Vamos
chamar à sua entrevista “À procura da nossa Geologia”.
Nasceu
na Póvoa de Varzim, fale-nos um pouco da sua infância, da sua juventude.
C.M. – Enfim, foi uma infância normal. Embora
eu tenha nascido na Póvoa, passei a infância e a escola primária numa aldeia em
Penafiel. O meu pai era natural de lá, a minha mãe era professora primária e passei
a minha infância entre a aldeia e o mar. Estou dividido entre o mar e o campo.
Depois desse período de infância
regressei à Póvoa porque, na altura, não havia escolas secundárias em Penafiel.
Isto em 60, 61 e havia o Liceu Nacional na Póvoa de Varzim que era o único. Regressámos,
portanto, à Póvoa e fiz ali o secundário.
De facto, marcou-me essa dicotomia…
estou dividido entre o mar e o monte e os graus de liberdade que tinha quando
era criança com os meus 7, 8 anos. O à vontade com que andava pelos campos e
pelos montes com os meus companheiros da infância… Tenho impressão de que me
marcou bastante no despertar da profissão que escolhi.
Diga-nos,
então, no seguimento do que nos contou: Porquê a Geologia?
C.M. – Foi uma professora de ciências
naturais que me fez despertar o gosto pela Geologia. Eu estava no meu quinto
ano do liceu e essa professora fez-me querer ser geólogo. O seu amor pela
disciplina era contagiante. Sabia levar-nos por caminhos inexplorados e fez com
que eu me decidisse, aos meus 15, 16 anos. Sinto-me realizado. Faço aquilo que,
de facto, gosto. Tenho esse privilégio e, embora as pessoas… Recordo-me de, algumas
vezes, amigos dos meus pais estranharem a minha escolha. Para mim e para os
meus pais não era estranho. Os meus pais tinham alguns primos que estavam
licenciados em Ciências Geológicas. Portanto, na família não era estranho o
curso de Geologia, mas as pessoas conhecidas quando abordavam os meus pais sobre
o que o filho mais velho ia fazer e os meus pais diziam que ia ser geólogo,
ficavam: “O que é isso? Geologia?”
Aliás, continua um pouco essa
ignorância, essa falta de consciência de uma profissão. Nós, que somos tão
dependentes dos materiais geológicos… Infelizmente, essa ignorância continua presente
na sociedade portuguesa. Não sei se é uma espécie de passar de esponja… de
ignorância, falta de tomada de consciência já que é uma profissão tão digna...
Valorizam-se
umas profissões e desvalorizam-se outras...
C.M. – Isso acontece com muita frequência,
não apenas com a Geologia, mas com outras profissões também.
Fale-nos,
por favor, de um estudo realizado por vários geólogos, que revela que as rochas
existentes na zona das Cantarias, pertencentes ao Parque Natural de Montesinho
são as mais antigas de Portugal.
C.M. - O estudo foi feito por um colega
meu da Universidade de Aveiro, na sua tese de doutoramento, Luís Francisco
Santos. Foi divulgado em comunicados, trabalhos oficiais em congressos,
trabalho conjunto… Espero não falhar nenhum nome, do José Francisco Santos, do
Professor António Ribeiro da Universidade de Lisboa, do Doutor Fernando Marques,
também da Universidade de Lisboa, do professor Tacinardo da Universidade de São
Paulo. Portanto, esse trabalho foi publicado, um trabalho conjunto.
Penso que o primeiro trabalho que refere
as datações das rochas dos Altos Pereiros, foi no âmbito de uma tese de
doutoramento do meu colega José Francisco Santos. Quando se organizou essa
exposição no Centro Cultural aqui em Bragança, foi referido numa entrevista,
por mim e pelo meu colega José Brilha, como um exemplo do interesse da
protecção daqueles afloramentos, porque, de facto, é uma idade polémica. Eu e os
meus colegas datámo-los em mil milhões de anos. Embora seja polémica, porque se
se confirmar que eles têm essa idade, é que em Espanha há…
Voltando um pouco atrás, estes corpos
geológicos existem na Galiza, três ou dois em Portugal, o de Bragança e de Morais.
Estas rochas resultaram de uma tectónica de placas que se começou a processar
por volta dos 400 milhões de anos até aos 320 milhões de anos, processo de
fecho de um grande oceano e da colisão de dois continentes, que agora já não
existem. Há vestígios dessas rochas, o que seria, mais ou menos, à latitude atual,
a América do Norte, as Américas. Portanto, o fecho desse oceano começou dos 400
milhões… Eu estou a falar um pouco de cor, posso não estar a dar as idades
precisas, entre os 400 milhões e os 320 milhões de anos, altura em que se deu o
fecho completo desse oceano.
E o que é que acontece quando há o
choque de duas placas tectónicas continentais? Há todo um material do fundo da
crosta oceânica e sedimentos do oceano que vão desaparecer, e há outra parte
que cavalga, que sobe. Sobe porquê? Há um encurtamento do espaço, há uma
incapacidade física de ocupar esse espaço, esse volume e, esse material cavalga.
Esta unidade imensa calcula-se que tenha cavalgado sobre um outro continente,
nas actuais latitudes cerca de duzentos quilómetros de oeste para leste e a
esta unidade chamamos nós… Os geólogos dividem a península ibérica
geologicamente em várias zonas estruturais e esta é uma delas. A zona chama-se
Galiza/Trás-os-Montes e, a característica dela é a presença destes corpos que
são deslocados doutras origens...
São
rochas do mar...
C.M. - Algumas são rochas do mar. Outras, como é o caso da zona dos Altos Pereiros, são rochas da crosta continental ou manto. Portanto, estamos a falar em profundidades. A crosta varia dos oito quilómetros no oceano até aos quarenta, cinquenta quilómetros de profundidade. Neste caso, será crosta continental. Estaremos com rochas de profundidades de quarenta quilómetros e formaram-se com temperaturas à volta dos 600, 700 graus, com pressões enormíssimas de 12 ou mais kilobares. Estão preservadas. Penso que são as rochas mais preservadas, portanto, serão as rochas mais favoráveis para fazer essa datação.
Voltando outra vez à datação, nos
maciços espanhóis nunca se encontraram estas idades e, daí, a polémica. Mas o
interesse daqueles afloramentos serem preservados e de não serem cimentados,
destruídos simplesmente, é para permitir, por um lado, que as pessoas, o
cidadão comum, sejam informadas, e que o espaço seja devidamente valorizado
para divulgação dos afloramentos da geologia, da complexidade da geologia que
está ali presente e, por outro lado, para que nós, os geólogos, possamos
continuar a estudar, a observar, porque de facto ainda há muito trabalho a
fazer. A ciência não acaba; vai evoluindo...
Que
importância podemos atribuir a essa descoberta?
C.M.
- Bom, por um lado é
o prazer da descoberta que temos que ter sempre presente e de conhecermos o
nosso próprio planeta. Portanto, conhecermos a história do planeta, digamos, da
evolução, da complexa evolução do terreno que pisamos, que abrangerá desde
rochas que terão mil milhões de anos, andarão próximo disso, seguramente mais
de 600 mil milhões de anos, até rochas que tenham, que sejam mais actuais, da
ordem dos 20 milhões de anos, por exemplo, é o prazer de apresentar descobertas.
Acho que os geólogos deviam partilhar
mais. Gostava de ver, nos nossos cidadãos, esse prazer da descoberta. Portanto,
temos a obrigação conhecer a geologia, a história da Terra. Nós precisamos de
conhecer a história humana, do passado até ao presente e aprendermos com isso,
aprendermos com os erros do passado e projetarmos para o futuro. Também
precisamos de aprender a evolução do planeta onde vivemos.
Estão agora presentes estes problemas
do aquecimento global. Nós temos que estudar muito bem o clima do passado para
tentarmos compreender o clima actual, não é? Que condicionantes é que estão em
jogo para modificar o clima? Portanto, eu vejo isso como um prazer, de
descoberta, puro. É a curiosidade inata do ser humano.
Já
nos falou da importância dessas rochas, mas como seria o mundo nessa altura e o
porquê de se ter dado esse choque tectónico?
C.M. – Porque o planeta é, felizmente, um
planeta vivo. Porque o planeta tem atividade. Os exemplos dessa atividade são
os sismos, os vulcões e a atividade vulcânica que é espantosa. Muitos
cataclismos se deram, e muitas modificações do clima se deram por cataclismos
vulcânicos, principalmente. Porque, se não houvesse vida, esta atividade do
planeta, com certeza, não haveria vida.
É
verdade que se encontram conchas marinhas nas serras de Montesinho e Nogueira?
C.M. – Sim. As conchas são raras. Encontram-se
pistas, não na Serra de Nogueira, mas na serra de Montesinho, mais na serra das
Barreiras Brancas, mas encontra-se pistas, traços da actividade de seres vivos.
Não ficaram registos dos corpos fossilizados desses seres, mas ficaram as suas
marcas do fundo marinho, que era uma praia. Imagine uma plataforma continental
muito plana. Enfim, um mar muito amplo e com uma areia muito bonita, muito
fina. Deveriam ser umas praias esplêndidas, isto, há cerca de uns 480 milhões
de anos.
Pena,
é que foi há tanto tempo.
Tem
desenvolvido importante trabalho na elaboração de cartas geológicas com
especial incidência na região norte, nordeste de Portugal. Porquê esta
preferência?
C.M. – Não foi propriamente uma
preferência, mas foram indicações de política do serviço. Quando ingressei em
finais de 1985 nos serviços públicos, na ex Direção Geral de Geologia e Minas,
mais concretamente, nos serviços geológicos.
A Direção Geral de Geologia e Minas
tinha dois departamentos. Um, ligado à prospeção, que era o serviço de fomento
mineiro, tinha sido criado nos anos 39, 40, durante a guerra, e os serviços
geológicos de Portugal, que é uma instituição centenária. Em 1998 foi
comemorado o centenário desta instituição. O trabalho dos serviços geológicos é,
essencialmente, de cartografia geológica. Procura-se fazer uma cartografia à
escala 1:50000 do país todo. E foi, portanto, por essa incumbência do serviço,
que fui destacado para trabalhar aqui em Trás-os-Montes.
Fale-nos
das particularidades geológicas dos parques naturais de Montesinho e do Douro
internacional.
C.M. – Conheço melhor o parque de
Montesinho porque é onde tenho trabalhado mais. Tenho dado colaboração aos meus
colegas que trabalham na zona de Miranda. Aliás, estou a fazer cartografia,
como há bocado disse no princípio da entrevista, em São Martinho de Angueira,
que está no limite norte do Parque do Douro Internacional.
Sobre a geologia do parque de
Montesinho considero que, voltando um pouco atrás, àquelas pinceladas do parque
geológico do planeta, é uma das regiões do país com uma geologia mais complexa
e, portanto, mais rica em termos de património, em termos de cultura, em termos
de cultura científica e é tão diversificada, que eu, pessoalmente, considero
que se não fosse tão complexa e tão diversificada, não condicionaria a
morfologia, a geomorfologia da própria paisagem. As rochas condicionam a
presença de vegetação. A situação mais marcante são os afloramentos de rochas
ultra básicas do maciço de Bragança que têm uma flora própria, autóctone,
porque são rochas muito ricas em níquel e crómio. Níquel, portanto é um veneno
muito grande e nem todas as plantas se conseguem adaptar, e há uma flora muito
própria.
Lá está, a geologia, a ser o
substrato, a condicionante da geomorfologia da envolvente da paisagem, a
condicionar a própria flora, a condicionar a própria presença humana. Depois,
em função da geologia, também há um aspecto que é um importante recurso geológico,
as águas subterrâneas. Conforme a fracturação, conforme a própria qualidade
destas rochas, assim teremos maior ou menor quantidade de água subterrânea e,
as águas subterrâneas são um recurso muito importante para o ser humano, para o
seu consumo e bem-estar. A geologia do Parque Natural de Montesinho, atrevo-me
a dizer que se esta geologia não fosse tão complexa, não teríamos parque. Ela,
de facto, vai condicionar, está na base de tudo o que temos por cima. Toda a
morfologia, toda a paisagem…
E
o que distingue a Serra de Nogueira e o Monte de Morais, geologicamente falando,
do resto desta região?
C.M. – O Monte de Morais faz parte desse
tal maciço, maciço de Morais, que é, fundamentalmente, constituído por rochas
da crosta oceânica. Repito, o maciço de Morais é, fundamentalmente, constituído
por rochas da crosta oceânica. Aqui em Bragança predominam as rochas da crosta
continental. Também há crosta oceânica que está muito mais deformada. O que
predomina aqui são as rochas da crosta continental e rochas como aqui, na zona
de Vila Boa de Ousilhão, que são as rochas ultra mórficas, muito importantes
para a exploração de crómio. A exploração das minas de crómio do Aberredo foi mais ou menos na mesma ocasião em que o jazigo
Bushveld na África do Sul começou a exploração do crómio e da platina, se não
estou em erro, em 1906 ou em 1907. Foi descoberta a cromite, no maciço de
Bragança, mais ou menos na mesma altura, e teve, aqui, uma actividade mineira
importante. Nessa altura, o serviço mineiro teve muito trabalho de pesquisa e
de apoio aos concessionários mas, curiosamente, com o fim da 2ª Guerra Mundial,
caíram os preços porque, a África do Sul começou a produzir em grande e,
praticamente, os trabalhos aqui terminaram pela dificuldade da prospeção. São
uns jazigos muito difíceis de seguir, de ver onde há mais massa desses minerais
e, portanto, com o esgotamento superficial do minério, a atividade cessou. Mas
é curioso que a descoberta das cromites aqui em Bragança se tenha dado, exatamente,
na mesma altura dos jazigos de cromite na África do Sul. Desculpe, começo a
falar e perco-me...
Foi
muito interessante ouvi-lo divagar sobre estes assuntos, mas temos de voltar à
Serra da Nogueira e ao Monte de Morais…
C.M. – A Serra da Nogueira é uma serra
gerada por um bloco, um terreno que está levantado e, está levantado por esta
actividade já mais recente que controla esta falha que temos aqui e que provoca
os sismos que têm acontecido em Bragança, Vilariça,… Portanto, que tem um
desligamento. As tensões da terra levaram a um deslocamento de blocos.
Aqui no norte, neste sector tem um
deslocamento horizontal de uns quilómetros e, além do deslocamento horizontal,
há elevação de blocos e abatimento de outros e aquele sector de Montesinho,
porque isso vê-se muito bem na paisagem, aprecia-se muito bem do miradouro de
São Bartolomeu. Virando para norte, uma pessoa vê, à esquerda, um bloco
levantado, Serra de Montesinho e todo aquele sector levantado. Aquele bloco
subiu, ficou exposto o granito. A zona de Baçal é uma zona abatida. É aquilo a que
a população chama muito bem, a baixa lombada. Depois, a zona de Babe é alta
lombada. Há um outro conjunto de falhas que faz levantar o bloco de Babe. A
Serra da Nogueira é uma situação dessas, está a sul de Bragança e foi erguida
por esta actividade tectónica.
Fale-nos
um pouco dos fenómenos que terão dado origem ao muro de Abalona.
C.M. – Bom, o que se passa é que aquele
vale, o rio Douro, da parte de Espanha, é um rio com um percurso tranquilo. Aliás,
ele atravessa uma bacia sedimentar antiga e o encaixe, todo o alto Douro, desde
a entrada na zona de Paradela, norte de Miranda, desde a entrada do Douro na
fronteira até Barca D`Alva é aquilo que nós chamamos um canhão. Este canhão foi
gerado a partir... O Douro desaguava por uma bacia interior, antes de abertura
do Atlântico, antes de se dar este choque entre o Atlântico e o rio Douro
correr para o mar e, por isso, esta zona, quando se vai para Zamora ou para
Valladolid, vê-se uma grande planura. Era um mar interior onde o Douro
desaguava. Depois, com esta tectónica complexa da abertura do Atlântico, há um
retomar, um avanço do rio, desde a latitude do Porto que foi avançando e retomou
esta bacia. A partir daí, o rio Douro começou a correr para o mar e, portanto,
tem um percurso muito juvenil. Ainda está em grande actividade geológica,
erosiva e criou este canhão. A construção das barragens vai impedir um pouco
esta ação erosiva. Precisamos de controlar o rio para evitar problemas de
inundações e cheias e para termos energia eléctrica para nosso conforto. Portanto,
a acção do homem neste aspeto, vai cortar um pouco a evolução natural. Nesse
aspeto, o Douro é um rio jovem, muito jovem e, digamos, a própria geologia que
atravessa, mais granítica, rochas mais resistentes à erosão do que os xistos,
vai dificultando a sua passagem. A partir de Barca D`Alva até ao Porto entra-se
no vale do Douro, onde as rochas, com mais de 500 milhões de anos, são rochas
muito mais brandas, relevos mais suaves, o vale é um pouco mais aberto. Este
canhão do Douro, que é toda a fronteira de Portugal e Espanha desde Miranda até
Barca D`Alva é um percurso juvenil do rio Douro.
Neste
momento desenvolve trabalho na elaboração de cartas geológicas de Bragança, São
Martinho de Angueira e Vinhais. Fale-nos brevemente sobre o tema.
C.M.
– São trabalhos que
estão a decorrer, agora estão um pouco interrompidos, porque estou mais
centrado nos meus trabalhos de investigação e logo que concluído isso, espero
retomar os trabalhos, quer na carta de Bragança, quer na carta de Vinhais. A
carta de Vinhais é a que está mais atrasada. Eu tenho praticamente feitos os
levantamentos da zona de Bragança. Há uma carta 25000, uma carta 50000, são
quatro 25000. Há uma carta 25000 que ainda precisa de uma revisão minha. Nós, nos
serviços geológicos, trabalhamos em equipa. Era um geólogo, um auxiliar e um
coletor. O coletor era uma pessoa que em tempos fazia uns reconhecimentos
rápidos e que nos poupava muito tempo porque, enfim, a não ser que houvesse
depois algumas dificuldades, algumas complexidades da própria geologia, e que
me levaram a fazer um levantamento quase quilómetro a quilómetro. A correr,
quase, cada quilómetro quadrado a pé ou de jipe. Portanto, é assim que fazemos
os nossos levantamentos, mas esse trabalho de coletor foi bastante precioso
porque dá logo uma pista ao geólogo, para direccionar um pouco mais os seus
levantamentos onde acha que há problemas para resolver, e portanto, o trabalho,
neste momento, na carta de Vinhais, embora tenha os levantamentos feitos pelo
meu coletor, está meia feita. As minhas revisões é que estão um pouco mais
atrasadas. Vão ter que esperar que eu acabe o meu trabalho de investigação.
Quais
são as principais diferenças geológicas entre Trás-os-Montes e o resto do país?
C.M. – Bom, é um pouco, voltando atrás,
aquela situação de termos aqui uma unidade que foi deslocada, que resultou de
um choque de placas bastante antigo, um processo há volta dos 300 milhões de
anos e, desse choque, desse choque entre dois continentes, resultou também
actividade granítica, que é aquele eixo do Minho até às Beiras, depois a zona
sul também é mais complexa, complexa e diferente mas, aqui, tem a vantagem de
as rochas aflorarem bem, haver bons afloramentos.
Por exemplo, em relação àquela zona do
Alentejo, zona de Beja até Évora, é uma zona já com uma erosão muito intensa,
uma geologia muito polémica, muito complexa também, mas não tem a vantagem de
aflorar tão bem como se vê aqui em Trás-os-Montes. Do ponto de vista da geologia,
Trás-os-Montes é um local privilegiado. O canhão do rio Douro, com uma garganta
profunda, com cortes de geologia muito bons. A região de Trás-os-Montes, aqui
de Bragança e Vinhais com bons afloramentos, bons cortes, é a exposição da
geologia, que leva a que muitas excursões, congressos geológicos e encontros
internacionais se realizem em Trás-os-Montes, aqui no nordeste. Por acaso, a
última que foi realizada aqui em Bragança, foi uma reunião do Oeste Peninsular,
que reuniu pessoas de vários pontos do globo, portugueses, espanhóis, australianos,
colegas argentinos… Esta geologia é importante, não só pelos recursos naturais…
Voltando um pouco atrás, a curiosidade humana leva a que nós queiramos saber
mais do passado mas, entretanto, desta complexa evolução geológica do planeta
resultam recursos que são importantes para a actividade humana.
Eu costumo dizer que desde que o homem
começou a pegar numa pedra, a lascar e a começou a utilizar, quer para se
defender, quer para se alimentar, iniciou-se a ligação do homem com a geologia
e, desde sempre, o ser humano está dependente da geologia. Às vezes, nós não
temos muito bem, consciência disso. Claro que dos recursos, há sempre.
Toda a atividade humana tem prós e
contras. Temos que ser capazes, criteriosos e cuidadosos na sua exploração. Não
ser uma actividade desenfreada, sem controlo, sem preocupações ambientais. Temos
de ter isso em conta para tentar minimizar qualquer risco.
A civilização humana está sempre
ligada à geologia, à exploração dos materiais e Trás-os-Montes teve uma
situação importante até aos anos 80, do século passado, século XX.
Trás-os-Montes e o distrito de Bragança, era o distrito mineiro do estanho, por
excelência, no país. Portugal produzia mais estanho nessa altura do que a
Espanha. As minas de Portelo, ou as minas de Montesinho que eram o principal
produtor.
Portanto, o ouro, crómites, estanho, a
própria rocha, as pedras que nós usamos na cantaria, que nós usamos na construção
das casas, são matérias-primas que resultam desta actividade, desta história
complexa da terra que o ser humano precisa de utilizar, inevitavelmente.
As coisas têm de ser bem geridas e bem
exploradas. Há, ainda, o aspeto da atividade lúdica e, voltando um pouco àquela
exposição que foi apresentada há semanas atrás, aqui em Bragança e que resultou
na conclusão do projecto do estudo do património geológico destes dois parques
naturais, há um outro aspecto, uma outra actividade económica que pode ser
assente na utilização da beleza natural, dos afloramentos, da geologia, do
património.
Há determinados afloramentos que
interessa preservar ou, pelo menos, interessa que o homem não os destrua. Que
deixe que a natureza faça o seu papel de erosão. Enquanto eles existirem devemos
tirar partido disso, quer para enriquecer o nosso conhecimento, quer para
enriquecer a nossa formação cultural e científica, não descurando a atividade
económica e turística.
Hoje em dia a actividade cultural tem
uma importância muito grande na actividade económica de um país. Há uns meses
atrás, vinha num jornal um relatório de Bruxelas a realçar a importância da
atividade cultural, no produto interno bruto de um país. Penso mesmo, que para
Portugal, era mais importante do que vender ou exportar automóveis.
A actividade cultural, tudo o que ela arrasta
e, nesse aspeto, o património geológico integra-se nesse nicho de atividade
económica. É um aspeto importante a ser tratado pelos nossos responsáveis do
turismo do nordeste, aproveitando, corretamente, todas as potencialidades da
região.
O
sector mineiro ainda é um sector a ter em conta?
C.M.- Claro. É sempre, até porque, em
primeiro lugar, a função dos serviços públicos a que eu pertenço é fazer uma
inventariação. Não é só fazer a cartografia geológica. Atrás da cartografia
geológica vem a inventariação dos recursos e, portanto, é fundamental
conhecermos aquilo que temos, definirmos e quantificarmos o quanto possível, os
nossos recursos de matérias-primas para definirmos reservas. Até em termos de
um conceito tão falado, o desenvolvimento sustentável. Ou seja, pode não ser
neste momento, por razões de mercado, explorar o estanho, porque os preços estão
muito baixos e os custos de produção são elevados. Não interessa, neste momento,
explorar mas é preciso quantificar. Saber quantas reservas existem, porque pode
não ser útil agora, mas em explorações futuras pode ser importante.
Esta actividade pública e, eu friso
bem, pública, embora não pondo de parte a actividade das empresas privadas que
foi importante, mas as empresas privadas trabalham em função do mercado, os
serviços públicos têm obrigação, no meu entender, de trabalharem
sistematicamente para bem do interesse português, aplicando o dinheiro dos
contribuintes, fazendo um estudo de inventariação sistemático e sempre com
vista a procurar definir estratégias de desenvolvimento sustentado.
Em
função das necessidades...
C.M. – Exactamente, o serviço público tem
de fazer um trabalho constante, contínuo, para depois poder informar o poder
político. Olhe, temos não sei quantos milhões de reservas de ferro com estas
características. Foram definidas as reservas. A decisão política de abrir ou
não a mina, depende do mercado, das condições de mercado, mas pelo menos fica
para o futuro, para as gerações futuras saberem que existem, ali, nas Barreiras
Brancas, cinco milhões e meio de toneladas de ferro.
Ainda
há muito minério para explorar em Trás-os-Montes?
C.M. – Sim. E ainda há muito por
investigar e quantificar. Aqui no distrito de Bragança os únicos jazigos que
estão quantificados, cujas reservas estão perfeitamente quantificadas é o ferro
de Moncorvo, as Barreiras Brancas de Guadramil e o jazigo de estanho de
Montesinho. O resto está tudo por quantificar. Há muito trabalho por fazer,
muita investigação de prospeção mineira ainda por fazer. Se quiséssemos
seguiríamos esta política de reconhecimento, de inventariação, de investigação
dos recursos.
Esta
região é propensa a sismos?
C.M. – Sim. Há atividade sísmica ativa pela
falha da Vilariça. Há outra falha a leste de Miranda do Douro, na zona de
Alcanices, que provoca estes sismos na zona de Miranda que são bastante
intensos.
Estamos a assistir à abertura de uma
nova falha, creio que é paralela à da Vilariça. Estas falhas vão começar a
jogar porque, na opinião do professor António Ribeiro da universidade de Lisboa,
estamos a assistir ao fecho do Atlântico. A abertura foi bastante complexa.
Primeiro na zona do Tétis, que é agora o Mediterrâneo há cerca de 200 milhões
de anos, o Atlântico sul abriu há cerca de 150 milhões de anos. Na opinião dele
e pelos dados da geofísica, sísmicas profundas, estamos mais ou menos a 150,
200 milhões de anos do fecho. Há uma certa constância na evolução dos
continentes na terra, os continentes abrem, parece haver um ciclo.
Uma
transformação…
C.M.
- Exactamente, que
permite que abram e fechem. Na opinião do professor Ribeiro, estaremos numa
situação de fechar o oceano. Ele diz na brincadeira que a nossa satisfação
seria cavalgar em cima do oceano, quando o oceano estivesse completamente
fechado e, portanto, ele atribui esta actividade física, que começa a ser muito
presente, aqui, na região, nessa falha que está a começar a abrir na zona de
Miranda, a leste de Miranda, este processo é sempre muito lento.
Que
demora milhões de anos?
C.M. – Para os humanos a escala são os 100
anos. Para o geólogo a escala são milhões de anos…
Não quer isto dizer que os geólogos
vivam mais do que nós…
C.M. – Não. Quando isso acontecer não
haverá sequer civilização humana. Não sabemos que evolução pode ter o planeta
se houver um grande cataclismo vulcânico. Uma boa parte da civilização humana vai
sofrer consequências muito sérias.
Para
terminar, que personalidade ou personalidades mais o marcaram ao longo da sua
vida?
C.M. – Enfim, várias. A minha professora
de ciências naturais que me marcou na escolha do meu curso, além da minha
família. Há também um professor, vários professores. Lembro-me, assim de
repente, de vários professores. Um professor de história do liceu, pelo
despertar da consciência cívica. Depois professores na faculdade, os meus mestres,
algumas figuras públicas como Ghandi, o incontornável Cristo, várias figuras
políticas… Algumas figuras políticas portuguesas, algumas figuras históricas
portuguesas, como modelo de civismo e integridade. Uma das figuras que sempre me
foi muito grata: Aristides de Sousa Mendes... Mais próximas e que me marcaram
na família, os meus pais.
Obrigado
pela sua entrevista.
C.M. - Eu é que agradeço, obrigado.
Escrito por Maria Cepeda
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