Daqui a 50 anos, se for consultado um arquivo
digital “super fancy”, da memória do meado de julho de 2016, quem estiver em
frente ao écran, se é que ainda haverá écrans…, passará como cão por vinha
vindimada (tentação retro, esta de falar em provérbios) por uma nota obscura
sobre perspectivas de investimento estrutural para o nordeste transmontano,
avançadas de forma pouco clara por um ministro do governo de agora, de mão dada
com a responsável de uma unidade de missão para o desenvolvimento do interior.
As declarações foram proferidas numa reunião
do partido que lidera o governo, nesta fase em que se vivem tempos que, para
uns, são de rupturas prometedoras, enquanto outros os encaram como caminhos de
alto risco, passíveis de reconduzir o país a um trajecto de certo e sabido
naufrágio, para gáudio dos novos adamastores, não só tonitruantes, mas
verdadeiramente sanguinários, num festim realizado sobre as milhentas misérias
que repõem o mundo no verdadeiro lugar da eterna perdição.
Perante isto, as gentes do nordeste
transmontano não romperam em entusiásticos hossanas, até porque lhes vão
faltando as forças, sequer para respirar. Mas também porque, em tempos idos, já
se ouviram responsáveis da condução política do país, proclamando quererem
redimir-se, apesar de relapsos, do pecado da omissão que nos tem posto à mercê
da gadanha da história.
É quase constrangedor continuar a ouvir
discursos redondos, sem consequências, aparentemente destinados a funcionar
como paliativos, mesmo à espera que chegue o dia em que deixaremos de perturbar
o folguedo das turbas sem horizonte, como aconteceu com o famoso “pôr Bragança
no mapa”.
Quando ouvimos um ministro retomar arengas
recocadas, em conjugação com a responsável da unidade de missão por vir à luz,
que admite ainda colocar-se a possibilidade de a região vir a ser contemplada
numa redefinição da rede de ligações ferroviárias, a primeira pulsão é a do
desabafo carroceiro, para depois, mais serenamente, lançar um olhar reprovador,
mas misericordioso, sobre a dissimulação, talvez envergonhada, de quem aparece
à flor do palco, para uma representação mal amanhada nos bastidores da
politiquice nacional. Porque nós até conhecemos os planos de intervenção na
rede ferroviária.
Naturalmente, os protagonistas locais que
apoiam o governo, estarão a debater-se com o dilema de aplaudir mais uma
opereta ou ter a coragem de dizer, olhos nos olhos, aos enviados da capital que
já basta de procrastinar e ou sim ou sopas.
Esta situação de falinhas mansas, mesuras e
palmadinhas não tem contribuído para nos dignificar e muito menos para mudar a
nossa condição, que continua a ser a de atentos e obrigados lacaios
cerimoniosos de um poder que precisa de conhecer o vigor e a coragem de que,
por aqui, somos capazes.
Por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste
Retirado de www.jornalnordeste.com
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