Uma
equipa internacional liderada por portugueses detectou os primeiros sinais da
formação de uma zona de fractura no fundo do Atlântico e propõe uma explicação
"infecciosa" para este fenómeno
Após
os grandes terramotos de 1755 e 1969 em Portugal, já se suspeitava que algo
estivesse a acontecer no fundo do Atlântico, próximo da Península Ibérica.
Porém, tudo parecia muito calmo nas margens continentais deste lado do oceano -
ao contrário do que acontece, por exemplo, nas margens do Pacífico, onde uma
intensa actividade tectónica conduz regularmente a violentos terramotos e
erupções vulcânicas.
Mas
agora, graças a modernas técnicas de sondagem, João Duarte - actualmente a
trabalhar na Universidade de Monash, na Austrália -, colegas daquela
universidade e da Universidade de Brest (França), e Pedro Terrinha, Filipe
Rosas e António Ribeiro, da Universidade de Lisboa, concluem que afinal essa
calma era apenas aparente. Os resultados acabam de ser publicados online
na revista Geology.
Através
do mapeamento dos fundos atlânticos, estes cientistas descobriram, na margem
sudoeste ibérica, as primeiríssimas fases da formação de uma zona de subducção,
fenómeno geológico em que uma placa tectónica da Terra mergulha debaixo de
outra. Um tal fenómeno de transformação de uma margem tectónica
"passiva", onde nada acontece, numa margem onde as placas se deslocam
- e que deverá decorrer durante uns 20 milhões de anos -, nunca fora observado
até aqui em parte alguma do planeta.
"A
técnica de "batimetria multifeixe" deu-nos a morfologia e a forma do
fundo do mar com alta resolução e a técnica de "sísmica de reflexão"
forneceu-nos perfis da crosta terrestre que nos permitiram mapear as estruturas
a três dimensões" do fundo oceânico, disse ao PÚBLICO João Duarte.
"Ambas as técnicas se baseiam no princípio do sonar: usam ondas e ecos
sonoros para "ver" o fundo do mar e a crosta terrestre." Os
dados demoraram anos a serem coligidos: "Mapeámos um conjunto de falhas
compressivas interconectadas ao longo de uma extensão de aproximadamente
300km", acrescenta João Duarte.
A
confirmarem-se os resultados, isso significa, antes de mais, que, daqui a uns
220 milhões de anos, o oceano Atlântico poderá vir a desaparecer e as massas
continentais da Europa e da América poderão juntar-se num novo supercontinente.
Este tipo de "rearranjo" continental já terá acontecido várias vezes
ao longo dos mais de quatro mil milhões de anos de história do nosso planeta,
com o movimento das placas tectónicas a desmembrar antigos supercontinentes
(como a célebre Pangeia, que reunia todos os continentes actuais) e a abrir
oceanos entre as várias massas continentais resultantes.
A
descoberta também permite elucidar o mistério da formação de margens activas,
explica o co-autor Filipe Rosas em comunicado da Universidade de Lisboa. O
mistério reside no facto de ser difícil explicar de onde vem a força capaz de
romper a crosta oceânica muito resistente das margens passivas, o que é
indispensável para dar origem a placas activas.
Uma
das hipóteses que foram propostas, já nos anos 1980, em particular pelo geólogo
António Ribeiro, co-autor dos actuais resultados, era que, dado que seria mais
fácil propagar uma rotura do que a formar de raiz, as novas zonas de subducção
se criariam por propagação, por migração - por "infecção" - de zonas
de subducção existentes noutros locais. É precisamente esta hipótese que a
descoberta vem corroborar.
"A
ideia nasceu em terra, quando encontrámos falhas que indicavam que havia coisas
a acontecer no fundo do mar", disse-nos por seu lado António Ribeiro.
"Algumas das falhas que mapeámos (como a falha Marquês de Pombal) já eram
conhecidas", frisa João Duarte, "mas o novo mapa que agora
apresentamos permite perceber como elas podem estar a funcionar em
conjunto."
No
caso da margem sudoeste ibérica, esta nova zona de subducção estaria a
propagar-se a partir do Mediterrâneo ocidental. "Existe uma outra zona de
subducção, por debaixo de Gibraltar, que faz parte de um sistema de subducções
que causaram o fecho do Mediterrâneo (que ainda está a fechar-se, devido à
colisão da África com a Eurásia, que formou montanhas como os Alpes)",
explica-nos ainda João Duarte. "Em Gibraltar, a subducção está
"entalada" entre África e a Península Ibérica, mas ela pode ainda
gerar forças na margem oeste portuguesa."
O
facto de uma zona de subducção estar a formar-se ao largo de Portugal também
tem implicações mais imediatas, concretamente em termos da actividade sísmica
futura na região envolvente, que inclui países como Portugal. A confirmação
conduziria necessariamente, salienta-se no comunicado, "a uma revisão
"em alta" da perigosidade sísmica regional (...), tornando ainda mais
urgente uma resposta condizente dos governos em causa na adopção das
respectivas medidas de prevenção."
Escrito
por: Ana Gerschenfeld
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