- Não filha. A vida não é assim,
como vês nos filmes românticos. É mais complicada, muito mais… mais áspera,
mais ressequida…
“Custa-me
dizer-te isto filhota, mas tenho de te preparar para o bem e para o mal. Vê os
teus irmãos, tão pequenos ainda, a tua mãe tão batalhadora, tão preocupada, com
tantas saudades da sua mãe…”
“A
vida minha querida, é mais do que tu imaginas nesta tua ingenuidade de menina.
Quisera ter o poder de vos limar todas as arestas, todas as esquinas. Não tenho
filha. Não consigo."
"É superando todas as adversidades que nos tornamos mais
fortes, melhores pessoas, predestinados a cumprir o nosso destino.”
“As
tuas dúvidas, as mais básicas, serei capaz de tas tirar. As outras, só Deus e
tu conseguirão resolver. Estou sempre contigo e para ti, para os teus irmãos,
para a tua mãe e para todos aqueles que precisarem de mim.”
-
Ó Zé, são horas de ir dormir homem! Daqui a pouco tens de te levantar para ir trabalhar. Deixa lá
a garota. Quanto tendes que dizer! Vá filha, vai dormir! Depois não descansas o suficiente.
Era
sempre assim a seguir ao jantar, quando o meu pai conseguia jantar connosco. Ficávamos
sentados à mesa da cozinha enquanto a minha mãe arrumava tudo. Os meus irmãos, passado algum tempo, iam brincar para a sala e eu e o meu pai continuávamos a conversar sobre tudo.
O
meu pai era o meu herói incontestável e incontestado. Tudo o que ele me dizia
ou ensinava fazia sentido. Menina ainda, conseguia assimilar o que ele, na sua
sabedoria, me ia ensinando, calmamente, serenamente, num tom de voz tranquilo e
baixo. E quanto mais baixo era o tom da sua voz, mais importante era o que ele
tinha para me dizer.
Às
vezes zangava-se comigo como é natural. Fazia tontices como todas as crianças e
era muito teimosa. A palavra que mais facilmente saía da minha boca era “não”.
Tinha o não na pontinha da língua, sempre pronto. No entanto, depois de dizer que não, assumia sempre o
sim e fazia o que me mandavam fazer. Era refilona, contestatária.
O
olhar do meu pai era como mel. Quando olhava para nós, derretia-se em ternura e
orgulho paternal. Perdoava-nos sempre todos os erros e ensinava-nos a corrigi-los com palavras serenas e exemplos vividos.
Era assim o nosso pai. Era assim o meu herói. Faleceu no dia 27 de julho aos 87 anos, depois de doença prolongada.
A vida, por vezes, é injusta. O sofrimento é o inferno na Terra. Ninguém merece sofrer, mas há alguns que merecem menos. O meu pai era uma dessas pessoas. Toda a vida ajudou os outros, toda a vida se deu a quem dele necessitou.
Para a minha mãe foi o primeiro e único amor, o amigo, o abraço, a ternura, a compreensão e o complemento perfeito de sua alma gémea.
Para nós, filhos, foi o exemplo, o carinho, o amor, a mão estendida, o olhar doce, o sorriso malandro, o humor inteligente, a honestidade, o respeito, a brincadeira e a seriedade...
Maria Cepeda
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