segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Entrevista com Salomão Fernandes, aluno e Maria Antónia Martins, professora


Entrevista com Salomão Fernandes, aluno e, Maria Antónia Pires Martins professora, vencedores do primeiro prémio nas olimpíadas nacionais de ambiente.

Salomão Assis Campos Fernandes nascido a 10 de março de 1992 em Bragança, filho de António Joaquim Fernandes e de Branca Maria Ribeiro de Almeida Campos. Frequentou a EB1 de Nogueira e frequenta o 9º ano da EB2 3 Paulo Quintela. Vive em Nogueira, Bragança. Ocupa os tempos livres com a prática da natação, gosta de ir ao cinema, de ver televisão, de estar com os amigos e, de ouvir música. Ganhou o primeiro prémio da final nacional das décimas segundas olimpíadas do ambiente.

Maria Antónia Pires Martins, natural de Bragança, freguesia da Sé, casada, frequentou a escola do Toural. Escola Preparatória Augusto Moreno, secundária Abade de Baçal do 7º ao 9º ano, secundária Emídio Garcia do 10º ao 12º ano na área de ciências. Concluiu a licenciatura em geografia em 1988, na faculdade de letras do Porto. Foi professora nas escolas Miguel Torga, Emílio Garcia e Carvalhais. Lecciona na escola EB 2 3 Paulo Quintela desde o ano de 1997. Foi a professora responsável pela participação dos alunos da escola nas olimpíadas nacionais do ambiente.

Salomão, a primeira pergunta é para ti. Tu sempre viveste em Nogueira?

Sempre.

E gostas de viver no meio rural?

Gosto por alguns motivos, não gosto por outros. Gosto do contacto com a natureza, o campo. Mas na minha idade gosto da cidade por outras razões. Em Nogueira não há muita gente, os meus amigos vivem todos na cidade e, nas aldeias não tenho tanto contacto com eles.

Tem convenientes e inconvenientes, não é? E neste momento para ti que tens 15 anos?

Preferia viver na cidade.

O que é que no teu entender tem de especial a EB 2 3 Paulo Quintela?

É uma escola boa, tem boas condições. Sim, tem o facto de eu andar lá. Foi lá que eu recebi o prémio.

E isso já é uma marca, não é?

Sim, não me esqueço mais dela.

Agora, professora, comparando a sua infância e juventude com as crianças de hoje, quais são, as principais diferenças?

Bom, o acesso à informação que nós não tínhamos, nomeadamente a Internet, a televisão por cabo e satélite, que dão acesso a informação que nós não tínhamos. Depois, também há outros malefícios, andávamos muito mais à vontade na rua, brincávamos na rua, íamos para a escola sozinhos, coisa que hoje em dia os pais não deixam os filhos fazer.

A sua vida está intimamente ligada à região. Apenas esteve fora durante a licenciatura...

Sim, durante o curso.

Como é que foi esse período?

Não gostei sinceramente. Nunca me adaptei ao Porto, nem ao clima do Porto, nem à vivência do Porto e, sempre que podia vinha a Bragança. Mal acabei o curso, vim para cá trabalhar em 1988.

E porquê a geografia?

Olhe, foi uma professora que me fez gostar de geografia no 9º ano e, nesse ano decidi ser professora de geografia e assim foi. Professora que ainda hoje lecciona na escola secundária Miguel Torga foi minha professora na Abade Baçal e, foi ela que me fez tomar o gosto pela geografia.

Porque escolheu trabalhar em Bragança?

Porque sempre gostei de Bragança. Saí e, se calhar, a experiência fora de Bragança, não foi a melhor. Não me adaptei ao Porto e decidi voltar novamente às raízes. Tinha cá a minha família e acabei por voltar para Bragança.

E sempre quis ser professora?

A partir dessa altura, em que eu gostei de geografia no 9º ano, decidi que queria ser professora e, gosto de ser professora, muito.

Agora vamos falar do concurso propriamente dito. Porque é que vocês os dois e, outros alunos da EB 2 3, porque é que resolveram concorrer?

Salomão: Eu já participei o ano passado, fui logo eliminado na 1ª fase. Gosto destes temas relacionados com o ambiente, acho importante e, nem tinha conhecimento destas olimpíadas antes de chegar à escola e, mal tomei conhecimento decidi participar. O ano passado e este ano outra vez.

Professora: O ano passado decidi inscrever a escola, à volta de Novembro e incentivei os meus alunos, entre eles, o Salomão, a participarem. Este ano voltei novamente a inscrever. O Salomão estando no 9º ano, grande parte do programa do 9º ano é sobre o ambiente, o Salomão está a gostar da matéria e participou, e outros alunos obviamente.

Fale-nos brevemente sobre a orgânica deste concurso. O que são, afinal, as olimpíadas do ambiente?

Bom, é um conjunto de fases, passa por 3 fases. A 1ª fase decorre em Janeiro, são só questões de escolha múltipla sobre ambiente, variantes que vão desde a geografia à físico-química e, depois tem 2 questões de desenvolvimento que servem apenas para desempate, não mais do que isso. Na 2ª fase continuam a ser questões de escolha múltipla, mas já tem 2 questões de desenvolvimento. O aluno tem que ter alguma capacidade de organizar ideias sobre 2 questões que são colocadas, normalmente com aspecto crítico. A 3ª fase que é a fase nacional a que o Salomão chegou, que além de escolha múltipla também tem prova oral. É um tema que lhes aparece de repente e, eles têm em poucos minutos de preparar a prova oral.

Só aí já tenho que dar os parabéns ao Salomão, porque o Salomão é assim um bocadinho tímido, mas portou-se lindamente na oral.

Salomão: Mas também éramos quatro, não era só eu e ajudávamo-nos uns aos outros. Os assuntos eram debatidos por todos, claro que ao apresentar havia mais confiança porque sabíamos que tínhamos lá os outros para ajudarem.

Portanto Salomão foi realmente um grande feito que tu tenhas ficado em 1º lugar, onde estavam quase 17000 alunos de escolas de todo o país. Conta-nos como foi.

Foi uma experiência muito interessante. Eu não estava nada à espera. Fiquei impressionado até comigo próprio, contente.

E deu-te vontade de continuar nesse campo? Então o que é que pensas seguir?

Pois, deu-me vontade de continuar e, eu estava indeciso sobre o que é que havia de seguir para o ano e, ainda fiquei mais. Ainda tenho é mais dúvidas. Ainda não tenho uma ideia formada, ainda estou muito indeciso.

A última fase obrigou-te a ir até ao Algarve, mais precisamente a Albufeira. Fala-nos dessa aventura, que deve ter sido uma aventura e, de tudo o que tiveste que fazer nessa final do concurso.

A parte de Albufeira foi uma das partes mais interessantes. A parte aborrecida foi a viagem de camioneta, muito comprida. Mas depois lá, toda a gente se conhecia, estavam todos lá pela mesma razão, todas as pessoas muito interessantes, conversavam todos, todos muito amigos, jantávamos todos mais ou menos juntos. Sem ser nas actividades, encontrávamo-nos. Dávamo-nos todos bem.

O que sentiste quando soubeste que tinhas ganhado?

Fiquei contente, é difícil de explicar o sentimento, fiquei muito contente, ainda para mais não estava à espera, fiquei muito contente.

E o que é que ganhaste?

Foram várias coisas. Um leitor de mp3 de 1GB, um cartão de livre visita ao Zoo Marine 2007/08, vou plantar uma planta no Zoo Marine, ganhei uma semana de férias em Castelo Branco para 4 pessoas e, vou integrar um projecto de reintrodução da tartaruga a 12 milhas da costa, para mim o mais engraçado.

Eu sei que isso foi uma das coisas que mais alegria te deu…

Eles não tinham dito os prémios, só disseram mesmo no fim. Tinha lá envelopes, abri e, até eu próprio me espantei.

Também gostava de estar nessa aventura...

É uma experiência nova, nunca participei. Já vi assim coisas pela televisão, mas nunca participei em nada disso e deve ser muito engraçado. A reintrodução da tartaruga foi o que mais gostei.

Será que o facto de tu viveres em comunhão com a natureza, facilitou o teu trabalho?

Eu acho que sim. Ajuda nalguns aspectos que se aprendem mesmo com o contacto, coisas de animais, migrações, natureza, clima, são tudo coisas que as pessoas na aldeia sabem e, se uma pessoa está lá também vai aprendendo, apesar de estar noutra geração, de serem coisas informatizadas, vou sempre aprendendo alguma coisa.

Sim, a prática ajuda bastante. Se a gente estuda fica uma ideia, mas com a prática aprende-se muito melhor.

Desenvolve-se a ideia.

Professora, fale-nos do trabalho desenvolvido com os alunos da EB 2 3 Paulo Quintela, pois eu sei que o Salomão não foi o único.

Não, não foi o único. Na 1ª fase, 1ª eliminatória, eram 47 alunos, se não estou em erro, ficaram 5 para a segunda, dois dos quais o Salomão e outra miúda, a Andreia, que estava entre os 200 melhores nacionais. Andei a preparar esses 5 alunos, nas tardes em que eles tinham disponibilidade, na hora de almoço, dentro daqueles temas que hipoteticamente poderiam sair, que normalmente saem das olimpíadas de anos anteriores, coisas que habitualmente saem e, portanto, eu trabalhava um bocadinho com eles. Entretanto, para a fase final só ficou o Salomão e era com ele que eu me encontrava na hora de almoço e, estudávamos aspectos de muito pormenor que às vezes saem e que passam despercebidos.

Acha que os alunos estão motivados para a defesa do ambiente?

Sim, e cada vez mais. Ultimamente com alguns debates que têm aparecido na comunicação social, alterações climáticas, biodiversidade, é evidente que eles se sentem muito mais motivados neste momento e apercebem-se de que o clima está a mudar.

E, nós temos, a nível do ambiente uma situação privilegiada, se compararmos com algumas zonas do país...

Sim, em relação aos grandes centros urbanos, obviamente que temos. Ainda temos um ambiente relativamente puro, não há indústria praticamente, a poluição que há é dos veículos automóveis, há as províncias com muito poucos habitantes, estamos perto de zonas de serras e do parque natural de Montesinho e, isso dá à partida uma vantagem em termos ambientais.

E o parque natural. Portanto, nós estaremos a tirar dele o melhor proveito?

Possivelmente não.

E o que se poderia fazer para potenciar a riqueza que temos, pois o parque natural é uma riqueza, efectivamente. O que poderíamos fazer para potenciar essa riqueza?

(Professora) Fundamentalmente para já dar a conhecer. Muitas pessoas de Bragança ainda não o conhecem. Para já identificam o parque natural com a serra de Montesinho e, não sabem a dimensão que tem o parque de Montesinho...

O parque é enorme.

(Professora) O parque é enorme. Muitas vezes as pessoas no meio rural, que ficam dentro do parque natural, sentem-se pouco motivadas porque estão muito limitadas para alguma coisa que queiram fazer.

Fala-se muito dos ataques de lobos aos rebanhos e, as pessoas demoram imenso tempo a serem ressarcidas.

(Professora) Por exemplo. Esse é um dos motivos. As pessoas acabam muitas vezes por matar o lobo, porque efectivamente se têm prejuízo nunca mais são indemnizadas do prejuízo e, o meio de subsistência significa muito para essas pessoas.

Tinha esperança de ganhar o concurso?

Eu tinha, porque desde início o Salomão sempre teve uma pontuação muito alta. Logo na 1ª fase, ele tinha somente 18 alunos com uma pontuação superior à dele, na 2ª apenas 3 e, eu quando me despedi dele antes de ir para o Algarve eu disse-lhe : “Tens de trazer algum dos prémios porque efectivamente estás muito próximo de ter um dos três primeiros.” E conseguiu ter o primeiro.

O que é que pensam deste tipo de atividades?

(Professora) As olimpíadas do ambiente são óptimas, não só porque mexem com as escolas mas fazem, também, que estes alunos leiam alguma coisa sobre o ambiente, o que os motiva para repensarem o ambiente, no século vinte e um, em que o ambiente está nas principais preocupações.

E tem de ser esta geração a fazê-lo, porque os mais velhos não assumem ou não têm essa capacidade. A responsabilidade é de todos nós.

(Professora) Quando falamos da necessidade de, em casa, separarmos o lixo, alguns miúdos dizem: “Os meus pais não querem, mas eu tento fazer alguma separação.” Eles levam para casa essa vontade de fazer alguma coisa. Mas é difícil mudar velhos hábitos.

Neste tempo em que os rankings estão na moda, reconhece ao ensino particular/privado mais competência?

(Professora) Não. Não vejo as coisas dessa forma. Acho que o ensino particular/privado é um ensino para pessoas de uma classe social alta e, portanto, à partida com outro acompanhamento que não têm os miúdos que vêm obviamente dum meio rural e que diariamente têm que se levantar muito cedo para chegar à escola. Chegam a casa muito tarde e, não têm ninguém que os ajude nos estudos, nem explicador, nem computador, nem outros meios que os miúdos de colégio privado, de um nível social alto possam ter. Têm a possibilidade de fazer turmas muitas vezes pequenas, muito pequenas até. Portanto, conseguem fazer outro trabalho, é evidente.

Portanto, o Salomão é um exemplo muito positivo de um aluno que vive em meio rural, que não fica nada a dever aos colégios particulares, nem a qualquer outro meio citadino.

(Professora) E não é o único. Basta ver os resultados na entrada para as diversas faculdades.

Salomão, com os teus 15 anos, tu sentes um orgulho muito grande, não sentes?

Sinto.

Como vencedor de um concurso relacionado com o ambiente, o que é que tu aconselharias às pessoas para o proteger?

Eu acho que as medidas, se calhar as mais importantes, que nós não tomamos, são as coisas mais simples. A reciclagem, o cuidado a controlar a água, não deitar o lixo ao chão, coisas que não custa nada fazer e ninguém liga nenhuma. Nos contentores ninguém liga nenhuma à separação, pequenos gestos que fazem a diferença.

E tu achas que está nas tuas mãos e na mão dos teus contemporâneos, aqueles que são mais ou menos da tua idade, dos mais novos e dos ligeiramente mais velhos? Achas que está na vossa mão fazer com as pessoas mudem?

Eu acho que está nas mãos de todos, mas principalmente nas nossas, porque nós estamos a ser educados dessa maneira e, temos já essas ideias. As pessoas mais velhas não estão habituadas, não sabem, nem sequer ligam. Há muitas pessoas que nem sequer sabem que o clima está a mudar, não vão fazer nada para que ele volte a ser como era.

Tu que vives em meio rural, deves aperceber-te disso com muita frequência, mas as pessoas das aldeias não têm essa sensibilidade...

As pessoas das aldeias, se calhar até têm mais cuidado do que as pessoas das cidades, porque pensam que ali têm de preservar por causa dos animais, mas não têm tanto cuidado como deveriam ter. Mais, nas aldeias, têm muito menos informação que nas cidades.

Então tu achas que apesar de tudo as pessoas que vivem em meio rural têm mais cuidado que as pessoas que vivem em meio urbano?

Acho que têm mais cuidado em questões relacionadas com o ambiente. Vivem em permanente contacto com o meio ambiente, vão também sentindo as alterações, apesar de não saberem mesmo. As pessoas das cidades constroem prédios, não têm cuidado com a preservação das árvores, não lhes interessa quase nada.

Por acaso acho que falaste ai de uma coisa muito interessante, que as pessoas que vivem nas aldeias, do teu ponto de vista, têm mais sensibilidade ambiental...

Acho que sim.

Temos que mexer com consciências, balançar esta gente para ver se começam a fazer o que têm a fazer e isso está nas tuas mãos e nas mãos da tua geração.

Nas minhas e nas dos outros.

A vertente de proteção do ambiente poderá definir o futuro de toda esta região?

(Professora) Sim. Não vejo outra perspectiva senão essa. De facto, em todos os aspectos, para o próprio turismo. Preservar para atrair o turismo.

Neste momento em que se fala de hotéis de qualidade, acha possível que se coloque um hotel destes na serra da Nogueira, absolutamente integrado na paisagem, sem destruir aquilo que existe?

(Professora) Desde que não seja de grandes dimensões. Tem de ser uma coisa pequena.

E isso seria uma mais-valia?

(Professora) Exatamente.

Em Montesinho, há várias casas do parque a caírem aos bocados. Se essas casas fossem restauradas e equipadas com conforto, talvez atraíssem muito mais gente, sem deturpar o ambiente…

Não podemos ver o parque apenas como um espaço preservado e intocável, temos que lidar com ele, mas saber lidar, obviamente. Trazer cá as pessoas e mostrar o que temos.

Sem dúvida. Deve ser obrigação exclusiva das escolas, ou todos nós devemos pugnar pela defesa do ambiente?

(Professora) Todos nós obviamente, porque é de todos. Portanto as escolas têm um papel na educação ambiental, como têm em outras vertentes, mas toda a sociedade tem que ter um papel sobre isso. 

Qual é o papel da escola neste momento, em que estamos num período de alterações profundas a nível do ensino, ambiente, proteção do ambiente? As escolas têm armas, têm ferramentas para tornar efectiva essa luta?

(Professora) Eu acho que sim. Em muitas escolas há sempre um clube do ambiente a que os alunos aderem bastante e, onde estes temas são trabalhados e são alertados os alunos para este perigo. Depois os programas tocam nas ciências físico-químicas, na geografia, que é o meu caso e, enfim, ao longo dos anos apercebemo-nos do que está a acontecer no ambiente, não apenas alterações climáticas, esse é apenas um dos problemas e os alunos têm essa perfeita noção. A desflorestação, um tema que eu ainda agora acabei de dar e eles adquirem a noção das dimensões do que está a ser a desflorestação e do que isso acarreta, nomeadamente a desertificação. Eu entendo que a escola tem tido um papel importante e que os alunos, esta geração tem já uma outra sensibilidade, uma outra perspetiva.

O que se poderá fazer nesta região, em Trás-os-Montes, porque nós estamos realmente a desertificar, nós estamos realmente a ficar para trás quando comparados com o restante pais, principalmente o litoral, estamos a ficar para trás em todos os sentidos. O que poderemos nós, enquanto transmontanos, fazer para alterar esta situação?

(Professora) Penso que muita coisa se deveria ter começado a fazer há muito tempo. O problema é que as políticas dos governos e, deste último também, é sempre centralizar e, sempre centralizar no litoral em todos os aspectos, coisa que a maior parte dos países europeus já não faz. Há uma centralização, o país, qualquer dia, tomba totalmente para o litoral, porque a faixa entre Braga/Lisboa é onde se situa a maior parte da população, onde vemos as acessibilidades serem inauguradas… Bragança não tem sequer um quilómetro de auto-estrada, é o único distrito, obviamente que isto vai trazer dentro em breve uma total perda de população, como é evidente.

Salomão, e tu, o que é que tu pensas fazer no futuro? Acabas o 12º ano, vais fazer a faculdade, já tens uma ideia daquilo que tu queres fazer, daquilo que tu queres ser?

Não, ainda tenho várias ideias, mas concretamente ainda não tenho nada.

E depois quando acabares o teu curso, tu pretendes voltar para Bragança ou vais embora daqui?

Ainda não sei. Por um lado gostava de voltar para Bragança, pois gosto desta cidade. Gosto bastante, mas por outro lado eu pensava ir embora, mas não era para Lisboa, gostava de ir para o estrangeiro.

E já tens um país de eleição?

Não, tenho vários.

Agora para terminar, para terminar, começando pela professora, que personalidade ou personalidades mais a marcaram ao longo da sua vida?

(Professora) Que mais me marcaram… os meus pais, sem dúvida nenhuma.

Nós temos entrevistado muita gente e, normalmente, as pessoas falam dos pais. Realmente, se não fossem eles, nós não estaríamos aqui.

São eles que nos dão, ao longo da vida, muitos ensinamentos.

E tu Salomão?

Eu também concordo. Os meus pais, também os meus amigos da escola que me ajudam bastante. Em termos de personalidades mais conhecidas não tenho assim nenhuma em especial, só uma personalidade sozinha não conseguia fazer nada.

Muito bem, tens uma maturidade muito acima da idade que tens, estás de parabéns pelo prémio que recebeste, portanto, continua assim e, tu vais ver que vais conseguir realizar os teus sonhos, vais fazer o curso que decidires fazer e, o teu futuro é risonho de certeza. Obrigado e parabéns aos dois, parabéns à escola. 


domingo, 17 de novembro de 2024

Entrevista Professora Doutora Maria Joana Fernandes

Nasceu numa pequena aldeia de Vinhais, Fresulfe. Como era ser criança no seu tempo no meio natural e rural?

Bom, suponho que era igual a todas as outras crianças. Estamos a falar de... Há quatro décadas atrás, portanto, era tudo diferente. Estamos a falar de um meio rural. Eu era uma criança como todas as outras, que ia à escola, tinha a sorte de a professora ser a minha mãe. 

Sorte ou azar? (Risos)

Sorte ou azar, sim, talvez, porque tinha de me comportar mais direitinho. Portanto, desse ponto de vista, digamos, talvez não fosse uma criança tão igual como as outras.

E as brincadeiras, nessa altura, como é que eram?

As brincadeiras? Que engraçado, eu não tenho grandes memórias da minha infância. As brincadeiras… o que é que eu me posso lembrar? Eram brincadeiras normais. Por exemplo, na altura não havia bicicletas, não havia televisão, não havia nada disso. Eram as brincadeiras normais, ao esconde-esconde e ao apanha. Já nem me lembro dos jogos, veja lá, eu estou tão velha que nem me lembro dos jogos, do nome dos jogos. Mas eram as brincadeiras normais, entre crianças.

Como foi a sua vida de estudante?

Eu comecei por fazer a escola primária na pequenina aldeia de Fresulfe, onde nasci, até à terceira classe com a minha mãe. Depois, por irónico que possa parecer, a minha mãe achou que eu não teria preparação suficiente, porque ela era regente escolar e não professora primária, digamos, com o diploma normal de professora primária, e que eu deveria ir fazer a quarta classe para Bragança e assim foi. Vim fazer a quarta classe em Bragança. Por acaso, eu cheguei à conclusão que realmente a professora primária, realmente professora com diploma, não sabia mais do que a minha mãe. Mas pronto, fiz aqui a quarta classe. Depois continuei o meu percurso normal, fiz o ciclo preparatório na antiga escola Augusto Moreno e fiz só o primeiro ano no Liceu Nacional de Bragança, na altura Liceu Nacional de Bragança, agora Escola Secundária Emídio Garcia.

Depois tive um pequeno percurso por Braga, que foi muito curto mesmo, e finalmente, a partir do 9º ano, fui para Viana do Castelo, de onde tenho muito boas recordações. Fiz, a partir daí, todo o secundário, até ao, na altura, ano propedêutico. Sou uma cobaia do propedêutico. Em Portugal, os estudos costumam mudar, consta-se muito, muito... Sim, especialmente nessa época. Estamos a falar de poucos anos depois de 25 de Abril, em que fizeram várias experiências, como se continuam a fazer, não é? Mas, na altura, instituiu-se pela primeira vez o ano propedêutico e devo dizer que foi complicado, porque não havia apoio, as aulas eram dadas pela televisão, não sei se terá recordação desses tempos.

Foi um ano interessante, é engraçado, porque apesar das dificuldades, das aulas serem dadas pela televisão, não tínhamos qualquer apoio, a não ser dos professores que, com boa vontade, nos ajudavam. Por exemplo, em Viana do Castelo, na disciplina de Física, havia uma professora ainda bastante nova, que se reunia connosco regularmente para nos tirar dúvidas mas, por exemplo, em Matemática, não havia porque os professores já tinham alguma idade e já não estavam a par daquelas matérias novas que foram introduzidas no ano propedêutico. Por isso, criou-se uma espécie de solidariedade entre os alunos, e eu lembro-me bem, por exemplo, que nos reuníamos no liceu, periodicamente, em que os melhores alunos ajudavam os alunos com mais dificuldades. Lembro-me, perfeitamente, de ter feito conjuntos completos de sebentas, de exercícios resolvidos, que depois eram copiados. Não quer dizer que eles estivessem 100% certos, mas era melhor do que nada. É precisamente nessas alturas de dificuldades que se nota que há mais união e mais solidariedade.

E, continuando a falar de estudos, o seu primeiro amor foi a Matemática, não é?

Eu acho que sim, eu acho que sim. Desde pequenina, queria ser professora de Matemática, talvez porque, enfim, a Matemática era uma área base e eu gostava naturalmente de Matemática. Gostava de brincar com a Matemática. Estudar Matemática não era propriamente um trabalho. Era brincar. Brincar com os exercícios, brincar com os números. Portanto, eu posso dizer que sim, que o meu primeiro amor foi a Matemática, que depois se alterou ligeiramente.

Então, a matemática nunca foi um bicho-de-sete-cabeças?

Não, não é. Eu acho que a Matemática é um pouco... Eu costumo dizer que é um pouco como o pepino, ou se adora ou se detesta. Mas para quem gosta naturalmente de Matemática, trabalhar com Matemática é como brincar.

É uma pena que se incuta desde muito pequenas, às crianças que a Matemática é um bicho-de-sete-cabeças, porque acho que isso é o primeiro passo para elas terem medo da Matemática. É completamente errado. Nota-se até, pela grande participação nacional, todos os anos, dos alunos nas Olimpíadas de Matemática, que há imensa gente em Portugal a gostar de Matemática e a ter um jeito natural para a Matemática. Quando eu digo Matemática, quero dizer, também, as ciências exatas.

Acabou por se licenciar em Engenharia Geográfica. Não é um curso muito conhecido. Fale-nos brevemente sobre ele e do que a levou a fazê-lo.

Quando entrei para a Faculdade de Ciências eu só conhecia o curso de Matemática. Não conhecia o curso de Engenharia Geográfica porque é um curso relativamente pouco conhecido, com alguma dificuldade em se afirmar em termos de divulgação. E foi ao longo do curso de Matemática que eu me apercebi que existia lá outra licenciatura que eu, na altura, achei muito interessante e acabei por me motivar a mudar de curso. Bom, não era bem uma mudança de curso na altura.

Na altura, o bacharelato em Matemática coincidia, desde que se fizessem as opções certas, com o terceiro ano de Engenharia Geográfica. Foi isso que eu fiz. Portanto, a partir do primeiro ano, eu percebi que era assim e comecei por fazer as opções da Matemática que eram obrigatórias para a Engenharia Geográfica.

Ao fim do terceiro ano, fiquei com o bacharelato em Matemática e, automaticamente, o terceiro ano em Engenharia Geográfica, exceto uma disciplina. E, a partir daí, pedi para mudar de curso.

Porquê Engenharia Geográfica? Porque, na realidade, eu cheguei à conclusão de que eu gostava da Matemática, não pela Matemática, digamos, a Matemática pura, a Matemática dos teoremas, mas da Matemática aplicada. Ou seja, de aplicar os conhecimentos da Matemática.

E, nesse aspecto, qualquer ramo da Engenharia e, em particular, a Engenharia Geográfica, é fascinante nesse sentido, porque é uma área em que nós podemos usar os conhecimentos da Matemática, da Física, da Informática, etc., para resolver problemas.

A Engenharia Geográfica é o ramo da Engenharia que se pode dizer, que tem por fim, medir e representar a Terra. Representar a Terra, para o cidadão comum, e a representação que é mais comum, que as pessoas reconhecem mais é a cartografia. São as cartas ou mapas, os pontos da rede geodésica nacional que são aqueles pontos que estão implementados em marcos, normalmente no topo das montanhas, em pontos de grande visibilidade, pontos esses cujas coordenadas têm que ser determinadas com um tanto de precisão, usando técnicas adequadas. Portanto, um dos objetivos da Engenharia Geográfica, em termos clássicos, é determinar essas coordenadas, a chamada rede geodésica nacional, que depois vai sendo densificada e se vai preparando por um conjunto de pontos cada vez mais densos. Coordenadas essas, que depois vão servir de apoio a todo um conjunto de trabalhos, desde a engenharia civil, etc.

Neste tempo de incertezas a nível laboral e de falta de emprego para todos e principalmente para os nossos jovens a Engenharia Geográfica, é um curso com saída ou é mais um a juntar-se a tantos outros?

Não, não é. Muito claramente é um curso de com saída. É evidente que de vez em quando, não vou dizer que não haja um ou outro licenciado que tenha alguma dificuldade em ser colocado, mas eu poderia dizer que talvez sejam muito poucas as pessoas que ao fim de um ano não têm emprego. Talvez porque a formação é extremamente versátil. Eu há bocadinho não tive tempo de referir, mas neste momento a Engenharia Geográfica usa um conjunto variado, muito grande, de novas tecnologias. Podemos dizer que a engenharia geográfica, apesar de ser um curso extremamente antigo, é um curso com mais de 100 anos, é um curso que sofreu uma enorme revolução com as novas tecnologias.

Os métodos clássicos que eram usados para determinar as coordenadas das redes geodésicas e as medidas que se faziam para a realização das cartas, que assentavam essencialmente métodos clássicos de medição de ângulos e distâncias, tudo isso está extremamente ultrapassado e hoje usam-se tecnologias fascinantes, desde, por exemplo, posicionamento na impressão por satélite à detecção remota. Portanto, detecção remota significa medir e observar, neste caso, a Terra, poderia ser outra coisa qualquer, Vênus, Marte, etc. Podem ser usadas as mesmas técnicas para isso, mas em geral, concretamente em cursos de engenharia geográfica, usam-se essas técnicas para medir e observar a Terra, usando imagens e dados recolhidos por satélites artificiais que orbitam a Terra continuamente e que estão continuamente a enviar essa informação para a Terra.

Essa informação pode ser usada para os mais diversos fins, desde a cartografia, à geologia, ao planeamento, enfim, um vastíssimo leque de utilizações dessa informação. Neste momento, o currículo de engenharia geográfica varre áreas tais como a cartografia, a topografia, a detecção remota, aos sistemas de posicionamento e navegação por satélite, todas essas técnicas. Portanto, eu diria que é uma formação muito versátil e que permite a um aluno com essa formação, adaptar-se facilmente mesmo a outro tipo de emprego que não seja estritamente virado para a engenharia geográfica. Facilmente se consegue, com este curso, um emprego mais virado, por exemplo, para a informática, etc.

Enquanto professora, o que pensa da qualidade do ensino ministrado pelas nossas universidades?

Enquanto professora, eu acho que é boa. Eu sou uma forte defensora do ensino universitário em Portugal. Eu acho que o ensino universitário em Portugal é um ensino de qualidade, sobretudo nas universidades públicas.

Estou a defender a minha dama, obviamente, mas não é só por isso. Lembro-me que quando fui fazer o doutoramento para a Inglaterra, nessa altura em que eu estive em Londres, estavam lá mais portugueses e depois mais portugueses seguiram-se na mesma universidade. E os professores tinham muito boa impressão da formação dos portugueses. Portanto, eu na altura fiquei com a ideia, que ainda hoje retenho, que a nossa formação é uma formação de qualidade.

Eu sou fortemente defensora da qualidade do nosso ensino e da qualidade, genericamente, dos portugueses. E que os portugueses são muito capazes, se quiserem. Têm de acreditar em si próprios. Quando tomam a decisão de ir estudar no estrangeiro, sabem o que vão fazer. São tão bons ou melhores do que os de lá.

Qual é a importância dos satélites artificiais para a humanidade?

É enorme. É enorme. Hoje em dia os satélites têm um enorme impacto, por exemplo, na meteorologia. São os satélites, é a informação que é recolhida pelos satélites artificiais que permite aos meteorologistas recolher a informação que depois lhes permite fazer as previsões diárias que fazem. São satélites que estão continuamente a observar a Terra e a enviar a uma cadência razoavelmente rápida, de 15 em 15 minutos, tipicamente para os satélites meteorológicos, informação para a Terra.

Informação de mais de variado tipo, de ventos, temperatura, etc. Conteúdo do vapor d'água, cobertura nebulosa, etc. Toda essa informação é usada depois em conjunto na previsão do tempo.

Os satélites têm uma enorme aplicação, por exemplo, na área em que eu estudo, a área em que eu trabalho mais, que é a aplicação de detecção remota, essencialmente, ao estudo dos oceanos, que é a altimetria por satélite. A altimetria por satélite é uma técnica que permite cartografar o mar, mapear o mar a partir de satélite. Isso é feito a partir de satélites que medem a distância do satélite à superfície do mar e a partir dessa medida, que parece uma medida muito simples, é possível, depois, determinar a altura da superfície do mar relativamente a uma superfície de referência.

Construir, digamos, mapas da superfície do mar e a partir daí é possível derivar uma quantidade enorme de informação, como por exemplo as correntes marinhas, que têm uma enorme importância, o estudo da circulação oceânica, o impacto, por exemplo, hoje em dia fala-se muito da variação do nível do mar, a partir desse tipo de medidas é possível medir e avaliar a variação do nível do mar, quer a nível global, quer a nível local, que pode ser diferente. Enfim, muitas outras, digamos que uma técnica que a partir daí parece muito simples, tem uma quantidade enorme de aplicações.

É aplicada para profissões terrestres como para o mar?

É uma técnica que funciona sobretudo sobre o mar, pelo tipo de tecnologia que é usada. Esse tipo de medidas funciona sobretudo sobre superfícies, digamos, planas e boas refletoras do sinal.

Em terra funciona sobretudo bem sobre desertos e também sobre o gelo, portanto é usado também para cartografar o gelo, cartografar os continentes gelados e detectar, por exemplo, massas de gelo que estão a desaparecer. Em terra não é muito aplicado, embora se tenham desenvolvido e continuem a desenvolver técnicas de processamento dessas medidas para determinar as altitudes sobre terra, é bastante mais difícil fazê-lo do que sobre o mar. Essas aplicações são essencialmente sobre o mar.

Este tipo de investigação prevê o estudo de fenómenos climáticos, como o El Niño, que tanto mal tem causado. Será possível, num futuro próximo, prever com antecedência este tipo de fenómenos, de maneira a poderes salvar a vida de pessoas nas regiões afetadas?

Eu gostaria de dizer que sim, mas é extremamente difícil. Tudo que seja previsão de fenómenos climáticos com grande antecedência é muito complicado. Hoje sabe-se, enfim, há sistemas, como eu disse, há satélites artificiais constantemente a fazer medidas sobre a Terra, há grupos a olhar para essas medidas continuamente e, portanto, é possível, a partir dessas medidas, começar a ter uma ideia sobre as condições que se começam a aproximar de circunstâncias do El Niño. As condições do El Niño são bem conhecidas. Há uma zona do oceano em que, quer a altura da superfície do mar, quer a temperatura, e as duas coisas acontecem em simultâneo, fica mais elevada e isso faz com que haja um desequilíbrio no clima daquela zona e que provoque, como todos nós sabemos, alterações climáticas muito grandes, com repercussões muito sérias em determinadas zonas do planeta. Por um lado, digamos que previsão, no sentido de ir observando e ir verificando que realmente as condições se aproximam cada vez mais das condições de El Niño, por exemplo, isso é possível hoje em dia, mas não é possível hoje dizer, vamos ter um El Niño daqui a seis anos, vamos ter um El Niño daqui a oito anos.

Mas é um processo demorado ou é um processo relativamente rápido?

Bom, o último El Niño com grande impacto foi, salvo erro em 1997. Foi o El Niño com maior impacto. É um processo que tem um período, enfim, poder-se-á dizer que será qualquer coisa à volta de um ano, menos que isso. Mas é muito variável, os processos são extremamente variáveis e muito imprevisíveis.

Já é possível prever um sismo ou um tsunami?

Os meus colegas da geofísica vão-me bater por dizer asneiras. Eu não sou geofísica. Se é possível prever um sismo ou um tsunami, tanto quanto eu sei, não.

É possível, por exemplo, estudar continuamente o movimento das placas tectónicas que constituem a crosta terrestre e a partir daí poder-se-á ter uma noção se uma determinada zona… se o stresse entre as placas poderá aumentar e se pode prever o movimento tectónico numa determinada zona, mas prever… não.

Isto origina uma série de estudos entre várias ciências e partilha de informações.

Sim, sim… podemos dizer que é uma área, neste momento, interdisciplinar. O movimento das placas tectónicas pode hoje ser observado com grande precisão, a partir do posicionamento dos satélites, técnicas de posicionamento com os satélites e também com outro tipo de observações de detecção remota. Depois os geofísicos podem observar essas deformações e interpretar e fazer alguma previsão de movimentos, mas, realmente, prever, enfim… tal como há bocadinho estava a dizer, não é possível dizer que um El Niño, daqui a seis ou oito anos, também não é possível dizer se vai haver um terramoto em Lisboa daqui a cem anos ou daqui a quinhentos.

São coisas que acontecem sem aviso, demasiado rápidas… É impossível prever.

É impossível prever porque, efetivamente, é impossível prever o que se passa por dentro da crusta terrestre. As nossas observações, praticamente se limitam à superfície, embora hoje se saiba muito mais do que se sabia há umas décadas atrás. A previsão, a previsão mesmo, isto é, ter a certeza é muito difícil. É difícil, por exemplo, na meteorologia. Nessas áreas é ainda mais difícil.

O degelo dos polos, que consequências pode ter para o planeta?

Neste momento, a diminuição das massas de gelo é provavelmente a face mais visível das alterações climáticas. Quando falamos dessas questões e o que é que poderá, efetivamente, acontecer nas próximas décadas. Temos que falar com alguma cautela. Ultimamente tem-se divulgado muitos estudos que são muito alarmistas. Por exemplo, na minha área é possível com medidas de marégrafos e medidas de altimetria por satélite. Observar a evolução do nível do mar. Com marégrafos é possível fazê-lo há mais de cem anos.

Com altimetria por satélite só se faz há quinze anos. São períodos extremamente curtos quando comparado com a escala geológica. Escala das grandes ilusões climáticas na Terra. São escalas de milhares de anos com observações de apenas cem anos, com apenas quinze anos é extremamente difícil fazer previsões. Estou em crer que as investigações indicam que há uma tendência, nos últimos quinze anos e nos últimos cem anos, a tendência do nível do mar é para aumentar. Mas isso não significa que a seguir a este período, não venha um no próximo século que não haja um retrocesso. Espero bem que sim, que haja. Embora haja algumas indicações que são um bocadinho mais sérias. Sabe-se que se continuar a acelerar, o degelo vai aumentar o volume da água no mar.

Mesmo que as emissões de gases para a atmosfera reduzam, quanto tempo demorará esse processo a ficar equilibrado?

Muitos anos. Mesmo muitos anos. O que os especialistas… Eu devo ressalvar que eu não sou uma especialista nessa área. Tenho apenas conhecimentos gerais sobre essa área. O que os especialistas dizem é que, mesmo que neste momento se parassem as emissões de dióxido de carbono para a atmosfera, levaria muitos anos a recuperar. Ouvi, há dias, que, por exemplo, Vénus está a sofrer alterações climáticas. Que eu saiba, Vénus não tem poluição, pelo menos humana. Isso é devido às alterações da emissão solar que chega a Vénus.

Em sua opinião, o que poderá ser feito em Trás-os-Montes para potenciar o seu desenvolvimento?

É difícil porque neste momento, eu confesso que fico bastante triste quando vou à minha aldeia e observo que já muito pouco resta da aldeia da minha infância. Há muito pouca gente nova, nem lhe quero dizer, ou nem quero saber qual é a percentagem de população com menos de setenta anos. É muito frequente ir à minha aldeia, atravessar a aldeia e não encontrar ninguém ou encontrar só, pessoas com mais de setenta anos.

O que é que nós podemos fazer acerca disso? É muito difícil responder porque não sei se, neste momento, essas aldeias têm salvação. Com franqueza, não sei se têm salvação porque os poucos idosos que ainda lá vivem, têm tendência a saírem de lá. Por exemplo, os meus pais. A casa dos meus pais, neste momento está fechada. Já foi uma casa onde viveram oito pessoas e quando falo da casa dos meus pais, falo de muitas outras… A desertificação destas aldeias é enorme. Se me pergunta se eu posso fazer alguma coisa por isto? Espero que não me esteja a perguntar isso, porque eu sinto-me completamente impotente.

O governo pode?

Eu acho que sim, mas também não lhe sei dizer muito bem o quê. Porque, por exemplo, construíram-se estradas. Posso perguntar se as estradas ajudaram ou não a que as pessoas fossem embora mais depressa? É controverso saber se as estradas ajudam as pessoas a vir para cá ou a sair de cá.

Elas levam e trazem.

É verdade. É verdade. É realmente difícil porque a única forma de fixar as pessoas é terem condições. É terem trabalho. É conseguirem ter uma atividade económica que seja minimamente rentável. Neste momento a agricultura em Trás-os-Montes não é rentável, a não ser em pequenos nichos como o castanheiro. Não me estou a lembrar de mais nada que possa ser rentável neste momento. Não há indústrias. As pessoas vão procurar novas formas de ganhar dinheiro. Vão indo para onde há empregos. É um processo natural.

Para terminar, aquela pergunta que todos os entrevistados consideram a mais difícil: Que personalidade ou personalidades mais a marcaram ao longo da sua vida?

Essa não esperava. Familiares foram os meus pais. Enfim, vocês convidaram-me para esta entrevista e eu agradeço imenso desde já. Mas eu, não considero que seja uma pessoa, digamos: O que é que eu tenho de especial que mereça estar aqui nesta entrevista? Pergunto-me a mim própria, porque é que me convidaram? Se eu tivesse que responder, eu diria que até hoje, o que salientaria mais em mim é que lutei por aquilo de que gosto. O que é importante para as pessoas serem felizes: fazerem coisas de que gostam, trabalharem numa área de que gostem e eu sempre lutei por aquilo que eu queria. As coisas não me surgiram de mão beijada. Sempre lutei por aquilo que queria, nunca cruzei os braços às adversidades, mas eu nunca teria chegado aonde cheguei se os meus pais não tivessem tido uma visão que, na altura não era fácil de ter, de que eu sendo rapariga e vivendo numa aldeia, eu e as minhas irmãs, não teríamos grande futuro senão estudássemos. Portanto, foram os meus pais os meus grandes heróis. A eles devo tudo. Obrigado por esta oportunidade. (Choro)

Nós é que agradecemos. Muito obrigado por nos ter concedido esta entrevista.

 

Esta entrevista foi realizada em 2007

Maria e Marcolino Cepeda

sábado, 16 de novembro de 2024

VAZIO

Andava eu, como quem não quer pensar em nada, por este jardim atapetado de folhas de muitas cores.

Parei. 

Não sei porque o fiz. 

Apenas parei a olhar para o infinito, se é que o infinito estava para me aturar o olhar descarado, abusado de quem não se importa.

Roboticamente segui caminho, olhando para a direita e para a esquerda e para trás como quem foge ou se sente perseguido. 

Não sei o que procurava. Nada vi que me pudesse, de alguma forma, atingir a não ser a beleza das árvores, quase despidas, sem pudor. 

O rio corria mais caudaloso, com alguma pressa, que o mar ainda é longe, mas há de lá chegar, nem que seja em fio ou em pequenas gotículas, dádiva das inesperadas nuvens.

Era uma manhã sombria que o jardim tentava animar sem grandes retornos no olhar ou nos olhares de quem lentamente se vai despedindo. 

Sim. Havia pessoas sentadas nos bancos do jardim, tristes, ávidas do vício que não conseguem largar.

Noutros bancos, sentados, o olhar perdido na Capela da Nossa Senhora da Piedade, havia quem fosse lendo um qualquer livro mais ligeiro ou interessante para o leitor ou leitora.

A necessidade tornava-se premente. A hora não tarda. O vício vence, dinheiro não há. Uma moeda para comer alguma coisa, para tomar um café...

Depressa fugiam, uns atrás dos outros, não sei para onde.

Os bancos esvaziavam-se. As sombras deambulavam por caminhos só seus, escondidos ou às claras, para matar a necessidade ou para se matarem a si próprios como náufragos em terra seca.

Era uma manhã de outono, fria, sem coração, sem esperança... Já não existia o vazio nem o caos. Apenas as sombras deambulavam por ali. 


Fotografia e texto de Maria Cepeda


Jorge Morais: Personagens (8) - Tia Aurora à porta de casa no Loreto


Tia Aurora no Loreto a fiar.

Tia Aurora no Loreto a fazer meias

Tia Aurora, outrora vendedora encartada de hortaliças, ovos e similares e, no momento da toma, apenas vendedora improvisada à porta da sua casa no Loreto de cima, um pouco antes do soto do Sr. Marcelino, um dos primeiros "Super" de Bragança.

Tia Aurora, quantas meias aquela mulher fez... e desde o princípio ao fim do processo: desde acomodar a lã na roca, fazer com destreza o fio e, com a mesma intrepidez, e sem perder o fio à própria conversa, fazer mais um par de meias de autêntica lã de ovelha.

Ali estava, frequentemente à porta, naquele mágico Loreto dos anos 60 e 70: O Loreto dos bailes à compita com os da Vila, anunciados pelo altifalante do Reis velho que dava três voltas à cidade na sua carrinha em altos e amplificados brados; O Loreto da oficina do Barril com os "raters" secos dos testes às decrépitas motorizadas Famel e Sachs, com o Feijão e outros, quase meninos, em aprendizagem e enfarruscado labor; o Loreto da taberna da "Fessíssima", mulher do Paulos, que amiúde cascava nela por dar cá aquela palha; do carpinteiro Neto, que com a sua colorida e enérgica esposa e filhos, por si sós, faziam autênticos acontecimentos de festa ou doméstica tragédia; do barbeiro Carvalho, ex polícia, que barafustava amiúde e descaradamente com os jovens de cabelo comprido que passassem à sua porta e não fossem cortar "aquelas melenas de maricas" e que, a dada altura, conta-se, terá deixado por longo tempo a meia barba por fazer de um cliente, ainda com a outra meia fortemente ensaboada, para acudir presto ao assobio do alfaiate fronteiro que o convidava para o "chá" da praxe - um copito ou dois na taberna do "Cantinho", claro, com o cliente zarpando da barbearia naquela meia figura.

Um Loreto aonde poucos carros passavam para além da carreira do Jerónimo em direção a Vinhais, e aonde os jovens jogavam à bola e aos remates contra os portões de lata de um armazém dos "Pereiras", ou, descansando, jogavam à moedinha às portas do café Primavera, ou então iam achinar o prego ao chão em jogo de inverno no larguito dos Negrilhos, extremo mais ou menos formal desta mesma rua.

Um Loreto das bonitas filhas da "Manhuça" e também outras beldades que por lá havia e que embeiçavam vários dos muitos adolescentes e jovens que ali cresciam.

Um Loreto cheio de vida e matizado por famílias ou pessoas muito diferentes mas cúmplices de uma aproximação humana que hoje não tem igual. Havia pobres, havia ricos, também figuras com carisma físico e comportamental dignos de registo.

Tia Aurora era um desses personagens, mas havia muitos mais.



Fotografia e texto de Jorge Morais

Entrevista Professor Eng. Luís Manuel Cavaleiro Queijo

Começo por lhe perguntar, nasceu no Porto e veio para Bragança com 8 anos. Fale-nos dessa mudança e do que significou para si.

Bem, essa mudança deu-se porque as minhas raízes são daqui da região. Os meus pais são daqui da região e na altura viviam no Porto e os meus avós estavam aqui na zona, portanto, no sentido de dar mais apoio porque estavam a ficar mais idosos, portanto, viemos para Bragança viver e foi uma integração normalíssima, como qualquer outra, porque nos 8 anos essas mudanças não se sentem assim tanto, de forma tão intensa. Até porque os amigos ainda não são assim tão... Exatamente. E é por todas as condicionantes naturais dessa idade.

O Porto é uma cidade grande, condiciona-nos muito mais em termos de vivências enquanto somos crianças e aqui há sempre muito mais à vontade e possibilidade de brincar na rua, coisas que vão sendo cada vez mais raras nos nossos dias, não é?

 Como foi a sua vida de estudante até ir para a Universidade?

A minha vida de estudante foi, penso eu, bastante normal, portanto, eu frequentei primeiro o Liceu, quem é aqui da região conhece-os dessa forma, o Liceu. No meu décimo ano vi-me obrigado a transitar para a Escola Secundária da Sé porque queria seguir Química ou Tecnológica e no Liceu não havia. Na Escola Secundária da Sé fiz o décimo, décimo primeiro, décimo segundo anos. Decorreu tudo dentro da normalidade e deu-se o ingresso na Universidade do Minho, concretamente, em Engenharia Mecânica, o curso que eu tinha escolhido.

Nessa altura havia também aquelas rivalidades do Liceu com a escola industrial?

Exatamente, havia essas rivalidades, mas a área tecnológica era mais conotada com a escola industrial e as humanísticas com o Liceu, portanto, acho que foi uma mudança normalíssima como qualquer outra.

Como atrás referido, foi para a Universidade do Minho. Como foi esse período da sua vida?

Esse período da minha vida foi ótimo. Penso que são os melhores tempos das nossas vidas, quem por lá passa, que mais nos marca possivelmente, onde fazemos novos amigos, onde finalmente saímos de casa, tantas vezes ambicionado, não é? O sair de casa, sair da alçada dos pais e, portanto, no fundo, começámos a viver, a voar com as nossas asas. E a ser responsáveis por todos os atos. E a ser responsáveis por todos os nossos atos, exatamente.

Ingressou no mercado de trabalho antes de concluir-se a licenciatura, porquê?

Porque a prática normal da Universidade do Minho é conseguir estágios para os alunos que são finalistas. O último semestre da licenciatura, dos antigos 5 anos que agora são só 3, mas dos antigos 5 anos, o último semestre era dedicado a um estágio realizado em contexto de trabalho, o que acontecia muitas das vezes, e precisamente porque é uma região com uma forte pendente industrial, acontecia que havia bastantes estágios a serem facultados pela Universidade. Os alunos iam estagiar e acabavam por ficar mais a trabalhar do que propriamente a estagiar.

Portanto, relegando para o segundo plano a questão do estágio em si. O que acontecia é que as pessoas ingressavam no mercado de trabalho muito mais cedo do que acabavam os cursos, porque depois ia-se protelando a entrega do relatório de estágio. E a licenciatura, que devia ter sido acabada em 94, acabou por ser só acabada em 95.

Fale-nos da sua experiência laboral na empresa José Júlio Jordão Limitada, em Guimarães.

José Júlio Jordão é uma empresa, uma pequena/média empresa, como é a maior parte do nosso tecido empresarial, mas é uma empresa muito bem organizada e deu-me muito à vontade relativamente ao contexto laboral. Aprendi com as minhas quedas, tive pessoas a apoiarem-me bastante e, portanto, deu para ficar com uma ideia bastante grande do que é a índole industrial e como é que funcionam as empresas e penso que foi uma grande escola.

Acima de tudo, uma grande escola para complementar os aspectos técnicos, a bagagem técnica que já trazia do curso, tinha tirado, não é?

Deu-me possibilidade de aplicar esses conhecimentos e foi uma grande escola nesse sentido, não só da aplicação dos conhecimentos, mas mesmo com as próprias relações interpessoais com os funcionários. Era uma empresa que tinha 150 funcionários na altura, a faturar na casa de um milhão de contos, portanto, não era uma empresazinha pequenina, e deu-me precisamente esse à vontade, a facilidade de trato com as pessoas, saber quais são os problemas… Tínhamos pessoas com variadíssimos níveis de formação, portanto, era preciso lidar de forma igual e aprender a lidar com essas pessoas, pessoas que trabalhavam há 30 anos na casa, e não tinham experiência técnica, ou melhor, não tinham experiência técnica, não. Não tinham os conhecimentos técnicos, mas tinham a experiência prática, que muitas das vezes é superior aos conhecimentos técnicos e dava para complementar perfeitamente as duas vertentes. Com certeza.

Em 1997, ingressa na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Bragança. Fale-nos das razões que o levaram a regressar à nossa cidade.

As razões que me levaram a regressar, eu penso que é normal, como qualquer pessoa, regressar à terra, regressar às origens. Na altura, a minha namorada estava cá a trabalhar. Casámos, ainda eu estava a trabalhar em Guimarães. Ela estava cá e eu em Guimarães, e o mais normal é regressar à terra, tentar construir uma vida juntos, não é? E isso foi uma das razões que me levou a concorrer para o Instituto Politécnico de Bragança.

O facto de gostar de dar aulas também e pesou nessa ponderação. Foi feito, como é lógico, e o que é certo, é que consegui entrar. Não era fácil na altura, mas consegui entrar, portanto, a partir daí, o meu percurso profissional tem-se desenvolvido na Escola Superior de Tecnologia e Gestão.

Muito bem, fale-nos da Escola Superior de Tecnologia e Gestão e dos projetos que ali se desenvolvem.

A Escola Superior de Tecnologia e Gestão é uma escola bastante jovem, acima de tudo. Eu penso que é uma escola excelente na panorâmica nacional, precisamente pelos recursos humanos que são, possivelmente, a mais-valia daquela escola. Obviamente, têm equipamentos de laboratório ótimos, têm condições ótimas a nível da instituição, mas os recursos humanos são, possivelmente, aquilo que a transforma na escola exemplar que é, uma vez que todo o corpo docente, bem como o corpo de funcionários, são pessoas bastante jovens, têm uma proximidade com os alunos muito elevada, digamos que geram um clima de cumplicidade, e não há propriamente aquele tipo de relacionamento que se vê nas instituições de ensino superior, de professores de um lado, alunos do outro, portanto há uma integração muito mais fácil, o que motiva os alunos a trabalhar muito mais e faz-nos crescer também a nós.

E os projetos que se fazem dentro da escola?

Os projetos que se fazem dentro da escola procuram ser sempre vocacionados para solidificar, cimentar os conhecimentos técnicos e teóricos que são aprendidos durante as aulas.

Procuramos sempre desenvolver projetos de índole prática, no fundo que ponham os alunos, passe a expressão, com a mão na massa, de forma a que eles consigam aperceber-se daquilo que estão a fazer, dos conhecimentos teóricos e qual a aplicabilidade desses conhecimentos teóricos que foram apreendidos.

Como é que a tecnologia pode ajudar-se no desenvolvimento de Trás-os-Montes e Alto Douro?

A tecnologia pode ajudar de várias formas o desenvolvimento desta região, concretamente neste aspecto da aeronáutica, e entrando já no ano, se calhar adiantando um bocado aquilo de que nós vamos falar, pode ajudar-nos bastante porque somos uma região que tem características fabulosas para a prática de voo, à semelhança do resto do interior do país, mas como é lógico estamos a falar da nossa região em particular que nos é tão querida e, portanto, no intuito de captar investimento, coisas desse género, para trazer empresas desse ramo para esta região. A tecnologia pode ajudar nesse sentido. Inclusive a própria escola pode criar os tais clusters de que vão falando tanto ultimamente, tanto as sinergias entre empresa e universidade, neste caso entre empresa e ensino superior, que podem ser aproveitadas e complementar conhecimentos.

Juntamente com dois alunos, finalistas do curso de Engenharia Mecânica, Carlos Cortinhas e Luís Miguel Correia, recebeu um prémio de aeronáutica e aeromodelismo. Fale-nos do projeto e do processo que conduziu a esta distinção.

Bem, esse projeto surgiu no seguimento da necessidade que esses dois alunos tinham de elaborar o seu projeto de fim de curso, chamado Projeto Integrado, que é desenvolvido ao longo do último ano da licenciatura em Engenharia Mecânica e mostraram algum interesse pela área da aeronáutica e surgiu na altura esse concurso.

Esse concurso vem no seguimento de um outro que existiu previamente, organizado pelo Instituto Superior Técnico, que era o Air Cargo Challenge . Esse concurso teve um interregno de um ano, porque estiveram a reformular os regulamentos técnicos, etc. (15:00) E, entretanto, a FEUPA conseguiu pôr no terreno a organização do chamado Desafio NAMA, ao qual nós decidimos concorrer, como é óbvio, e resolvemos começar a idealizar e projetar um avião, um aeromodelo, concretamente, para participar nesse concurso.

Obviamente, esse concurso obedece a uma série de regras técnicas, as quais têm de ser cumpridas, se não dá lugar a uma penalização, literal, e a uma desqualificação e, portanto, todo o projeto do avião é desenvolvido, ou do aeromodelo, eu tenho por hábito de chamar-lhe avião, porque é um avião em miniatura, portanto, todo o projeto do aeromodelo é desenvolvido com essas condicionantes apontadas pelo regulamento técnico.

Fale-nos, mais concretamente, desse avião e da forma como se desenvolveu todo esse concurso.

Sim. Esse avião é um aeromodelo rádio controlado que, supostamente, já deve ter visto nos festivais aéreos que passaram por Bragança, quem gosta da aeronáutica e, portanto, de aviões, já viu, com certeza, aeromodelos rádio controlados.

No fundo, são aviões que têm autonomia, ou melhor, voam controlados através de um operador que fica em terra, que através de dois joysticks, controla os movimentos do avião. Portanto, esses sinais são enviados via frequência rádio para um receptorzinho no interior do avião, que depois aciona os comandos e permite-nos direcioná-lo para onde nós pretendemos. O aeromodelo em si, levou a, ou melhor, é o resultado da aplicação dos conhecimentos teóricos aprendidos em disciplinas como a mecânica dos fluidos.

Tem partes da aeronáutica, inclusivamente, motores térmicos, são disciplinas que são lecionadas no âmbito da licenciatura em Engenharia Mecânica, aqui na Escola Superior de Tecnologia de Gestão. Que levou a que os alunos pusessem em prática esses conhecimentos adquiridos e fizessem todo o projeto desde a ideia base. Concluindo, todo o desenho do próprio avião foi desenvolvido por eles, foi uma ideia criada por eles. E o projeto, com todo o dimensionamento do avião, o suporte das asas, a carga ao ar, o próprio trem de aterragem… É um avião que tem algumas condicionantes porque o intuito do próprio concurso é o levantamento de peso, e há estruturas que têm que ser muito mais reforçadas com vista, precisamente, a esse levantamento de peso porque a inércia dessas cargas é muito elevada.

O avião surgiu nesse contexto, no desenvolvimento desse projeto. No fim, como objetivo último, conferir a esses alunos a licenciatura em Engenharia Mecânica, como é lógico.

O avião tem, portanto, de ser frágil na aparência, mas robusto...

Eu não diria frágil, o avião tem de ser leve, acima de tudo leve. O intuito do concurso são dois objetivos.

Um é provar a capacidade de planeio do avião. Esta capacidade de planeio entende-se porquê? Pela capacidade que o avião tem, sem motor, de conseguir voar. À semelhança dos planadores, à semelhança dos pássaros que também não têm motor, não é? Se nós observarmos gaivotas, cegonhas, aves de rapina, são excelentes planadores. Portanto, são pássaros que conseguem manter-se tempos infindos no ar, aproveitando única e exclusivamente as correntes de ar que existem na atmosfera.

As chamadas térmicas, quem está mais por dentro do assunto são as térmicas, porque são diferenças de temperatura entre massas de ar que geram correntes ascendentes ou correntes descendentes nesse ar. Portanto, isso é o que dá a capacidade de planeio aos pássaros e aos aviões, diretamente. Um outro objetivo é carregar o máximo de peso possível.

Portanto, isto leva-nos a uma situação de compromisso. Se um avião que plane bem tem de ter determinadas características: a asa comprida, a asa larga, tem de ter características muito próprias, o levantamento de peso obriga a que ele seja todo reforçado. Porquê? Porque para um avião que pesa, no caso do nosso concretamente 5,5 kg, o intuito é levantar o dobro desse peso, o que nos dá uma massa total, um peso total de 15 kg.

Quinze quilogramas em estruturas tão frágeis, é muito complicado. E isso leva-nos à tal situação de compromisso, de criar um avião que seja, simultaneamente, bastante leve, com fraca resistência, como estava a referir, e com resistência suficiente a suportar, precisamente, os baques desses pesos.

Imagino o que é, na aterragem, 15 kg a baterem na pista…

É muito complicado e leva-nos a essa situação de compromisso. O avião, apesar de pesar pouco, é bastante largo. O avião, este aeromodelo, tem 3 m de envergadura e tem 1,75 m de comprimento.

Portanto, a configuração é que é todo incomum, chamemos de incomum. Esse foi um dos objetivos, não só o levantamento de peso e não só o planeio, uma das exigências que eu próprio fiz aos alunos foi, criem-me alguma coisa que não tenha sido vista. Ou seja, nós estamos aqui também para inovar.

Um dos objetivos deste tipo de concursos, que é o conceito do learn by doing é, precisamente, criar soluções construtivas que possam ser aproveitadas pela indústria aeronáutica, concretamente, tanto ao nível de materiais como da própria configuração dos aeromodelos. E, portanto, eu acho que se inova, precisamente, com as ideias loucas. E daí levou-nos à construção deste avião, que não tem nada a ver com os outros que estavam no concurso. Portanto, tem uma configuração muito própria.

Ou seja, as asas são viradas para a frente, a extremidade das asas é virada para a frente, imaginemo-nos em forma do bastante leve, e a ponta das asas, normalmente, são voltadas para cima, neste caso, são voltadas para baixo. Isto leva-nos a outras questões técnicas. Há várias teorias acerca do assunto.

Uns dizem que voa mal, outros dizem que voa bem. O que é certo, é que ele provou em voo que, efetivamente, é eficiente, é eficaz, e, portanto, nos deixou bastante orgulhosos dele, como é lógico.

E que implicações práticas têm estes estudos e estes projetos?

Estes estudos têm como implicações práticas o tentar transmitir, o tentar desenvolver novas tendências, no caso do design, concretamente. No caso dos materiais, novas soluções para a indústria aeronáutica. Nós, no caso, e como somos estreantes ou fomos estreantes neste concurso, utilizámos os materiais mais simples de utilizar, que se utilizam no aeromodelismo, ou seja, madeira de balsa, poliestireno, o vulgar esferovite, todo o avião é construído em vulgar esferovite, que é um material bastante leve e que nos confere alguma resistência. Neste momento, em termos de materiais, digamos que o desenvolvimento que nós tivemos na parte dos materiais foi bastante limitado. Nós apostámos mais na configuração, propriamente dita, e no formato da asa e, portanto, do corpo do avião.

Este ano estamos a dar seguimento a esse mesmo projeto. Estamos a vocacionar-nos muito mais para os materiais. Ou seja, nós conseguimos uma configuração bastante otimizada no ano passado, portanto, não vamos mexer na estrutura do avião. Vamos mexer sim, nos materiais utilizados. Vamos deixar de utilizar a madeira de balsa e a esferovite e vamos passar para os materiais compósitos, neste caso, para a fibra de vidro, muito possivelmente e, quem sabe, um dia mais tarde, para a fibra de carbono ou qualquer coisa do género. São materiais muito leves e muito resistentes. Portanto, o que se tenta com este tipo de projetos é desenvolver novas aplicações para esse tipo de materiais, novas configurações e novas aplicações em termos de materiais que possam ser aproveitadas pela indústria aeronáutica. Basicamente, é isso que se pretende.

E em termos de novas aplicações que possam favorecer outro tipo de projetos dentro da região, existe alguma coisa já trabalhada neste sentido?

Eu gostava de acreditar que este projeto nos pudesse abrir algumas portas relativamente ao entusiasmo, porque, repare. Isto são projetos, no fundo, que associam uma componente lúdica a uma componente tecnológica. Não é um concurso que seja único, exclusivamente, de alunos do ensino superior. Aliás, há duas classes precisamente por causa disso. Uma relativamente aos alunos do ensino superior é a classe de aero especialistas, e há uma classe geral aberta a todas as pessoas: entusiastas, aeromodelistas, experimentadas, não experimentadas, que é a classe de aerodinâmicos.

A única diferença que há entre as classes é que, na classe de aero especialistas, é obrigatória a apresentação de um relatório técnico, ou seja, para além de termos um avião apto que cumpra os requisitos impostos pelo regulamento, temos que ter também um relatório técnico detalhado que nos diga como é que o avião foi projetado, quais foram as considerações técnicas que foram adotadas, com os desenhos detalhados de todo o avião, tudo isso tem que ser apresentado perante um júri de especialistas na área. Foi o nosso caso. Foi apresentado a um painel de cinco pessoas especialistas na área, bastante experimentadas na área da aeronáutica, o que nos valeu o tal segundo lugar neste concurso. Foi uma apresentação ótima, inclusivamente o representante da Universidade do Minho que foi quem ganhou o concurso, o professor Heitor Almeida, que é possivelmente uma das maiores sumidades do país em termos da aerodinâmica, elogiou muitíssimo o projeto, elogiou muitíssimo os nossos dois alunos, concretamente. De salientar que a equipa da Universidade do Minho é constituída por 10 pessoas que trabalharam durante todo o ano para o desenvolvimento do aeromodelo deles, e nós tivemos duas pessoas a trabalhar a tempo inteiro, quer dizer, tempo inteiro no projeto, e à parte isso fizeram as disciplinas que lhe cometia, porque eles, quando acabou o ano, tinham o curso literalmente acabado. A prova disso é que neste momento estão no mercado de trabalho, estão a trabalhar, o que nos satisfaz muitíssimo, não é? E portanto, com todas essas condicionantes conseguimos elaborar esse aeromodelo e pô-lo a voar eficazmente, como eu estava a dizer ainda há um bocado. E lá estarão para o ano. E lá estaremos para o ano, se Deus quiser, para trazer o primeiro lugar.

É assim mesmo. O aeromodelismo é uma atividade cada vez mais praticada em Portugal, fale-nos brevemente da sua experiência.

A minha experiência como aeromodelista é bastante reduzida, eu sou modelista já com quase 12 anos de experiência.

Comecei nos carros. Era muito mais fácil, porque andam no chão e não caem, não se partem, como é lógico e, portanto, comecei nos carros. Se bem que a técnica utilizada é basicamente a mesma, porque o complicado no modelismo muitas das vezes acaba por ser o motor. E os motores são semelhantes, não são iguais, mas são semelhantes nos carros e nos aviões, o que nos dá um traquejo bastante grande para fazer afinações, para fazer modificações, portanto, no fundo, para inventar um bocadinho aquilo que é a essência do aeromodelista, desenrascar.

Como aeromodelista, a minha experiência vem de há um ano para cá. Eu sempre tive a paixão dos aviões, já desde os meus tempos de secundária. É através destes projetos, através do aeromodelismo e, principalmente porque estou integrado numa associação bastante recente da cidade, onde aproveito para divulgar que é a Associação de Rádio Controlo de Bragança, que tem uma pista em Cabeça Boa, onde nos encontramos ao fim de semana para voar e para nos divertirmos um bocado. É uma associação que presta apoio a qualquer pessoa que lá apareça, e que tem como finalidade fazer a divulgação, precisamente, do aeromodelismo na nossa cidade. Pena é que não haja tanta gente entusiasta como nós gostaríamos mas, de qualquer das formas, quem tiver o bichinho, como se costuma dizer, passe por lá ao fim de semana, um dos fins de semana em que o São Pedro permita voar. Passem por lá e certamente vão desfrutar. Podem aproveitar e fazer o batismo de voo. Ninguém se nega a emprestar um avião e a ajudar.

Há sistemas que permitem ligar um rádio ao outro, para quem tem menos experiência não deixar a cair o avião já que temos aeromodelistas bastante experimentados. Queria aproveitar para deixar um agradecimento muito especial ao Victor Meles, que é o nosso piloto. Não faz parte da Escola Superior de Tecnologia e Gestão, mas é o presidente da Associação de Rádio Controle de Bragança. É, sem dúvida, um aeromodelista bastante experimentado, sem o qual não teria sido possível desenvolver todo este projeto, em primeiro lugar porque não teríamos quem voasse o avião tão bem como ele faz e em segundo lugar pelas questões técnicas que muitas vezes se prendem, de associar as tais soluções construtivas com o aspecto técnico, e ele sempre teve a sua dicazinha para nos dar na altura ideal. Relativamente ao aeromodelismo, quem gostar mesmo dessa atividade, que apareça por lá, em Cabeça Boa ao fim de semana.

Há já algum tempo, entrevistámos o engenheiro Aurélio Araújo e os alunos Carlos Mesquita e Luís Correia, que também receberam um prémio com um protótipo de um carro elétrico. Nestes tempos em que tanto se fala na escassez de recursos, entre eles o petróleo e na defesa do ambiente, não acha que é no desenvolvimento das novas tecnologias não agressivas e não poluentes que está o futuro?

Eu penso que sim. Aliás, se nós não nos apoiarmos precisamente nessas tecnologias para tentar resolver os nossos problemas, a tecnologia não tem razão de existir.

A tecnologia tem como único propósito, facilitar as nossas vidas, supostamente. Claro está, que com o progresso da tecnologia, muitas das vezes acabam por se criar mais problemas do que aqueles que já existiam anteriormente.

Há quem chame consequência, há quem chame azar de percurso. Há as duas visões. Mas penso que é na tecnologia que nós nos devemos apoiar fortemente se queremos evoluir enquanto mundo civilizado, chamemos-lhe assim e enquanto mundo que faz alguma coisa por si próprio.

Porque os recursos estão a esgotar-se cada vez mais rapidamente e se nós não nos apoiarmos, precisamente no progresso, na evolução da tecnologia, para aclimatar essa falha de recursos, mal da raça humana, porque somos predadores de nós próprios.

Estão muito na moda os híbridos, os carros meio elétricos, meio gasolina, é por aí que passa o seu futuro?

Eu penso que sim, neste momento conseguem-se situações de compromisso bastante boas relativamente aos consumos de combustíveis, precisamente com esses híbridos, em que fazem parte do percurso com o motor convencional em funcionamento que, simultaneamente põe em movimento o veículo que faz a carga de baterias e quando as exigências não são muito elevadas põe em acionamento um motor elétrico que é muito mais limitado, como é lógico, mas consegue o mesmo objetivo que consegue um motor convencional, um motor de combustão.

Penso que passa precisamente por aí. A falta de recursos petrolíferos, neste caso, passa precisamente pelo desenvolvimento da tecnologia que recorre aos sistemas elétricos, chamemos-lhe assim, e passa bastante por aí. Se calhar sacrificando um bocado as performances dos veículos, mas também penso que é preferível sacrificar essas performances, salvaguardando o ambiente.

É possível que o IPB, consiga desenvolver novas tecnologias não poluentes para utilização mundial em automóveis, aviões, etc.?

Eu penso que sim. Repare, as tecnologias não se fazem por grosso.

O progresso da tecnologia é feito aos bocadinhos e com muitos bocadinhos. Ou seja, para o desenvolvimento de uma tecnologia que atualmente está nos veículos híbridos, é preciso desenvolver uma série de pequenas tecnologias, as baterias, os motores elétricos, etc. que são pequenas partes que fazem um todo. Claro que a Escola Superior de Tecnologia e Gestão está presente no desenvolvimento da tecnologia neste país, não só ao nível das energias, mas em muitos outros assuntos, muitos outros campos, no campo da química, da mecânica, da eletrotecnia e mesmo das soluções adotadas para a construção civil. Está na vanguarda. É uma instituição que não fica aquém de qualquer outra instituição do país. Continua a contribuir, a dar o seu contributo para o desenvolvimento dessas tecnologias, de todas as formas possíveis e, claro está, vamos continuar a trabalhar nesse sentido.

Que contributos podem advir desse trabalho para o desenvolvimento da nossa região?

Isso pode contribuir através do chamar de novas empresas para a região, de tentar recolher investimento. Somos uma região bastante carente em termos de indústria. Normalmente a indústria tem tendência a posicionar-se mais no litoral do que propriamente no interior do país, muito possivelmente porque os empresários, os investidores, os empreendedores, que é um termo que está muito na moda ultimamente, os empreendedores acham que no litoral é que está o futuro. Eu, pessoalmente, e se me é permitido dar a minha visão pessoal deste assunto, entendo que é um erro crasso, crassíssimo, um erro estratégico, porque o interior é o interior do nosso país, mas estamos muito mais próximos da Europa do que propriamente do litoral. Isto se calhar é a minha costela transmontana a falar, mas é a minha visão das coisas e,  se queremos desenvolver, vamos desenvolver com a Europa e não isoladamente.

“Nós estamos muito mais perto da Europa do que propriamente do litoral.” Seria ambicioso o futuro de uma empresa ligada a automóveis elétricos, por exemplo, entre nós?

Eu penso que não. Repare, numa altura em que temos Évora, por exemplo, que é interior do país, a posicionar-se na indústria aeronáutica, coisa em que nós tínhamos condições tão boas ou melhores que Évora para o fazer, só mostra que é mais um problema de vontades. E essas vontades passam por uma série de concessões, como é lógico.

Eu não sou político, não sou empreendedor, portanto, não me cabe a mim apontar qual é o caminho, mas gostava imenso de ver a nossa região, por exemplo, acolher a indústria aeronáutica. Se não for indústria aeronáutica… repare, nós temos neste momento uma indústria automóvel implantada ou, pelo menos, de componentes automóveis, implantada na nossa região. É uma empresa bastante forte e gostava de ter muitas mais, como é lógico. Se me pergunta se eu gostava de ver isto desenvolver-se em termos industriais, é óbvio que gostava, por todos os motivos e mais alguns.

E penso que temos capacidade para o fazer. Agora tudo passa por uma questão de vontades e de conjugar sinergias, no fundo. Julgo que passa por aí, o caminho é por aí e vamos lá chegar. Quero acreditar que vamos lá chegar.

O IPB tem capacidade de fornecer engenheiros e pessoal especializado?

O IPB tem capacidade para fornecer pessoal especializado e mais ainda, tem capacidade para estar presente nesses projetos de implementação de qualquer tipo de indústria, através da transferência de tecnologia, que é outra das coisas que está muito em voga ultimamente. A transferência de tecnologia gerada nas instituições de ensino superior, nos institutos de investigação e a passagem dessa tecnologia para empresas privadas, como é óbvio, mas que a aproveitem. O Instituto Politécnico de Bragança tem mais capacidade para estar nesse grupo e para colaborar com qualquer tipo de indústria que se resolva implantar na região.

Será possível desenvolver-se um parque industrial de tecnologia não poluente nesta região para tirar partido das nossas características e dos nossos produtos?

 Mais uma vez quero acreditar que sim. Repare, isso está mais uma vez condicionado ao facto de haver quem queira investir nesta região, como é lógico.

Se nós quisermos fazer aquilo que é feito em vários sítios deste país, já é o caso de Évora na aeronáutica, o caso de Lisboa na área da biotecnologia, por exemplo, penso que nós temos capacidades também para ter o nosso clusterzinho de tecnologia. Se for não poluente, ótimo, melhor. Se for poluente, nós é que temos de arranjar soluções para tornar não poluente ou pelo menos para minimizar o impacto que possa ter na nossa região. Aliás, só temos que o fazer.

Temos uma região que, possivelmente, a maior riqueza que tem é precisamente o ambiente, por não ser industrializada, e temos que a preservar a todo custo, como é lógico. Um parque biológico. Um parque biológico, possivelmente.

Para terminar, que personalidade ou personalidades o marcaram ao longo da sua vida?

Personalidades que me marcaram ao longo da minha vida? Isso é uma pergunta muito complicada de responder. Eu acho que toda a gente nos marca de uma forma ou de outra. E mesmo quem nos marca negativamente não quer dizer que não nos faça andar para a frente.

Não aprendemos só com as coisas boas, aprendemos se calhar muito mais com as coisas más que nos acontecem. Mesmo quem nos marca negativamente faz parte da nossa personalidade. Obviamente, os meus pais, o maior condicionante, a minha mulher e a minha filha tão pequenininha com quem eu tenho tanto que aprender e tenho aprendido tanto. Os meus colegas de todos os lados, da empresa onde eu estive, daqui da escola, Superior Tecnologia e Gestão, todos eles nos marcam.

Os meus alunos… Todos eles nos marcam. Eu costumo dizer que dar aulas não é propriamente passar informação. No fundo é uma troca de informação deles para mim e de mim para eles. Acho que passa muito por aí. No fundo é uma troca de experiências. Não são só os alunos que têm que aprender com os docentes. Os docentes também têm que aprender alguma coisa com eles. Quem está no ensino sabe que é assim que tem que acontecer. (17:14) Todas essas pessoas, todos esses fragmentos passam por nós no decorrer da nossa vida.

Não é justo nem é legítimo estar a dizer esta personalidade, aquela personalidade marcou-nos. Penso que não é justo fazer isso.

Muito obrigado pela sua entrevista ao Nordeste com Carinho.