terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Entrevista concedida por João Sérgio da Silva Videira (Engenheiro Civil)

Entrevista realizada em 05/04/2007 

João Sérgio da Silva Videira tinha, na altura, 24 anos e concluiu a licenciatura no tempo regulamentar. Exerce a profissão de Engenheiro Civil e começou a trabalhar logo que acabou o curso. Está casado com uma médica natural de Bragança e tem dois filhos gémeos. Vive na Maia mas nunca se desligou de Bragança, vindo, com a família, quase todos os fins-de-semana. Se pudesse, trabalharia e viveria em Bragança. 

João Sérgio da Silva Videira, nascido a 11 de Março de 1983 em França, filho de pais portugueses, frequentou a escola primária e dois anos de escola preparatória em Clermont Ferrand, veio para Portugal em 1997 para o sétimo ano de escolaridade, tendo frequentado a Escola Secundária Miguel Torga até à conclusão do décimo segundo ano. Ingressou na licenciatura de Engenharia Civil na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto no ano de 2002/2003, futuro engenheiro civil com a conclusão de a licenciatura em 2007.

À sua entrevista vamos chamar-lhe “À procura de uma vida de sucesso”. Primeira questão: Nasceste em França, filho de emigrantes Portugueses. Fala-nos da tua infância.

J.V.- A minha infância foi boa em França. Andei lá na escola e adaptei-me bem Fiz muitos amigos por lá. Acho que foi uma infância normal como a das crianças de cá. Houve uma boa adaptação. Não houve nenhuma diferença de tratamento entre este filho de emigrantes e o resto das crianças francesas. 

E quais são as principais diferenças entre o ensino em França e no nosso país?

J.V.- No meu caso é um bocadinho complicado porque sempre quis vir para Portugal estudar. Nunca gostei muito de estudar em França. A minha escolaridade foi um bocadinho atribulada. Penso que o sistema de ensino francês é, sensivelmente o mesmo. O grau de dificuldade é o mesmo, não há grande diferença.

O nível de exigência não é maior?

J.V.- Não é maior. Acho que a única diferença é na motivação que os professores dão aos alunos, que a escola dá aos alunos, acho que cá a escola é muito mais participativa, lá é muito restrita, há horas para tudo, era muito dedicada ao estudo e pouca diversão o que motiva pouco os alunos.

Foi difícil a adaptação?

J.V.- Não de nada, não foi nada difícil, foi um bocadinho complicado ao inicio entender o método de avaliação cá em Portugal que era completamente diferente do francês. Lá é uma avaliação de zero a vinte, fazem-se os testes; com média de dez passa-se, com média de nove reprova-se. Cá esta perspectiva do unificado onde com três cadeiras abaixo da média passa-se, foi um bocadinho complicado de entender. Para mim, na França, tinha-se de se passar a tudo com positiva, senão reprovava-se… No início foi um bocadinho confuso.

Faz as pessoas mais responsáveis…

J.V.- Também, mas a pessoa com dez anos, onze anos acho que não querem só estudar, querem também diversão e se calhar misturar a diversão com o trabalho consegue-se ter maior rendimento, do que só trabalho, só estudo.

Com 14 anos, decidiste vir para Portugal porquê?

J.V.- Porque eu queria vir para cá. Tenho a família toda em Portugal, sempre quis vir para Portugal apesar de a minha mãe não querer vir. Havia algumas diferenças mas gostava disto. Tinha cá as minhas raízes, e sempre pensei vir para cá pelo menos para ver como isto era. Foi essa a principal motivação.

Portugal era um país melhor para viver, para estudar e para trabalhar do que a França na altura?

J.V.- Para viver e para estudar, certamente. Para trabalhar não seria, como deve imaginar, mas para viver muito melhor do que a França. Acho que o povo é muito mais aberto e as condições de vida cá não são más, pelo contrário.

Porquê engenharia civil e porquê na faculdade de engenharia do Porto?

J.V.- Na faculdade de engenharia do Porto porque tem boa reputação. Toda a gente fala bem da faculdade tem um bom nome no país e internacionalmente, e engenharia civil porque é a única coisa de que gostava.

Foi mesmo uma paixão.

J.V.- Sim, literalmente por gosto, não havia nenhuma outra razão.

O curso tem corrido bastante bem, ainda não perdeste nenhum ano e tudo aponta para a conclusão da licenciatura já neste ano lectivo. Agora vem o mais difícil...

J.V.- Exacto. Sim. Agora vem o mais complicado. A procura de emprego que nesta altura da vida, com esta fase que o país atravessa, bastante complicada, em que o mercado está em crise, a própria construção civil está bastante mal. É um ramo que está muito mal mas consegue-se arranjar emprego. Já não é com bons salários mas, o que interessa, é poder trabalhar, ganhar experiência e viver.

Passa pelas possibilidades rurais ou o regresso a França?

J.V.- Em último recurso, só se não conseguir arranjar cá emprego é que volto para lá mas, preferia ficar cá, é claro.

Os portugueses estão agora a recorrer novamente à emigração devido a falta de emprego, não é?

J.V.- Exacto. Recorrem, mas a vida em Portugal é muito melhor, é melhor viver cá como engenheiro do que ter uma vida como emigrante que não é nada agradável.

E o regresso a Bragança depois do final do curso para trabalhar.

J.V.- Eu gostava muito, mas é muito complicado. O país está mal, o mercado está mal em todo o lado e Bragança não é excepção à regra, pelo contrário. É um mercado pequeno, é muito mais complicado.

Quais são as obras de eleição para um engenheiro civil?

J.V.- As obras de eleição, no meu caso, são os edifícios, habitação, mas o mais emblemático são as pontes. Aquela coisa enorme com um grande investimento e que não é qualquer um que faz… parece-me que é o que representa mais a engenharia. Não é o que se faz mais e, se calhar, um engenheiro, durante a sua vida, nunca irá fazer uma ponte. 

Tens algum engenheiro de referência...

J.V.- O engenheiro Edgar Cardoso, porque é o mestre de engenharia em Portugal, da minha escola, e penso que seja um exemplo para todos nós. Edgar Cardoso conseguiu fazer pontes memoráveis no tempo dele, em que não havia computadores, não havia máquinas de calcular, regra de cálculo, etc. É completamente impensável para um jovem engenheiro como eu. É um sonho chegar ao nível dele.

Às vezes parece simples chegar ali, chegar de um lado ao outro, fazer uma ponte e…

J.V.- De simples não tem nada. As pessoas pensam que engenharia civil, construir uma casa é uma coisa simples… construir uma casa para que não caia, qualquer um faz, mas depois tem sempre patologias, ou humidade, a casa é fria, ou as paredes a rachar. Pensa-se que uma ponte é fácil. É meia dúzia de vigas de ferro e tal e está feito. Não é o caso. Pede muito estudo, muito trabalho, e não é um aluno que, ao fim de cinco anos, consegue fazer uma ponte. É capaz de fazer um projecto mas com muitas ajudas dos professores. É preciso uma vida de experiência e a engenharia civil é uma ciência completa, não é como as pessoas pensam, consigo fazer qualquer coisa, ou vejo o que o amigo fez e consigo fazer o mesmo… só pode dar asneira. Fazem-se coisas mal feitas, coisas com custos enormes. Muito do trabalho do engenheiro civil é fazer casas, mas com custo acessível e com boas condições para se poder habitar.

Penso que a diferença entre um engenheiro civil e um arquitecto, é que o arquitecto desenha livremente e depois o engenheiro tem que encontrar as formas matemáticas daquilo tudo.

J.V.- Exacto. Tem de conseguir encaixar vigas, pilares, fazer as paredes minimamente isoladas… O arquitecto faz o desenho e nós temos que nos adaptar ao desenho, para que aquilo possa crescer, dar as bases aos trabalhadores para que a obra aconteça. Não são paredes de tijolo que vão aguentar uma casa.

As operações de engenharia civil exigem grande responsabilidade, da parte de quem as projecta e executa, pois delas dependem a segurança e o bem estar das pessoas, no entanto, os acidentes continuam a acontecer, sem que ninguém na maioria das vezes seja responsabilizado. O que poderá ser feito para alterar estas situações?

J.V.- É uma questão muito complicada porque, ao contrário de outras indústrias, porque a construção civil é uma indústria e numa indústria qualquer de automóveis a fábrica é sempre a mesma, os trabalhadores estão no mesmo sítio, não mexem, estão lá a apertar parafusos e não há grande risco e, se houver risco, elimina-se. É muito fácil de eliminar. Num estaleiro de uma obra qualquer, um trabalhador tem que ir de um lado para o outro às vezes a 10, 15m de altura. Existe muita gente envolvida, pessoas de empresas diferentes, e é muito complicado conseguir juntar as pessoas todas e haver métodos de segurança. É claro que há provas de segurança que são implementadas, há regras, material de segurança e faz-se o máximo para ter o máximo de segurança. Mas existem muitos casos de acidentes na construção civil, porque são muitas pessoas a trabalhar de empresas diferentes. Algumas empresas com muita política na área da segurança e outras nem por isso. A algumas só interessa o dinheiro e que o trabalhador esteja a trabalhar e mais nada. É muito complicado tentar regular isso.

Às vezes será o próprio trabalhador a facilitar…

J.V.- Alguns trabalhadores em Portugal, diria mesmo, na Península Ibérica, sem querer ofender ninguém, são aqueles “machos latinos”: “Eu sou bom, consigo levar isto, consigo fazer aquilo, e se consigo, sou o melhor”.

Depois de muitas vezes não tomarem medidas de segurança, para mostrar que são bons, acontece. Em vez de serem mais humildes e pensarem que podem arriscar-se a cair e que se usarem medidas de segurança, podem evitar partir um braço ou cortar-se ou mesmo morrer ou ficarem com problemas físicos para a vida. Poderiam evitar-se muitos acidentes se se cumprissem as regras de segurança. É claro que não vai haver um engenheiro ou um responsável de segurança atrás de cada trabalhador, é impossível. Felizmente, já se nota uma maior consciência relativa aos acidentes de trabalho.

Pratica-se um pouco por todo o país a subempreitada com empresas de construção de menor dimensão, por vezes com consequências bastante gravosas. De quem é a responsabilidade desta situação no país?

J.V.- Do mercado. Consegue-se fazer obras mais baratas, a quem lhe é adjudicada a obra. Querem poupar dinheiro e poupar responsabilidades. É certo que se essa empresa tiver 2000 trabalhadores tem que ter sempre obras para que esses 2000 trabalhadores estejam a trabalhar, se for uma empresa com um bom núcleo mas com os mesmos trabalhadores que consiga fazer subempreitadas, pouca dinheiro, porque se não houver obra, não tem que pagar salários e já pode seleccionar as obras. Em conclusão, só se faz subempreitada devido ao mercado. As empresas grandes estão a perder muitos trabalhadores, a desempregar muita gente no caso de não haver obras, mas quando existem obras contratam-se pequenas empresas para fazer os trabalhos que são menos especializadas. Em parte, pode ser bom ao contrário do que as pessoas pensam, porque uma empresa geral não é obrigada a saber de tudo de todas as áreas. Se tiver um bom núcleo faz um esboço, depois contrata um canalizador especializado para se fazer o trabalho e consegue ter um trabalho com muita mais qualidade. Essa é uma das vantagens das subempreitadas O grande problema é quando são contratadas só para poupar dinheiro e essas pequenas empresas não têm força para implementar segurança e medidas de segurança.

Quando se poupa é preciso tirar de algum lado, não é.

J.V.- Exacto. É esse o grande problema.

Qual é o papel do Laboratório Nacional de Engenharia Civil?

J.V.- O grande papel do LNEC é, em parte, tentar regulamentar tudo em termos de leis, em termos de certificações, caso uma empresa queira certificar material; são especializados em muitas áreas e conseguem fazer parcerias e estudos em todo o país de diversas coisas, que empresas normais podem não estar habilitadas a fazer. O LNEC tem um bom núcleo de engenheiros profissionais que estudam diversas áreas e conseguem desenvolver bons trabalhos em termos de engenharia em todo o país, para ajudar as empresas e o país em todas as questões.

Qual é a importância da Ordem dos Engenheiros?

J.V.- A ordem dos engenheiros, pelo que eu sei, pelo que eu tenho visto tem um bom trabalho na organização da classe de trabalhadores e na orientação dos trabalhadores, neste caso os engenheiros. Nem todos os engenheiros estão habilitados a fazer tudo. Para se fazer certas coisas é preciso ter outros cursos, ter outra formação, ser acreditado, a ordem dos engenheiros tem esse poder e esse trabalho, poder acreditar as pessoas para poderem fazer um certo trabalho…

Uma espécie de controlador da classe.

J.V.- Totalmente. Totalmente e acho muito bem, porque não está disperso por vários organismos. É só a ordem. Veja-se o caso dos professores: vários sindicatos, que lutam uns contra os outros e, no final, estão a prejudicar a própria classe. A ordem dos engenheiros trabalha para os engenheiros, para a nossa classe, sejam engenheiros electrotécnicos, civis, mecânicos, mas trabalha para nós e para desenvolver o país. A ordem consegue ter mais força junto ao governo e às entidades patronais.

Há muita especulação a nível da construção civil reservada à habitação?

J.V.- Houve. Hoje em dia já não é bem o caso. Há cinco, seis anos, o preço das habitações tem vindo a estagnar e nos grandes centros o preço tem vindo a descer, porque não se consegue vender. Construiu-se muito as pessoas não tem meios e quem quer comprar não pode. Muitas vezes quem quer comprar não tem meios para pagar um crédito, ou têm créditos para 30 ou 40 anos. E o preço da habitação tem vindo a baixar, pouco, mas tem vindo a baixar.

Perde a habitação a qualidade ou as empresas estão a ganhar dinheiro a mais.

J.V.- Por um lado estavam a ganhar dinheiro a mais, mas a habitação não está a perder qualidade. Quem está a perder qualidade são os trabalhadores. Antigamente saía-se da faculdade, ganhava-se bons salários. Hoje em dia, vai-se trabalhar quase a pedir por favor porque não há mercado e eles cortam, não na qualidade, já que quando se vai ver um apartamento, se não tiver qualidade, não se compra. As casas têm qualidade como tinham antes, ou se calhar até têm mais. As habitações não são mais caras quem perde com isso são os trabalhadores.

Há cada vez mais pessoas especializadas em vários ramos.

J.V. Porque é o mercado que vende, antigamente o engenheiro fazia de tudo e tentava e conseguia desenrascar porque havia mercado para todos, hoje em dia o mercado está muito mais restrito, e umas das soluções é especializar no ramo e tentar apostar nesse ramo e ganhar esse dinheiro e não dispersarem e no final não ganhar nada porque as pessoas querem é bom trabalho com qualidade.

De quem é a responsabilidade quando um prédio, seja de habitação ou não, começa a apresentar problemas?

J.V.- Depende. Quem é responsável é o construtor claro. Tem uma garantia de dez anos, não sei ao certo se já passou ou não, mas o responsável é o construtor, o empreiteiro. Muitas vezes é complicado provar que a responsabilidade é dele. São processos morosos e a justiça em Portugal é muito lenta.

É possível imputar as culpas ao engenheiro?

J.V.- Possível é, se a responsabilidade for dele, mas aí é um processo crescente. Primeiro vai-se ao empreiteiro, depois responsabiliza-se quem fez o empreendimento e caso seja um problema da concepção vai-se sempre voltar ao engenheiro.

Se pudesses escolher, que obra de engenharia, a nível mundial, gostarias de chamar tua?

J.V.- Isso é complicado, ao certo não sei, existem tantas obras magníficas de engenharia que ao certo não faço ideia. Para mim, talvez a torre Eiffel. É uma coisa linda, feita naquela altura, é espectacular.

Em que ponto enquadras a nova ponte sobre o Tejo, uma ponte enorme em dimensão, extensão e milhões?

J.V.- Numa ponte necessária. Necessária para uma capital. Não sei se haveria outras hipóteses de localização. Neste caso, obrigou a uma extensão enorme, a uma obra enorme numa zona bastante complicada, mas é uma obra necessária. Uma capital tem de estar ligada, tem de ter passagem para a outra margem.

A que estudos obriga uma ponte daquelas que atravessa pontos que podem por em causa a segurança da própria ponte?

J.V.- Para já, um grande trabalho geotécnico das fundações para ver que tipo de fundações se poderão colocar no sítio, penso que é o trabalho principal antes de se fazer a ponte, para além dos estudos ambientais, que muitas vezes são postos de parte e muitas vezes muito mal feitos, mas isso é outra questão. O principal é o estudo das fundações, do solo e, a partir daí, escolher as opções certas, porque em qualquer sítio, em qualquer solo, consegue-se fazer aquilo que se quiser, com custos maiores ou menores.

A poupar não está, obviamente, o governo no aeroporto da Ota. Parece-te uma boa opção?

J.V.- Pelo que eu ouvi dizer, e pelo que eu ouvi na RTP, pelos factos apontados acho que é uma má opção. Apresentaram o projecto Ota ao público e não puseram mais escolha nenhuma. Acho que é um trabalho muito leve, impor uma escolha sem se verem outras hipóteses. Mas aí não é um problema da engenharia. É um problema de política e isso, em Portugal, deixa muito a desejar.

Os engenheiros já chegaram à conclusão de que daqui a 10, 15 anos aquele aeroporto estará ultrapassado. Não dá para estender essa insistência.

J.V.- Não conheço o caso, não sei nada sobre ele, mas pelo que ouvi dizer é verdade. Supõem-se que, ao fim de 30 anos o aeroporto vai estar completamente cheio, e é preciso nessa altura ou antes começar a construir outro. Acho que é uma estupidez para um país pobre como o nosso, gastar tanto dinheiro num sítio como aquele, com solos que pedem grande investimento para se tornarem viáveis e que ao fim de trinta anos deixarão de cumprir os requisitos, o que obrigará à construção de um novo aeroporto, noutro lugar, com todo o investimento que acarretará. 

Na tua opinião, que futuro espera os jovens portugueses?

J.V.- Bastante negro. Pela mentalidade dos portugueses vai continuar mal, e vai continuar assim durante muitos anos, porque o português tem uma mentalidade muito esquisita. Se estiver tudo bem é uma alegria toda a gente. Toda a gente está em euforia por todo o país. Começa a estar mal, estamos todos mal, pobrezinhos, coitados de nós e estamos à espera que nos dêem algum dinheiro da Europa, que foi dedicação de 20 anos desde que entramos na Europa. Os portugueses foram habituados a isso. Não, o país não esta mal, mas como as pessoas o põem, vai continuar mal porque não há ninguém que abra os olhos e diga vamos para a frente. Vamos trabalhar para desenvolver o nosso país, como trabalham, por exemplo, os espanhóis.

Hoje em dia cerca de 20% da população mundial preocupa-se com a ecologia. Para quando casas ecológicas?

J.V.- Está-se a começar a trabalhar bastante nesse ramo, mas ainda estamos no início. Acho que se poderia fazer muito mais e copiar modelos nórdicos, que já trabalham nesses projectos há muito, muito mais tempo do que nós, só que ficam muito mais caras. Sempre a questão económica. O dinheiro em Portugal é escasso, as pessoas não querem gastar dinheiro. Esse dinheiro seria recuperado a médio prazo mas, o português diz: “Aquela casa é cara, aquela é mais barata. Vou comprar a mais barata”.

Mas quando falamos de casas ecológicas falamos de casas como?

J.V.- Com painéis solares, com muito melhor isolamento, segundo a orientação da casa consegue-se poupar muito calor, ganhar calor, consegue-se poupar água, poupar muita electricidade, só que é preciso um grande esforço, um grande esforço de engenharia. Os projectos seriam mais caros, os empreiteiros não querem pagar, a casa por ela própria, com os materiais que se poderiam utilizar, fica mais cara. Em Portugal é bastante complicado seguir esse caminho mas acho que é o futuro.

O que poderá ser feito em prol do desenvolvimento da região de Trás-os-Montes?

J.V.- Isso é muito complicado, muito complicado. Acho que a região de Trás-os-Montes precisava de outro dinamismo, o grande problema de Trás-os-Montes é que a agricultura está a desaparecer, não há indústria, conclusão as pessoas vão fugindo de cá. Se houvesse algum dinamismo, algum investimento em Trás-os-Montes, seria o princípio do caminho inverso, só que para isso são necessárias pessoas que queiram arriscar e Portugal não é país de pessoas que queiram arriscar. Querem coisas seguras.

Bastante. Quem tem dinheiro não o quer perder. Conclusão, Trás-os-Montes fica para segundo plano e vai investir em mercados mais seguros como o litoral.

Se tivesses o dom de escolher uma grande obra de engenharia aqui para Trás-os-Montes qual era a obra que escolhias.

J.V.- Não é uma grande obra mas é uma obra que fazia falta que era uma auto-estrada Porto Bragança e de Bragança até ao Algarve porque temos uma bela auto-estrada que vai de Braga até ao Algarve pelo litoral, mas pelo interior Portugal não existe. Quer dizer, não somos de Portugal nem de Espanha. Ninguém toma conta de nós. Nem digo uma auto-estrada. Seria melhor uma boa rede de estradas. Quem vê agora o caso de Vimioso onde não querem deixar construir a estrada por causa de uma espécie de morcegos, antes eram ratos agora são morcegos… é por isso que Trás-os-Montes é o atraso que é. Para se fazerem 80 km demora-se uma hora e tal. Se tivéssemos uma boa rede de estradas que ligasse o nosso país, talvez não fosse muito mais vantajoso do que uma auto-estrada propriamente dita.

Mas é irónico que se queira construir um aeroporto na Ota e não se deixe construir uma estrada por causa de um morcego.

J.V.- Por causa de vinte ou trinta quilómetros, é uma estupidez. É o país que temos onde, meia dúzia de ecologistas, que vivem em Lisboa venham para cá protestar por causa de um morcego.

É uma falta de interesse pelo interior.

J.V.- Completamente. Estão a fechar hospitais, a fechar centros de saúde… para se fazerem oitenta quilómetros demora-se uma hora e tal, não querem fazer estradas e depois é normal que os jovens que estão cá e querem trabalhar fujam de cá, porque não há condições, não estão para estar aqui, terem um problema e não se conseguirem desenrascar. Não estão para estar completamente fechadas no meio do mundo.

Quais são os principais problemas desta região?

J.V.- Falta de juventude. É uma região muito envelhecida. Não há incentivos para os jovens. Um jovem como eu, eu conheço muitos jovens de Bragança que estão a estudar lá em Lisboa, Porto ou noutros locais e que gostariam de voltar para cá. No meu caso, se puder vir venho, mas é complicado. Já sei que é complicado, porque não há mercado, não há trabalho, o pouco trabalho que há já está organizado para certas pessoas e é muito complicado para uma pessoa como eu que não tem a cunha que se conhece para arranjar emprego. Uma pessoa tem que lutar pelo que quer. O que falta é juventude em Portugal, juventude em Trás-os-Montes e é complicado. Não estou a ver grande solução para isto.

Se calhar, podem surgir indústrias que tragam de novo a juventude que foi embora, não é?

J.V.- Se acontecer sim, é uma solução. É a única que pode trazer juventude para cá. Sem isso nada pode ser feito.

E as estradas, como anteriormente referiste…

J.V.- Se o dinheiro fosse gasto numa boa rede de estradas em Trás-os-Montes que ligasse Vimioso, Mogadouro, Moncorvo, etc. a Bragança, seria muito mais vantajoso do que uma auto-estrada, já que afinal o IP4 (itinerário principal4) é uma dupla auto-estrada com a vantagem de não pagar portagens.

E para terminar a entrevista de hoje do Nordeste com Carinho, que personalidade ou personalidades mais te marcaram ao longo da sua vida.

J.V.- Os meus pais. Acho que toda a gente deve dizer isso. Foram e são uns bons pais. Agora, personalidades há tantas! Portugal tem muita gente e muita gente boa, de valor. Tem e teve só que, as pessoas não dão valor a esse conhecimento. Acho que isso é uma questão de cada um e prefiro guardá-la para mim.

Muito bem. Obrigado pela entrevista ao nordeste com carinho.

J.V. Eu é que agradeço.


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