada brancura. Tudo cintilava na serenidade que se
sentia naquela aldeia transmontana, ainda genuína.
Ninguém! Nem um pequeno
porco pisco imprimia a sua leveza naquela planura.
Era cedo. Não fora a
neve que caía e caíra durante toda a noite, estaria escuro como breu. Ninguém
saíra à rua naquele inverno recém-nascido.
“Maria deita-te. Ainda
é noite.”
Como se não ouvisse, e
não terá ouvido, hipnotizada pelos pequenos flocos de neve que cortavam a
escuridão, sonhava com o regresso do pai. Emigrara para Inglaterra depois de a
empresa em que trabalhava ter falido. No coração levara o peso do abandono, da
perda, da dor. Faltava-lhe a esperança do regresso. Sobrava-lhe a saudade que
já tinha.
Acordada do seu
devaneio, retira com dificuldade o olhar da beleza que reina lá fora.
“Mãe?!”
“Sim, filha?”
“Está a nevar… o Menino
Jesus já nasceu? Achas que tem frio, mãe?”
“Nasceu, amor, há
muitos anos, em Belém, na Palestina.”
“Nevava? Coitadinho!
Passou muito frio…”
Uma pequenina lágrima
rolou, pura, pelo seu rosto.
“Mãe, ele é Deus? Será
capaz de fazer um milagre se eu lho pedir com muita força?”
“Talvez, filha… O que é
que lhe queres pedir?”
“O pai, mãe. Eu
pedi-lhe que nos trouxesse o pai…”
Na rua parou um carro.
Os corações adivinharam o que a mente não queria acreditar. Maria virou a
cabeça para a janela. Lá em baixo, o pai sorria.
A menina correu a abrir
a porta e, num ápice estava nos seus braços.
O presente tinha
chegado. Já não faltava nada. Fechou os olhos e aninhou-se no amor que sentia.
O pai começou a subir os três degraus que o separavam do lar. Maria abriu os
olhos.
“Ó pai! Estragaste a
neve!”
Envolveu-lhe o pescoço com
os seus frágeis braços e riu, delirantemente feliz.
Maria Cepeda
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