O pior que pode acontecer à democracia é
prestar- -se ao ridículo, justificando as diatribes dos seus inimigos, que
infestam a história política dos milénios que já levamos à face da terra.
Todos reconhecemos as virtudes do modelo
democrático, mas também sabemos que, se não houver elevação, carácter e
coragem, se correm sérios riscos de abrir as portas da baixeza, da indignidade,
da malevolência concertada ou do simples império de todos os caprichos que, no
fim de contas, instala um caos agoniante, dispondo as comunidades para a
celebração do murro na mesa de um qualquer tiranete mais afoito.
A experiência tem-nos demonstrado que na
nossa vida quotidiana, especialmente nas últimas décadas, quando um
entendimento distorcido dos direitos infantis se tornou num viveiro de
imperadorzecos impertinentes, estamos a adubar um problema social sem solução
no horizonte das próximas gerações.
Este é o resultado nefasto da
sobrevalorização do individualismo radical a coberto de grandes desígnios que
levariam a humanidade a novos paraísos, mas que se ficam por tragédias
recorrentes, tendencialmente mais graves a cada nova fuga em frente, como se verifica
nos vanguardismos pedagógicos, nas abordagens da psicologia papel de embrulho
melado ou da sociologia vesga, porque indiscernível da teimosia ideológica.
Para não nos deixarmos iludir pelas
aparências, vale a pena assestar, com frieza racional, a lente que permite
perscrutar as propensões dos fenómenos que nos rodeiam, sem desprezar a
sabedoria secular de reflexões filosóficas, de intuições geniais, mas também do
pragmatismo puro e duro.
Há meio século era vulgar ouvir
comunistas empedernidos chasquear com a dita extrema esquerda, que constituiria
doença infantil, antes de chegar o tempo da solidez na procura de verdadeiras
soluções para o mundo. Tinham alguma razão, porque, geralmente, os movimentos
radicais não iam muito além de pátios de ilusões, jardins de delícias à medida
de cada subjectividade.
Na verdade, assistimos durante décadas à
fragmentação e pulverização, que fazia de cada um uma alternativa messiânica,
condenada a reduzir-se ao narcisismo petulante, a pairar sobre vapores etílicos
e fumos inebriantes. Também se observavam fenómenos brutais de refúgio num
arrependimento feroz, que recuperava o que de mais tradicionalista, arcaizante
e reaccionário se podia imaginar, aparentemente com a mesma veemência que se
lhes conhecera antes, quando se arvoraram em profetas, escolhidos para a
definitiva revelação.
Só num contexto como este poderemos
explicar o caldo rançoso que se armou à volta do caso Joacine, uma mulher com
uma história de dor e ilusão, que terá acreditado na partilha de afectos e na
união para a defesa de valores respeitáveis, sem pressentir que não passaria de
arma de arremesso.
Os meninos mimados que fizeram a festa
quando foi eleita rapidamente se tornaram mestres escola impiedosos, em nome de
uma ortodoxia construída à pressa, quando perceberam que a sua vaidadezinha se
poderia vir a ficar pelas ruas da amargura, revelando-se, afinal, capazes do
verdadeiro racismo, que dizem condenar.
Escrito
por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste
Retirado
de www.jornalnordeste.com
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