«Memórias do Salto» recolheu 72 testemunhos de
emigrantes que partiram à procura de uma vida melhor durante o Estado Novo.
Foram 900 mil portugueses que emigraram nesta altura e 550 mil a salto.
César Afonso tem 81 anos, é de Nuzedo de Cima,
Vinhais. Foi a salto para França em 1964 e usou o método da fotografia rasgada
para os pais pagarem a sua passagem quando chegasse a França. “O passador
português levou-me até à Espanha, o espanhol até à França e o francês é que me
levou para Clermont- Ferrand. Eram três passadores. Eu só paguei depois de lá
estar, eram 7 mil escudos. Eu dei-lhe uma fotografia minha rasgada. Levei
metade comigo e eles ficaram com outra metade. Quando eu lá cheguei, a
fotografia que eu deixei aqui, já tinha chegado a Clermont-Ferrand. Quando
reunimos as duas partes da fotografia é que eu mandei pagar aos meus pais a
passagem” contou César Afonso. Este é um dos testemunhos que foi recolhido
através do projecto «Memórias do Salto» que o Museu Abade Baçal, em Bragança,
inaugurou na sexta-feira, às 21h00. Um projecto de levantamento de testemunhos
de transmontanos que entre 1954 e 1974 emigraram a salto. A exposição «Memórias
do Salto» retrata a emigração clandestina na raia com 72 testemunhos com
“vários perfis, que vão desde o passador, ao PIDE, guarda-fiscal e aos
emigrantes”, explicou a directora do museu, Ana Maria Afonso. A apresentação
deste trabalho, permite a nível histórico, antropológico e sociológico, fazer
um estudo bastante profundo e sobretudo comunicar e dar voz a estes
protagonistas que de outra maneira se perderia porque como era emigração
clandestina, não existia registo. “É uma obrigação que temos e de homenagem a
estas pessoas”, acrescentou a directora do espaço que também acolhe a exposição
«Douro, lugar de um encontro feliz» da autoria de António Barreto. Outros dos
testemunhos é de António Machado que foi agente da PIDE. Esteve no posto de
fronteira de Quintanilha entre 1959 e 1963 e contou que a PIDE tinha má fama,
mas muitas histórias eram exageradas. O objectivo do seu trabalho era apanhar
os passadores e afirmou que “era muito difícil fazerem os emigrantes falarem,
pouco servia apertar com eles, não confessavam nada” refere António
Machado.
A apresentação do projecto contou, sábado, com um
ciclo de conferências dedicadas ao tema. O primeiro painel esteve a cargo de
Victor Pereira, historiador francês com ascendência portuguesa que explicou o
contexto histórico do Estado Novo. “O Estado Novo e a ditadura vigente
até 1974 não emitiam facilmente passaportes porque não se pretendia que as
pessoas fossem embora. Por um lado, havia as guerras coloniais, a partir de
1961 e eram precisos soldados e colonos.” Continuou a contar que existia uma
forte resistência dos proprietários agrários que não queriam que as pessoas
fossem embora, porque iam aumentar os salários, e também porque tinham medo que
quando os portugueses emigrassem para a França, sendo este um país democrático,
onde já havia sindicatos e a emergência do Partido Comunista e temia-se que os
portugueses voltassem comunistas, como se dizia na altura. “Por esses diversos
motivos, era muito difícil ter um passaporte de migração e muitas pessoas
escolhiam ir a salto” relatou Victor Pereira.
Uma das referências a nível nacional e internacional
sobre a migração que esteve presente nas conferências que decorreram no sábado
foi Maria Beatriz Trindade, que congratulou o trabalho desenvolvido, “eu acho
que este museu e esta cidade estão de parabéns e sobretudo este projecto para o
futuro. O espaço da exposição é excelente e a prova é que conseguiu encher um
auditório e estes assuntos mais ligados às humanidades, nem sempre despertam
nem catalizam o interesse” contou a professora Catedrática da Universidade
Aberta e fundadora do Centro de Estudos das Migrações e das Relações
Interculturais – CEMRI.
Mélanie Lopes foi a investigadora de «Memórias do
salto», no âmbito de uma dissertação apresentada em Setembro de 2016 e que
resultou neste acervo cultural que retrata a emigração de 900 mil portugueses e
550 mil clandestinamente.
Para além do ciclo de conferências também foram
exibidos os filmes «O Salto», «A Fotografia Rasgada» e «Lissac».
Os municípios onde foram recolhidas estas histórias
de vida foram Vinhais, Bragança, Vimioso, Miranda do Douro, Mogadouro e Macedo
de Cavaleiros.
Um projecto desenvolvido pelo Museu Abade Baçal,
pela Associação dos Amigos do Museu e pela Faculdade de Letras da Universidade
do Porto. O projecto teve o valor de 100 mil euros, com o apoio do Norte 2020.
As exposições vão estar patentes até ao dia 30 de Junho.
Escrito
por: Jornalista Maria João Canadas
Retirado
de www.jornalnordeste.com
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