Foi do melhor que nos podia ter acontecido, a
concretização, vai para sete anos, da auto-estrada transmontana, a tal estrada
da justiça, como a definiu um Primeiro-ministro que tem deixado o país
ruborizado pela vergonha do que terá feito e do que seria capaz de fazer, se
não tivesse caído em desgraça, sem direito a um qualquer purgatório.
Vale a pena lembrar que pouco antes se
concluíra o IC5 (Alijó-proximidade de Miranda do Douro), mas também o troço do
IP2 entre a Vilariça e Bornes, que nos aliviou do serpentear agoniante que
suportámos décadas sem fim, quando Lisboa ficava a um dia inteiro de tortura.
É certo que em 2013 ainda não se dominavam as
entranhas do Marão, uma conquista que, chegada mais cedo, talvez tivesse
permitido que outro galo cantasse ao sol nascente por estas terras.
Circular pela A4 é uma comodidade que há 50,
40 ou 30 anos, não cabia na cabeça da maior parte dos nordestinos, mesmo dos
que já conheciam as “auto-routes” e as “autobahnen”, onde nem havia limite de
velocidade, talvez uma forma de propaganda às marcas da indústria automóvel
alemã, esse potentado discreto, construído com o apoio dos que tiraram o pio
às proclamações histéricas dos nazis e do seu maior protagonista, essa figura
diabolicamente inquietante que foi o cabo Adolfo.
Não lhes cabia na cabeça porque durante décadas
se habituaram às veredas, ao pó dos caminhos, às poldras para saltar ribeiros,
até bater as solas ao chegar ao macadane, antes de subir para a carroçaria de
uma camioneta com bancos de pau duro, como acontecia na segunda e terceira
classes dos comboios com vagar, rivais dos sinos das igrejas a marcar o ritmo
dos dias, onde os havia.
Mas hoje aí está a auto-estrada. Enquanto se
percorre é possível pensar, para além das certezas de chegar ao destino em tempo
e em condições de segurança, enquanto se observam as mudanças na paisagem, para
o bem e para o mal.
É notável o que se pode ver em plena Terra
Quente, até à envolvência de Murça, já no distrito vizinho. Olivais e vinhas
ordenados, adaptados à exploração mecanizada racional, surgem a cada passo,
justificando o sucesso de azeites e vinhos da região por esse mundo além, com proveito
para os seus proprietários, mas também para a economia regional e para essa
coisa difusa que é a esperança no futuro.
Já o mesmo não se dirá da Terra Fria, onde se
sente a secura do abandono, a dar lugar ao mato rasteiro, estevas e giestas a
fazer o que podem para lhe dar cor e atenuar o desânimo com o seu aroma
intenso.
Há ainda o que dali não se vê, mas que se
vive, um pouco mais longe, no nordeste profundo, onde já desapareceram os
tagalhos de ovelhas e cabras, as vacadas são memórias, nas lojas de cevados não
se ouve roncar e o que sobra é o tlintar desengonçado de motores a diesel de
carripanas que, por Outubro e Novembro, vão carregando sacas de castanhas à
porta de gente encanecida, que dá graças a Deus por lhas tirarem de casa.
P´ró que lhe havia de dar hoje, dirão alguns.
E têm razão. Podendo ir ao Porto arejar e sentir o bafo da cidade a sério, só
um tolo é que se dedica a estas tontices.
Escrito por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste
Retirado de www.jornalnordeste.com