O Padre Jaime Nuno Cepeda Coelho, natural de Soeima, Alfândega da Fé, é jesuíta e vive no Japão há mais de 40 anos.
É um estudioso de várias línguas, entre elas o japonês que aprendeu em dois anos de intensos estudos.
Lançou há poucos anos um dicionário de japonês/português e trabalha intensamente em mais dois dicionários.
Foi um defensor acérrimo da independência de Timor Leste.
domingo, 30 de outubro de 2011
sábado, 29 de outubro de 2011
Outono
As cinzas, têmo-las certas,
todos, quando soar a nossa hora,
não sei se de liberdade,
de eternidade,
de príncipio ou de definitivo fim...
O outono faz-me sentir
como as folhas
que rodopiam valsas insensatas
com o vento.
Mara Cepeda
todos, quando soar a nossa hora,
não sei se de liberdade,
de eternidade,
de príncipio ou de definitivo fim...
O outono faz-me sentir
como as folhas
que rodopiam valsas insensatas
com o vento.
Mara Cepeda
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
Aproxima-se o fim-de-semana...
Sexta-feira, final do mês de outubro, outono... o cair da folha, tapetes multicores pelo chão, um certo ar de nostalgia, é assim que vejo esta estação.
Aproxima-se a publicação de uma nova entrevista, a 16ª. O nosso entrevistado é o Padre Jaime Nuno Cepeda Coelho, residente no Japão,Tóquio, desde os seus 26 anos. É padre jesuíta, lecciona na Universidade de Sofia, na capital do país do Sol Nascente, elaborou o segundo dicionário de japonês/português (o primeiro foi feito há mais de quinhentos anos, também por um português). Neste momento trabalha afincadamente na "construção" do dicionário de português/japonês.
O Padre Jaime é natural de Soeima, Alfândega da Fé, e sempre que as suas obrigações profissionais o permitem, regressa à sua terra para retemperar forças.
Admira o modo de vida dos japoneses e considera-os verdadeiros amigos.
Aproxima-se a publicação de uma nova entrevista, a 16ª. O nosso entrevistado é o Padre Jaime Nuno Cepeda Coelho, residente no Japão,Tóquio, desde os seus 26 anos. É padre jesuíta, lecciona na Universidade de Sofia, na capital do país do Sol Nascente, elaborou o segundo dicionário de japonês/português (o primeiro foi feito há mais de quinhentos anos, também por um português). Neste momento trabalha afincadamente na "construção" do dicionário de português/japonês.
O Padre Jaime é natural de Soeima, Alfândega da Fé, e sempre que as suas obrigações profissionais o permitem, regressa à sua terra para retemperar forças.
Admira o modo de vida dos japoneses e considera-os verdadeiros amigos.
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
Trás-os-Montes
Mesmo que anoiteça noites sem fim,
engano a tristeza em duas de mim
Não sei se é porquê, tristemente chove,
apenas serei
já fui princesa e rainha
de contos só meus
que a tia Lucinda julgaria seus.
A vida passou como água que corre
no rio Tuela que tanto me diz
em lembranças felizes
onde a inocência era um peixinho
sem sorte que se deixou apanhar
enfeitiçado por risos de crianças
em murmúrios de mar.
Esta ancestralidade que me corre nas veias
de lágrimas salgadas de belas sereias
deste imenso mar português
que tantos mundos ao mundo mostrou
insiste em mim, em montes nascida
de fragas floridas,
a água do meu rio aos seus pés
murmurando canções antigas
de mares e marés.
Trás-os-Montes é tudo isso
somos todos nós
marinheiros de fragas
cobertas de cravelinas
que salpicam de cor
essências divinas.
Mara Cepeda
engano a tristeza em duas de mim
Não sei se é porquê, tristemente chove,
apenas serei
já fui princesa e rainha
de contos só meus
que a tia Lucinda julgaria seus.
A vida passou como água que corre
no rio Tuela que tanto me diz
em lembranças felizes
onde a inocência era um peixinho
sem sorte que se deixou apanhar
enfeitiçado por risos de crianças
em murmúrios de mar.
Esta ancestralidade que me corre nas veias
de lágrimas salgadas de belas sereias
deste imenso mar português
que tantos mundos ao mundo mostrou
insiste em mim, em montes nascida
de fragas floridas,
a água do meu rio aos seus pés
murmurando canções antigas
de mares e marés.
Trás-os-Montes é tudo isso
somos todos nós
marinheiros de fragas
cobertas de cravelinas
que salpicam de cor
essências divinas.
Mara Cepeda
Mesmo que anoiteça...
A hora engano em pressas de mim
No vento estranho que não se levanta
Corro sem tino em nuvens de luz
Luz do sol em céu azul,
Tão belo como este que vivo
Horas desertas daquilo que digo
No olhar sereno, de enganos feitos
Rosa vermelha cheia de espinhos
Tão longe estou de mim
Que divago, neste dia aziago
De cores garridas, outonais
De vento cerrado, sombra gris
De vento cerrado, sombra gris
Tão simples, que meio insegura
Caminho contigo, passeios largos
De belo vestido por vento agitado
É noite. Não sei se felizmente
Não sei se certamente,
Nada sei de tudo que vivo
Nada sei do que não está
Da água que canta
Mesmo que anoiteça…
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
Em ondas banais
Queixam-se as árvores
que o vento sacode
Em volteios atrozes
de adagas cinzentas,
Cabelos soltos,
revoltos tormentos,
Em gélidos zéfiros
de esquiva roupagem.
Torre de menagem,
princesa esconde,
De cabelos belos
da cor do bronze.
E chora sentidos
amores contrafeitos
Que ora se dizem,
ora são desfeitos.
Cora, amor,
dessa cor tão doce,
Que é o calor
que pelo corpo desce
Em ondas banais
da noite que cresce.
Chora, amor,
a dor feita
se desfeita fosse.
se desfeita fosse.
Mara Cepeda
sábado, 22 de outubro de 2011
Chuva
Deslocam-se fantasmas
Mara Cepeda
No vento
Quais adagas bárbaras
Que me dilaceram o peito
Chove
Talvez
Serenamente
A dor que trago sem jeito
Sufocada em grito mudo
Que enjeito
Chove
Copiosamente
Este sinal de agora
No tempo sem hora
Que quero prender
Em mim
E não ser
Vento
Brisa
Vendaval
Ferrarri sacramental
O sossego
Transforma-se
Em maresia
Maré-cheia
Olhar cheio de areia
Lágrimas doces de sereia
Bátegas grossas
Mara Cepeda
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
Entrevista com Jorge Gomes - ex presidente do NERBA
(Esta entrevista foi realizada em 2004. Jorge Manuel Nogueiro Gomes, era, então, Presidente de Direcção do NERBA, Núcleo Empresarial da Região de Bragança.)
O Jorge nasceu em Bragança, na freguesia da Sé, que recordações guarda da sua meninice e da sua juventude?
Uma freguesia bonita, uma cidade muito simpática, muito pequena onde toda a gente se conhecia. Nasci na Avenida João da Cruz, com entrada pela Guerra Junqueiro, e recordo-me muito bem do Toural que hoje é o bairro junto à Capela de Santo António que era um descampado então, onde jogávamos a bola na nossa meninice. Para além de ainda podermos jogar a bola na rua porque carros ainda não havia, não passavam. São recordações de uma cidade muito saudável, uma cidade sem competitividade, uma cidade com algum respeito pelo ser humano, uma cidade mais próxima de tudo mas, sobretudo, mais solidários, todos, uns com os outros.
De que forma o facto de ter nascido nesta cidade e nesta região o marcou?
Marcou-me tanto que vivo cá há 52 anos e isto é a maior marca que se pode ter. É uma cidade onde se criou, com muita facilidade, a amizade, onde se criou, com muita facilidade, o respeito, a solidariedade, embora com todas as diferenças sociais que houvesse, algumas muito complicadas mas, também, a vida que tínhamos… ninguém nos impunha regras, éramos muito livres de viver. Marcou-me sobretudo, de facto, o crescer da própria cidade que eu acompanhei e a que tenho estado mais ou menos atento mas, o conseguir manter nesse crescimento a criação de novas amizades, de novos conhecimentos ou seja, na cidade ainda hoje ninguém me é estranho quase, ninguém é desconhecido e isto é… é impossível sair de cá.
Nunca sentiu necessidade de sair?
Já senti e já pensei, enfim, há fases da vida em que uma pessoa se cansa um pouco de conhecer toda a gente, de não termos direito à nossa ida no passeio tranquilos e sossegados. Mas no dia em que isso nos falta apetece-nos voltar imediatamente porque de facto isso é mais agradável do que desagradável, é bom sentirmo-nos acarinhados pela pessoas, é bom darmos carinho também aos outros.
Que recordações guarda da Escola Industrial e das rivalidades existentes entre a Escola e o então Liceu Nacional?
Eu não senti muito essa rivalidade porque eu comecei os estudos no Liceu. Fui para o Liceu onde estive três anos, iniciei o primeiro ciclo preparatório que existiu em Bragança que foi aberto junto ao actual Governo Civil, onde funcionava uma secção do Liceu, que era só masculino. A recordação pior que guardo dos meus tempos de estudante era a separação entre o feminino e o masculino, era os muros de quatro metros de altura para não podermos ver as colegas, eram as entradas diferenciadas no estabelecimento de ensino em que as meninas entravam pela escada principal, os rapazes entravam pela rampa, enfim, toda essa separação… dá-me ideia de que isso foi o maior choque… eu quase diria, não digo traumatizasse, mas que foi um choque que na nossa geração foi muito forte. Até porque, isso, criava competitividade entre rapazes e raparigas, criava, não diria algumas agressividades porque éramos todos muito amigos mas…
Mas isso não servia de nada porque saiam do portão para fora da escola e juntavam-se todos não era?
Juntávamo-nos mas era sempre com alguma dificuldade porque quase nunca nos conhecíamos, o convívio mais importante que se poderia ter que era o convívio de escola, o convívio saudável, esse não existia. Era tudo cá fora, cá fora para os que podiam porque muitos tinham horários rígidos para entrar em casa, enfim, era só a conversa ao sair da escola. Mesmo nas brincadeiras cá fora havia muita separação entre rapazes e raparigas.
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
Hoje
O cansaço que sentimos,
cada vez mais intensamente
este aniquilamento de nós
tão intensamente
se nos entranha na alma
nos tira a calma
nos diminui
é cada vez mais palpável
mais físico
sentimo-nos desassossegar
de insónias tais
que desatinamos em absurdos ais
desesperançados
com pena de nós
com medo do amanhã
que já não tarda
cada vez mais físico
cada vez mais real
o espírito
a alma
o coração
estão entorpecidos
abobados
perdidos em horizontes
que não se vislumbram
morremos financeiramente
todos os dias
lentamente
como o doente que espera
que a morte chegue
sem alarde
anestesiada na falta de vontade
de ânimo
de esperança
envolta em portuguesa saudade
Mara Cepeda
cada vez mais intensamente
este aniquilamento de nós
tão intensamente
se nos entranha na alma
nos tira a calma
nos diminui
é cada vez mais palpável
mais físico
sentimo-nos desassossegar
de insónias tais
que desatinamos em absurdos ais
desesperançados
com pena de nós
com medo do amanhã
que já não tarda
cada vez mais físico
cada vez mais real
o espírito
a alma
o coração
estão entorpecidos
abobados
perdidos em horizontes
que não se vislumbram
morremos financeiramente
todos os dias
lentamente
como o doente que espera
que a morte chegue
sem alarde
anestesiada na falta de vontade
de ânimo
de esperança
envolta em portuguesa saudade
Mara Cepeda
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
Serenidade
Só ontem me apercebi da presença do Outono.
Foi na manhã mal começada, estendi o olhar fugidio pela paisagem que avisto: o monte de São Bartolomeu.
E para além do São Bento, benção permanente sobre a cidade, o que mais me emociona é o verde que ainda vejo, cada vez menos.
A dança das cores outonais que então apreendi inebria com sinais de atitudes hostis. Tudo se prepara para fingir outras cores, mas nada conseguem semeando flores. Serás outono, anseio escondido, que nada permeia naquilo que digo.
Anda, vamos embora na bela paisagem que sinto lá fora em fria aragem. Caminha comigo em horas de paz, almejando dias de serenidade, em que as noites sejam coisas fugidias, repletas de sonhos destilando harmonias.
Dá-me a mão onde pousarei beijo terno e amoroso de entrega total em horas sem gozo. Anda comigo, agora e sempre, eu irei contigo no momento presente. Amanhã também se o futuro chegar, como no passado consigo alcançar.
Olha que belas cores espalhadas a esmo, pululam flores de encanto supremo. Folhas volteiam revestindo campos onde se escondem cogumelos feios.
As crianças sorriem sorrisos pequenos. É cedo ainda nos sonos serenos que sonhadoramente pedimos e não temos. Não acordes ainda, deixa-te estar, o dia não finda neste lugar.
Empresto-te o meu olhar físico que não o da alma, que esse é meu. Usa o teu poeticamente correcto; espraia a vontade no destino incerto.
Olha que bela árvore de folhas vermelhas, todas à uma, imitando a primeira, no mimetismo da hora primeva que não saberemos se foi aguarela de Deus ou deuses pintores – poetas, que sempre os houve, boémios ascetas.
Um rebanho de cândidas ovelhas espalha pureza nos campos, nas pedras. Velho pastor de olhar ancestral, caminha sem hora para o pedestal. Será hoje? Que frio faz nesta terra tão branca que até parece que a noite levanta. Onde estão as pedras que me aniquilam os pés? Não as vejo no nevoeiro denso que cerca o momento. O velho pastor já lá vai ao longe, assobiando cantigas de doce pendor.
Ai que arrelia na vida que passa sem que a possa aprisionar. Que momento fugaz, que belo momento, já lá vai atrás num dia de vento. Pára minha alma, não vás mais, espera... o momento não passa de pequena quimera. Quixote, matador de moinhos, anseia descanso em leitos quentes de Dulcinéias puras, mulheres – sereias, pequenas canduras.
E serenamente na chuva que cai entrego o meu corpo ao deleite extremo de nada fazer neste dia sereno.
Mara Cepeda
Foi na manhã mal começada, estendi o olhar fugidio pela paisagem que avisto: o monte de São Bartolomeu.
E para além do São Bento, benção permanente sobre a cidade, o que mais me emociona é o verde que ainda vejo, cada vez menos.
A dança das cores outonais que então apreendi inebria com sinais de atitudes hostis. Tudo se prepara para fingir outras cores, mas nada conseguem semeando flores. Serás outono, anseio escondido, que nada permeia naquilo que digo.
Anda, vamos embora na bela paisagem que sinto lá fora em fria aragem. Caminha comigo em horas de paz, almejando dias de serenidade, em que as noites sejam coisas fugidias, repletas de sonhos destilando harmonias.
Dá-me a mão onde pousarei beijo terno e amoroso de entrega total em horas sem gozo. Anda comigo, agora e sempre, eu irei contigo no momento presente. Amanhã também se o futuro chegar, como no passado consigo alcançar.
Olha que belas cores espalhadas a esmo, pululam flores de encanto supremo. Folhas volteiam revestindo campos onde se escondem cogumelos feios.
As crianças sorriem sorrisos pequenos. É cedo ainda nos sonos serenos que sonhadoramente pedimos e não temos. Não acordes ainda, deixa-te estar, o dia não finda neste lugar.
Empresto-te o meu olhar físico que não o da alma, que esse é meu. Usa o teu poeticamente correcto; espraia a vontade no destino incerto.
Olha que bela árvore de folhas vermelhas, todas à uma, imitando a primeira, no mimetismo da hora primeva que não saberemos se foi aguarela de Deus ou deuses pintores – poetas, que sempre os houve, boémios ascetas.
Um rebanho de cândidas ovelhas espalha pureza nos campos, nas pedras. Velho pastor de olhar ancestral, caminha sem hora para o pedestal. Será hoje? Que frio faz nesta terra tão branca que até parece que a noite levanta. Onde estão as pedras que me aniquilam os pés? Não as vejo no nevoeiro denso que cerca o momento. O velho pastor já lá vai ao longe, assobiando cantigas de doce pendor.
Ai que arrelia na vida que passa sem que a possa aprisionar. Que momento fugaz, que belo momento, já lá vai atrás num dia de vento. Pára minha alma, não vás mais, espera... o momento não passa de pequena quimera. Quixote, matador de moinhos, anseia descanso em leitos quentes de Dulcinéias puras, mulheres – sereias, pequenas canduras.
E serenamente na chuva que cai entrego o meu corpo ao deleite extremo de nada fazer neste dia sereno.
Mara Cepeda
domingo, 16 de outubro de 2011
Amadeu Ferreira/Francisco Niebro, mais uma obra
Amadeu Ferreira/Francisco Niebro, lançou em Lisboa na Casa Fernando Pessoa, a tradução da "Mensagem" de Fernando Pessoa, para mirandês.
O lançamento aconteceu no dia 14 de Outubro.
Só um grande poeta pode traduzir, com esta maestria, um dos maiores poetas de todos os tempos.
Parabéns Amadeu
O lançamento aconteceu no dia 14 de Outubro.
Só um grande poeta pode traduzir, com esta maestria, um dos maiores poetas de todos os tempos.
Parabéns Amadeu
Em outros braços
Que dia tão fresco
Tão azul e sereno
Avisto em meu peito
Calmo e ameno
Até parece história infantil
Em país de sonhos
Quimera primaveril
Que menina tão linda eu fui então
Cabelos macios dançando ao vento
Lábios vermelhos morangos silvestres
Pele branca rosada de alegria
Em correria louca
Busca outro dia
Minha alma está triste
De saudades tantas
De mim menina
De outras crianças
Que doces lembranças
Eu tenho de santa Bárbara
Que trovoada
Que dia de breu
Que fada tão negra
Anseia cabelo teu
Corre. O sonho acabou
O dia está triste, cinzento, enevoado
Chove de feição já tão tarde
Que quase parece não fazer alarde
E a nudez tão crua
Do sonho se esvai
Não. Vou apreciar o vento na face
Em noite serena que quase já nasce
Que sentimento é este de agora?
Que angústia.
Não. A vida não pára
Mesmo que eu sofra tormentos sem fim
Tenho uma mão que anseia por mim
São horas, minutos, sei lá
Todos aflitos em fada tão má
Que tudo enegrece
E o azul tão lindo
Que o dia me trouxe
Deitou-se sorrindo
Em outros braços.
Mara Cepeda
Aqui está a 14ª entrevista
Esta é a 14ª entrevista desta série. O entrevistado, Jorge Gomes, foi presidente de direcção do NERBA - Núcleo Empresarial da Região de Bragança.
Foi realizada em 2004. Desde então, exerceu as funções de Governador Civil de Bragança.
Foi realizada em 2004. Desde então, exerceu as funções de Governador Civil de Bragança.
sábado, 15 de outubro de 2011
Entrevistas com Dr. João Manuel Neto Jacob, ex director do Museu Abade de Baçal
(Dr. João Manuel Neto Jacob é um amigo de longa data. Ele e o Marcolino são amigos de infância, eu desde o tempo de namoro com o Marcolino. Foi um dos amigos que esteve connosco nos primeiros momentos conturbados da nossa vida. Foi ele que, quando o Marcolino teve o primeiro descolamento de retina, o levou ao médico (nessa altura ainda não estavamos casados). Enfim, é um amigo de todas as horas. Neste momento está de licença sabática para fazer o seu doutoramento.)
Olá Jacob! Bem-vindo amigo e obrigada por nos dares esta entrevista. Vamos começar, a exemplo do que normalmente fazemos a todos os entrevistados, por te pedir que nos fales da tua infância.
Foi uma infância tradicional, uma infância rural, na aldeia, de que guardo grandes recordações, sobretudo recordações de liberdade de actuação, de andar pelas ruas, pelos campos, pelos montes, mas, também, as recordações da escola, da ida à escola, recordações dos amigos, dos familiares, recordações das pessoas da aldeia com quem sempre tive óptimas relações e ainda hoje tenho. Portanto, é um pouco a nostalgia do tempo passado, do tempo que já foi.
Não queres destacar uma recordação daqueles tempos de traquinice?
Recordo-me imensas vezes de a minha mãe me ter ido buscar aos campos para eu ir almoçar; recordo-me uma vez que me foi encontrar em cima de uma figueira, por exemplo. Uma outra vez, no final do ano lectivo, fiquei doente durante quinze dias, com uma febre intestinal, porque um amigo meu mais velho do que eu agarrou comigo de manhã faltando à escola e fomos à caça com os cães dele. Apanhámos várias perdizes, só que eu já não as pude comer porque, entretanto, com a fome no regresso, e já com muito calor, comemos maças verdes e quentes, e eu fiquei com uma febre intestinal terrível, assunto para cama aí para duas ou três semanas.
Estudaste, como o Marcolino, em Bragança no Liceu Nacional, actual Escola Secundária Emídio Garcia, queres falar-nos desses tempos?
Guardo óptimas recordações, sobretudo a nível de colegas, de alguns professores, doutros menos, se calhar, uma pessoa também não pode gostar de tudo. Recordo sobretudo a vivência da cidade; acho que Bragança na altura era uma cidade pequena que tinha os limites muito próximos, mas uma pessoa viciava-se à cidade, apaixonava-se pela cidade e pelos amigos, e quando não estávamos, a vontade de retornar rapidamente, impunha-se.
Era viciante, a cidade, na altura?
Era viciante porque era pequena e toda a gente se conhecia, andávamos sempre entretidos a fazer coisas, em camaradagem, no café, se calhar a ganhar pequenos vícios porque na altura as alternativas ao vício também eram poucas. Era uma cidade de que se gostava, uma cidade sem conflitos, uma cidade que nos conhecia e conhecíamos... Agora somos átomos dispersos, parece que fizemos mal a alguém…
sexta-feira, 14 de outubro de 2011
Sejamos apenas
O céu cinzento e triste
Impera nesta hora de angústia
Da qual sou personagem dispersa
Sou nada. Apenas existo neste ermo
Em que estou só e acompanhada
Por ti, meu menino triste
Que às apalpadelas tenta encontrar o caminho
Que caminho será esse que não se vislumbra?
Está árido o sentimento de ti
E por ti anseio mais calor e ternura
Mas a sereia não existe já
Na quimera ancestral
Que por ser tão pura
É quase abismal
Que chova. Espero que chova
Bátegas grossas de molhar a sério
As pedras desertas do caminho que trilho
Contigo
A tua mão procura um porto de abrigo
Seguro e não há
Somos o ter sido nesta hora tão má
Que dia, que hora, que céu!
Neste meu abrigo tão negro
De breu.
Deixa que eu segure na tua mão ansiosa
Na tua tristeza tão densa
Na tua insónia permanente
Sem esperança
Deixa que eu seja apenas aquela que te ama
Deixa que eu seja
A oficial e a outra
A que te ama e a que apenas te quer
A irmã e a mulher
Deixa. Dorme no meu regaço
De deusa primeira
De mãe terra
Que anseia fertilidade
Não penses em nada
Apenas no passar do dia
Naturalmente
Tenta que a hora seja
Se fácil não é, bem sei
Tens uma vontade digna de rei
Por isso amigo
Caminha comigo este caminho
Em horas já tarde
Somos. Não importa aonde
O que importa é aquilo que se esconde
Em grutas secretas
Pequenas em número
Grutas, estas, que não vejo
Que não almejo
Almejando ainda.
Seja.
Guardemos os nossos segredos
É hora de ser, mesmo que custe
É hora de ver com o espírito
O que os olhos não vêem.
Sejamos apenas
Mara Cepeda
Mais uma sexta-feira...
Cá estamos nesta sexta-feira, 14 de outubro, um outubro invulgarmente quente.
Aproxima-se a publicação de mais uma entrevista, a de Jorge Gomes, Governador Civil de Bragança.
Postá-la-emos no domingo como é habitual.
Continuamos a contar com a vossa colaboração. Obrigada por nos continuarem a acompanhar neste nosso percurso.
Bem hajam
Aproxima-se a publicação de mais uma entrevista, a de Jorge Gomes, Governador Civil de Bragança.
Postá-la-emos no domingo como é habitual.
Continuamos a contar com a vossa colaboração. Obrigada por nos continuarem a acompanhar neste nosso percurso.
Bem hajam
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
Caminhos
Os meus sonhos não existem já
e as noites são de cansaço extremo
quando de manhã me levanto.
Quando peço mais cinco minutos e passam trinta.
Levanto-me e isso faz-me sofrer.
Quero ficar na cama contigo ou sem ti.
Quero dormir não dormindo já.
Mais um dia,
um dia a mais nesta vida de horizontes
curtos e conhecidos.
Busco novos caminhos
não consigo que a estrada se abra.
Corro sempre na mesma direcção
e o abismo é o mesmo.
A minha procura nunca mais tem fim.
A minha busca incessante de um caminho,
tão adolescente,
espraia-se em praias desertas
de palmeiras verdes e águas límpidas,
onde o ser primeiro se encontra
puro e impoluto ainda.
A minha busca não termina,
nem mesmo as areias brancas,
de açúcar em pó,
que acariciam os meus pés
já cansados
de tanto palmilhar fronteiras perdidas,
consegue o milagre
de me encontrar em mim.
Debaixo desta aparência
normal e burguesa
está alguém que não é aquilo
que aparenta ser.
Está alguém
que só quer ser feliz
e fazer feliz quem lhe pertence
não lhe pertencendo.
O encontro de mim tarda,
nesta tarde que chove lágrimas
de puro alívio.
Mara Cepeda
quarta-feira, 12 de outubro de 2011
Tristeza
Foi um dia triste
apesar do sol e do calor
anormais para a época
Triste sem motivo aparente
Triste porque sim...
ou não...
A tristeza faz parte de nós.
A alegria, a felicidade ou a infelicidade
a morte ou a vida.
Acontecem dias como este
tristes, aziagos,
não gostamos de nós nestes dias
sentimos pena
penamos horas profundas
profundamente em nós
submergimo-nos em abismos
suspirando sonhos
em incógnitas cavernas
Mara
apesar do sol e do calor
anormais para a época
Triste sem motivo aparente
Triste porque sim...
ou não...
A tristeza faz parte de nós.
A alegria, a felicidade ou a infelicidade
a morte ou a vida.
Acontecem dias como este
tristes, aziagos,
não gostamos de nós nestes dias
sentimos pena
penamos horas profundas
profundamente em nós
submergimo-nos em abismos
suspirando sonhos
em incógnitas cavernas
Mara
terça-feira, 11 de outubro de 2011
Procura
Talvez que o mar imenso me conduza à minha alma líquida de ancestrais marinheiros e as contradições de que sou feita, amenizem.
Mara
Estava frio na noite do mar.
O calor que sinto não teme frios e o mar é um rio muito grande que me conduz ao país que procuro.
Esta distância semeada de crateras lunares não é fácil de percorrer e as praias estão cheias de corpos ao sol.
O amanhã, talvez seja uns olhos azuis e tristes que conheço, já velhos mas belos, com a dignidade de uma rosa que morre sem dobrar e os cabelos brancos, são as ondas deste mar.
Esmorece a vontade numa tarde de calor, dia de trabalho em tempo de férias. A piscina está repleta de corpos que se espraiam no verde relvado de poucas árvores e são felizes mesmo assim.
É tão fácil ser feliz quando esqueço a procura de mim!
Já quando quase fui feliz, não fazia parte daquele lugar onde nasci.
Já ali, era um ser incompleto, já ali destoava da paisagem que tanto amo.
Já ali, entre montes e poucos vales, entre socalcos imperfeitos, corriam aragens do mar tão longínquo que nunca alcancei.
O avô marinheiro que a água tragou chama por mim no reino de Neptuno.
Não irei. Fico contigo, pois tanto faz ser aqui como além.
Se o dia passa e a noite levanta, para que fingir fugas sem fim?
Mara
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
Terra de ninguém
Penso um poema lindo que não escrevo, já que a essência do meu pensamento se perdeu na incapacidade de o realizar.
Razão tinha quem disse que os melhores poemas são os que nunca ninguém escreveu.
Os melhores são os que alguém pensou, mas não sendo anjo nem deus, não conseguiu passar para o papel e então fica a sensação de que apenas sonhou.
Sonho muitos poemas que jamais escreverei e o que plasmo no imenso oceano branco é o que menos diz, é o que foi menos conseguido.
Sofro a minha incapacidade, as minhas limitações que são tantas e apenas consigo uma leve brisa dos poemas que jamais escreverei.
É como se fosse uma sombra, ao cair da tarde, que se alonga mas nunca será uma entidade.
Sofro, eu que não sou senão um arremedo do que gostaria de ser e imagino o quanto sofrerão todos os poetas deste mundo e talvez doutros que os deve haver também.
O que terá sofrido Fernando Pessoa que, mesmo sendo um deus das palavras se deixou morrer de tristeza! Amou tanto, quis tanto e nunca conseguiu dar-se totalmente. Pensou tantas pessoas dentro de si mesmo e mesmo sendo tantos não conseguiu ser nenhum. Foi poeta, quase deus e morreu sem encontrar a sua essência, sem realizar a pessoa una que queria ser. Foi grande, universal, e foi triste como um cair de tarde no Inverno que chove.
Admiro os grandes poetas que apenas dizem o que não está escrito e sei que nunca serei assim.
Admiro um dia de sol.
Mas, um dia de sol sem água que rumoreje, sem vento que despenteie, sem verde que eu possa alcançar não me diz o que eu quero ouvir. Não desperta o meu olhar.
Um dia de sol apenas, não faz sorrir e sem sorrisos a vida é pobre. É como uma mulher muito bela sem brilho no olhar. É como um deserto de areias brancas sem oásis nem dunas.
Neste dia que apenas começa o meu pensamento está muito longe do que eu realmente devo fazer. Só o pensar no quotidiano do dia que lentamente passa desassossega a minha vontade.
Penso nas aldeias da fome que nos rodeiam neste pequeno mundo que é nada, na imensidão que nos circunda e acho que as minhas preocupações são comezinhas e fúteis.
Não consigo deixar de pensar no que gostaria de poder fazer como pintora de imensidões brancas, de papel porventura reciclado.
E vou como quem vai de passeio debicando aqui e ali uma flor do campo que eu quero agreste.
Vou sozinha nesta viagem que só acabará com a minha morte.
Levo, no entanto, a tua presença inalienável de mim e sei que voltarei sempre para ti.
Esta terra onde me encontro não é de ninguém.
Mara Cepeda
Razão tinha quem disse que os melhores poemas são os que nunca ninguém escreveu.
Os melhores são os que alguém pensou, mas não sendo anjo nem deus, não conseguiu passar para o papel e então fica a sensação de que apenas sonhou.
Sonho muitos poemas que jamais escreverei e o que plasmo no imenso oceano branco é o que menos diz, é o que foi menos conseguido.
Sofro a minha incapacidade, as minhas limitações que são tantas e apenas consigo uma leve brisa dos poemas que jamais escreverei.
É como se fosse uma sombra, ao cair da tarde, que se alonga mas nunca será uma entidade.
Sofro, eu que não sou senão um arremedo do que gostaria de ser e imagino o quanto sofrerão todos os poetas deste mundo e talvez doutros que os deve haver também.
O que terá sofrido Fernando Pessoa que, mesmo sendo um deus das palavras se deixou morrer de tristeza! Amou tanto, quis tanto e nunca conseguiu dar-se totalmente. Pensou tantas pessoas dentro de si mesmo e mesmo sendo tantos não conseguiu ser nenhum. Foi poeta, quase deus e morreu sem encontrar a sua essência, sem realizar a pessoa una que queria ser. Foi grande, universal, e foi triste como um cair de tarde no Inverno que chove.
Admiro os grandes poetas que apenas dizem o que não está escrito e sei que nunca serei assim.
Admiro um dia de sol.
Mas, um dia de sol sem água que rumoreje, sem vento que despenteie, sem verde que eu possa alcançar não me diz o que eu quero ouvir. Não desperta o meu olhar.
Um dia de sol apenas, não faz sorrir e sem sorrisos a vida é pobre. É como uma mulher muito bela sem brilho no olhar. É como um deserto de areias brancas sem oásis nem dunas.
Neste dia que apenas começa o meu pensamento está muito longe do que eu realmente devo fazer. Só o pensar no quotidiano do dia que lentamente passa desassossega a minha vontade.
Penso nas aldeias da fome que nos rodeiam neste pequeno mundo que é nada, na imensidão que nos circunda e acho que as minhas preocupações são comezinhas e fúteis.
Não consigo deixar de pensar no que gostaria de poder fazer como pintora de imensidões brancas, de papel porventura reciclado.
E vou como quem vai de passeio debicando aqui e ali uma flor do campo que eu quero agreste.
Vou sozinha nesta viagem que só acabará com a minha morte.
Levo, no entanto, a tua presença inalienável de mim e sei que voltarei sempre para ti.
Esta terra onde me encontro não é de ninguém.
Mara Cepeda
domingo, 9 de outubro de 2011
Olá!
Hoje é domingo e, portanto, já devíamos ter postado a 13ª entrevista. Estamos a aguardar que o nosso entrevistado acabe de a rever.
Logo que esteja pronta, publicá-la-emos.
Obrigados
Até já
Logo que esteja pronta, publicá-la-emos.
Obrigados
Até já
sábado, 8 de outubro de 2011
Entrevista com Dr. Arnaldo João Rodrigues - médico
Terá nascido por volta do ano de 1935 sentiu, de alguma forma, o impacto da II Grande Guerra?
Sentir, já não senti, recordo-me da fome que ainda havia pelas aldeias, a vinda de espanhóis que vinham procurar apoio à raia portuguesa, disso ainda me lembro.
Tuizelo foi o seu berço, pertence ao concelho de Vinhais, como foi a sua infância?
A minha infância foi igual à de todas as crianças dessa altura. Aos 6 anos fui para a escola primária, depois da escola brincávamos, havia muitas crianças que agora já não há. Na minha escola éramos 62 alunos e agora está prestes a fechar.
As brincadeiras eram muito diferentes das de hoje?
Eram com certeza, desde o esconde-esconde, à bilharda, à porca, o pião.
Fez os estudos primários na aldeia, quais são as boas lembranças que guarda desse tempo?
Boas lembranças são coisas quase esquecidas, no entanto, as boas recordações estão diluídas no tempo, quer a gente queira quer não. Vão-se apagando.
Guarda uma que o marcou. Quer falar-nos dela?
Quando estava na segunda classe mandaram-me ler um trecho qualquer, era “o pucarinho”. Eu sabia tudo de cor, li. A professora deu-me uma bofetada tão grande que atirou comigo ao chão. Dali por diante quase deixei de ler porque lia de cor, era difícil. Primeiro decorava e depois lia. Nunca mais me esqueço é da minha professora que ainda é viva, a dona Carlota. Foi minha professora até à segunda classe, a seguir foi uma outra professora chamada Elvira, que é uma senhora aqui de Bragança.
Depois veio da aldeia de Tuizelo para Bragança. Foi estudar para o Liceu Nacional, que por acaso fez 150 anos de existência há pouco tempo, foi sem dúvida uma mudança grande?
Foi diferente porque quer a gente queira quer não, das aldeias, nós vínhamos um pouco para ver como é que isto era. Ficámos numa casa onde nos trataram como família mas, seja como for, a gente tinha que estudar mais para aguentar os que cá estavam.
sexta-feira, 7 de outubro de 2011
Olá amigos!
Mais uma semana no fim, mais um jogo da nossa seleção que já ganha à Islandia.
Como é hábito, a próxima entrevista será publicada no Domingo. O nosso próximo entrevistado será o Dr. João Manuel Neto Jacob, que era, na altura da realização da entrevista, Director do Museu Etnográfico Abade de Baçal.
Neste momento está à frente desta prestigiada instituição, a Drª Ana Maria Afonso, a quem, mais uma vez, agradecemos a disponibilidade demonstrada para acolher o lançamento deste blogue.
Neto Jacob é amigo de infância do Marcolino e meu desde há vinte e três anos.
Foi difícil convencê-lo a dar-nos esta entrevista. Lá se conseguiu e, no domingo estará disponível para ser lida e comentada.
Continuamos a contar com a vossa colaboração e amizade.
Bem hajam
Como é hábito, a próxima entrevista será publicada no Domingo. O nosso próximo entrevistado será o Dr. João Manuel Neto Jacob, que era, na altura da realização da entrevista, Director do Museu Etnográfico Abade de Baçal.
Neste momento está à frente desta prestigiada instituição, a Drª Ana Maria Afonso, a quem, mais uma vez, agradecemos a disponibilidade demonstrada para acolher o lançamento deste blogue.
Neto Jacob é amigo de infância do Marcolino e meu desde há vinte e três anos.
Foi difícil convencê-lo a dar-nos esta entrevista. Lá se conseguiu e, no domingo estará disponível para ser lida e comentada.
Continuamos a contar com a vossa colaboração e amizade.
Bem hajam
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
INQUIETUDE
Ando triste como quem tenta e não consegue, como a andorinha que é breve passagem de Verão.
Ando triste como quem não sabe dizer nem sim nem não.
Ando triste como uma manhã ensolarada que não nos convence.
Tenho o sentir embaciado, como céu sem estrelas e sem luar. Como um fado de Coimbra cantado na noite de não te encontrar.
Dói-me o sentir-me assim, longe de mim.
O meu olhar espraia-se pelos montes que avista e não consegue ver o verde da esperança, apenas as casas mal alinhavadas que o conspurcam e humanizam demais.
Tento, através do carinho que me dás, sair de mim assim tão triste, mas não consigo. Não sou capaz de chorar agora e preciso que chova e que eu seja árvore em descampado aberto.
A minha alma tem medo deste sentir de agora. Quero fugir daqui mas a porta não se abre. Temo o que ninguém teme e sinto um torpor enorme que não me permite acordar descansada pela manhã de sol que agora faz.
Não sei o que tenho e não tenho nada. Apenas sinto o que não queria sentir e quero sentir o que apenas minto a mim mesma, tão longe de mim.
Amo-te, não há dúvida, mas não sei acordar em ti.
Dá-me a mão tira-me deste abismo em que caí. Não posso mais estar enterrada nesta indiferença que não é também.
Dá-me a mão, delicadamente, como quem afaga um bebé recém nascido, ainda envolto na placenta primeira e primária que todas nós carregamos desde a hora inacabada.
Abre-me a janela para que eu veja um céu de estrelas cheio e lua quase dia.
Chama por mim como se por ti eu chamasse em sonhos de amor.
Cantarei o Barco Negro nos teus braços e sei que jamais morrerás. Saberei que o dia acorda cheio de luar.
Seremos as águas do Sena, que em Paris fomos e amar-nos-emos num Verão qualquer em qualquer parte.
Anda. Vamos passear por este bulevar de mãos dadas, sem que a mais pequena palavra perturbe o teu doce e pequeno olhar tão grande.
Anda. Toma a minha mão pequena entre as tuas mãos tão macias e belas e sente comigo o dia que anoitece e que os vaga-lumes alumiam dançando danças primordiais. Ouve o suave remanso do rio que somos e a orquestra dos arraiolos que nos acompanha neste local tão ermo.
Quanta gente neste espaço agora. Cada um vai olhando o carreiro das formigas que já não alcançam e nenhuma delas leva carregos visíveis.
Vamos por entre esta multidão que não sonha e sonhemos nós por todos.
Anda, a noite acontece sem que o dia passe e nos meus olhos negros viaja o teu olhar verde de musgos no rio que corre.
Subamos àquele pequeno monte. Avistemos o que ninguém avista. Dá-me um beijo que ao de leve roce os meus lábios tristes e sorri.
Mara Cepeda
(Do que poderá vir a ser o livro "Inquietude")
Ando triste como quem não sabe dizer nem sim nem não.
Ando triste como uma manhã ensolarada que não nos convence.
Tenho o sentir embaciado, como céu sem estrelas e sem luar. Como um fado de Coimbra cantado na noite de não te encontrar.
Dói-me o sentir-me assim, longe de mim.
O meu olhar espraia-se pelos montes que avista e não consegue ver o verde da esperança, apenas as casas mal alinhavadas que o conspurcam e humanizam demais.
Tento, através do carinho que me dás, sair de mim assim tão triste, mas não consigo. Não sou capaz de chorar agora e preciso que chova e que eu seja árvore em descampado aberto.
A minha alma tem medo deste sentir de agora. Quero fugir daqui mas a porta não se abre. Temo o que ninguém teme e sinto um torpor enorme que não me permite acordar descansada pela manhã de sol que agora faz.
Não sei o que tenho e não tenho nada. Apenas sinto o que não queria sentir e quero sentir o que apenas minto a mim mesma, tão longe de mim.
Amo-te, não há dúvida, mas não sei acordar em ti.
Dá-me a mão tira-me deste abismo em que caí. Não posso mais estar enterrada nesta indiferença que não é também.
Dá-me a mão, delicadamente, como quem afaga um bebé recém nascido, ainda envolto na placenta primeira e primária que todas nós carregamos desde a hora inacabada.
Abre-me a janela para que eu veja um céu de estrelas cheio e lua quase dia.
Chama por mim como se por ti eu chamasse em sonhos de amor.
Cantarei o Barco Negro nos teus braços e sei que jamais morrerás. Saberei que o dia acorda cheio de luar.
Seremos as águas do Sena, que em Paris fomos e amar-nos-emos num Verão qualquer em qualquer parte.
Anda. Vamos passear por este bulevar de mãos dadas, sem que a mais pequena palavra perturbe o teu doce e pequeno olhar tão grande.
Anda. Toma a minha mão pequena entre as tuas mãos tão macias e belas e sente comigo o dia que anoitece e que os vaga-lumes alumiam dançando danças primordiais. Ouve o suave remanso do rio que somos e a orquestra dos arraiolos que nos acompanha neste local tão ermo.
Quanta gente neste espaço agora. Cada um vai olhando o carreiro das formigas que já não alcançam e nenhuma delas leva carregos visíveis.
Vamos por entre esta multidão que não sonha e sonhemos nós por todos.
Anda, a noite acontece sem que o dia passe e nos meus olhos negros viaja o teu olhar verde de musgos no rio que corre.
Subamos àquele pequeno monte. Avistemos o que ninguém avista. Dá-me um beijo que ao de leve roce os meus lábios tristes e sorri.
Mara Cepeda
(Do que poderá vir a ser o livro "Inquietude")
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
História nº 9
A filosofia é uma ciência muito antiga que nasceu com a morte do mito. Só que o mito não morreu completamente, já que o ser humano vai mitificando conforme pode o que para ele é inexplicável.
Não é da ciência filosófica que vou falar. Falarei, sim, da filosofia de vida das pessoas que encontramos na rua todos os dias e que, ao passarem por nós sorriem e se metem connosco.
Vou, mais uma vez, à minha remota infância, às minhas três ou quatro primaveras, cheias de vida e saúde, alegria e amor.
Sempre gostei de observar e, como não era, propriamente, um rapazinho de ficar quieto, depois de muitas habilidades, algumas já aqui contadas, outras que ficarão por contar, estava proibido pela minha mãe de sair, de me afastar de casa. Então, como último recurso, sentava-me à entrada da porta, com os pés no passeio, a olhar quem passava, tentando comportar-me corretamente para que a minha mãe me deixasse ir brincar depois.
Acabei por me habituar a, logo a seguir ao almoço, vir para ali e, todos os dias, desde que não chovesse, lá ficava eu.
Como a vida é uma sucessão de fatos repetitivos, de segunda a sexta,alguns minutos antes das duas da tarde, passava por ali, vinda da Rua do Paço, uma senhora que trabalhava nos Correios e, como tal, para lá se dirigia. Chamava-se Georgina Fernandes e,invariavelmente, metia-se comigo tendo sempre alguma coisa para me dizer:
- Olá, meu lindo, que estás a fazer aqui tão sozinho?
- Como te chamas, meu lindo?
- Quantos anos tens?
- Que lindo menino e tão simpático!
- Que amor de rapaz e tão sossegadinho aqui está!
- A tua mãe onde está?
- Queres ir trabalhar comigo para os Correios?
Era um nunca mais acabar de perguntas, a que eu, segundo dizem, nunca respondia. Ficava amuado pelo facto de aquela senhora simpática, mas muito curiosa, estar sempre a meter-se comigo e não me deixar observar omovimento da rua.
Enquanto falava, ia-me fazendo festas e carinhos. Passava-me a mão pela cabeça, pela cara e sorria encantada com a minha cara sisuda e aborrecida.
Vinha a segunda e lá vinha a D. Georgina, com um sorriso muito simpático e alegre a provocar a minha sisudez. O mesmo na terça, na quarta, na quinta, na sexta, enfim, durante dias e dias, semanas e semanas e eu... paciência de santo.
Mas chega um dia, a paciência acaba e vai desta, o educadinho rapaz desata a chamar nomes à senhora simpática, com aquela linguagem mimada dos três ou quatro anos:
- Que chata é esta mulher! Velha, feia, deixe-me sua chata! (Isto para não escrever aqui outras palavras mais vernáculas que, segundo dizem, larguei em catadupa!).
A senhora que, mais ou menos, esperava esta reação, não teve mais que desatar a rir como perdida, até lhe doer o estômago e, seguiu para os Correios.
Mais tarde, tendo encontrado a minha mãe, lá lhe contou a peripécia, cheia de prazer e sem poder conter o riso que, teimava em aflorar sempre que pensava em mim, com aquele ar muito zangado e sisudo, pequenino como eu era, a olhar para ela com os meus olhos grandes que, por efeito do arregalar, ainda pareciam maiores.
A minha mãe, por sua vez, contou o episódio em casa, à hora do jantar, quando todos nos reuníamos, pois a hora da refeição era sagrada e, toda a gente a rir a bandeiras despregadas. Não achava graça nenhuma pois,mesmo não entendendo muito bem o que se passava, sabia que era de mim que se estavam a rir.
Esta pequena história que, ao fim e ao cabo, nada tem de extraordinária, foi passando de boca em boca e, ainda hoje, a minha mãe a recorda.
D. Georgina Fernandes era uma pessoa muito divertida que, procurava tirar sempre, o melhor partido das pequenas coisas da vida.
É pena que as pessoas estejam cada vez mais sérias e preocupadas com as coisas "importantes" e não saibam apreciar um momentosimples e caricato, onde a maldade não entra e a espontaneidade impera.
Isto tudo serve para dizer que a filosofia é muito mais do que o estudo dos filósofos e das suas ideias. Filosofia pode ser levar a vida com alegria, tentando tirar dela o melhor partido.
Filosofar pode ser, também, usar de psicologia e não dar importância àquilo que não tem importância nenhuma.
Filosofia pode ser, ainda, construir e alimentar utopias e sonhos e seguir vivendo, mesmo que a vida não seja fácil nem risonha.
O menino que eu era, mesmo não se lembrando conscientemente deste pequeno episódio,de tanto o ouvir contar, entendeu que o melhor da vida é sorrir e pensar sempre que amanhã vai fazer sol, mesmo que esteja um triste dia de chuva. Só assim valem a pena todos os sacrifícios e trabalhos por que temos de passar. Só assim o amor ganha a sua verdadeira dimensão; a amizade, o seu verdadeiro valor; as pequenas vitórias, o seu breve sabor...
É esta a lição que retiro da filosofia desta senhora e que ela tão bem aplicou pela vida fora.
Somos todos diferentes na imensa diversidade que algo ou alguém terá criado. No entanto e, porque não é fácil aceitar as diferenças, admiramo-nos das formas de vida que não sejam como a nossa e até dizemos que os chineses ou os indianos são meio esquisitos, meio estranhos...
Marcolino Cepeda
(Retirado do livro "Pontes - segredando segredos", publicado em 2001, edição do autor)
Não é da ciência filosófica que vou falar. Falarei, sim, da filosofia de vida das pessoas que encontramos na rua todos os dias e que, ao passarem por nós sorriem e se metem connosco.
Vou, mais uma vez, à minha remota infância, às minhas três ou quatro primaveras, cheias de vida e saúde, alegria e amor.
Sempre gostei de observar e, como não era, propriamente, um rapazinho de ficar quieto, depois de muitas habilidades, algumas já aqui contadas, outras que ficarão por contar, estava proibido pela minha mãe de sair, de me afastar de casa. Então, como último recurso, sentava-me à entrada da porta, com os pés no passeio, a olhar quem passava, tentando comportar-me corretamente para que a minha mãe me deixasse ir brincar depois.
Acabei por me habituar a, logo a seguir ao almoço, vir para ali e, todos os dias, desde que não chovesse, lá ficava eu.
Como a vida é uma sucessão de fatos repetitivos, de segunda a sexta,alguns minutos antes das duas da tarde, passava por ali, vinda da Rua do Paço, uma senhora que trabalhava nos Correios e, como tal, para lá se dirigia. Chamava-se Georgina Fernandes e,invariavelmente, metia-se comigo tendo sempre alguma coisa para me dizer:
- Olá, meu lindo, que estás a fazer aqui tão sozinho?
- Como te chamas, meu lindo?
- Quantos anos tens?
- Que lindo menino e tão simpático!
- Que amor de rapaz e tão sossegadinho aqui está!
- A tua mãe onde está?
- Queres ir trabalhar comigo para os Correios?
Era um nunca mais acabar de perguntas, a que eu, segundo dizem, nunca respondia. Ficava amuado pelo facto de aquela senhora simpática, mas muito curiosa, estar sempre a meter-se comigo e não me deixar observar omovimento da rua.
Enquanto falava, ia-me fazendo festas e carinhos. Passava-me a mão pela cabeça, pela cara e sorria encantada com a minha cara sisuda e aborrecida.
Vinha a segunda e lá vinha a D. Georgina, com um sorriso muito simpático e alegre a provocar a minha sisudez. O mesmo na terça, na quarta, na quinta, na sexta, enfim, durante dias e dias, semanas e semanas e eu... paciência de santo.
Mas chega um dia, a paciência acaba e vai desta, o educadinho rapaz desata a chamar nomes à senhora simpática, com aquela linguagem mimada dos três ou quatro anos:
- Que chata é esta mulher! Velha, feia, deixe-me sua chata! (Isto para não escrever aqui outras palavras mais vernáculas que, segundo dizem, larguei em catadupa!).
A senhora que, mais ou menos, esperava esta reação, não teve mais que desatar a rir como perdida, até lhe doer o estômago e, seguiu para os Correios.
Mais tarde, tendo encontrado a minha mãe, lá lhe contou a peripécia, cheia de prazer e sem poder conter o riso que, teimava em aflorar sempre que pensava em mim, com aquele ar muito zangado e sisudo, pequenino como eu era, a olhar para ela com os meus olhos grandes que, por efeito do arregalar, ainda pareciam maiores.
A minha mãe, por sua vez, contou o episódio em casa, à hora do jantar, quando todos nos reuníamos, pois a hora da refeição era sagrada e, toda a gente a rir a bandeiras despregadas. Não achava graça nenhuma pois,mesmo não entendendo muito bem o que se passava, sabia que era de mim que se estavam a rir.
Esta pequena história que, ao fim e ao cabo, nada tem de extraordinária, foi passando de boca em boca e, ainda hoje, a minha mãe a recorda.
D. Georgina Fernandes era uma pessoa muito divertida que, procurava tirar sempre, o melhor partido das pequenas coisas da vida.
É pena que as pessoas estejam cada vez mais sérias e preocupadas com as coisas "importantes" e não saibam apreciar um momentosimples e caricato, onde a maldade não entra e a espontaneidade impera.
Isto tudo serve para dizer que a filosofia é muito mais do que o estudo dos filósofos e das suas ideias. Filosofia pode ser levar a vida com alegria, tentando tirar dela o melhor partido.
Filosofar pode ser, também, usar de psicologia e não dar importância àquilo que não tem importância nenhuma.
Filosofia pode ser, ainda, construir e alimentar utopias e sonhos e seguir vivendo, mesmo que a vida não seja fácil nem risonha.
O menino que eu era, mesmo não se lembrando conscientemente deste pequeno episódio,de tanto o ouvir contar, entendeu que o melhor da vida é sorrir e pensar sempre que amanhã vai fazer sol, mesmo que esteja um triste dia de chuva. Só assim valem a pena todos os sacrifícios e trabalhos por que temos de passar. Só assim o amor ganha a sua verdadeira dimensão; a amizade, o seu verdadeiro valor; as pequenas vitórias, o seu breve sabor...
É esta a lição que retiro da filosofia desta senhora e que ela tão bem aplicou pela vida fora.
Somos todos diferentes na imensa diversidade que algo ou alguém terá criado. No entanto e, porque não é fácil aceitar as diferenças, admiramo-nos das formas de vida que não sejam como a nossa e até dizemos que os chineses ou os indianos são meio esquisitos, meio estranhos...
Marcolino Cepeda
(Retirado do livro "Pontes - segredando segredos", publicado em 2001, edição do autor)
terça-feira, 4 de outubro de 2011
domingo, 2 de outubro de 2011
Aqui está a 12ª entrevista - Dr. Arnaldo João Rodrigues
Chegámos à 12ª entrevista no dia em que toma posse e é consagrado, como o novo Bispo de Bragança-Miranda, D. José Cordeiro, natural do Nordeste transmontano, o mais jovem bispo de Portugal. Estamos perante um momento histórico.
O Dr. Arnaldo é natural de Vinhais, portanto meu conterrâneo. Nasceu em Tuizelo, lá para os anos de 1935 ou 1936 já que não nos quis desvendar o mistério.
Foi, sempre, um homem bom, no entanto, quando se zangava era melhor afastarmo-nos um bocadinho...
Queremos que seja uma singela homenagem que aqui lhe deixamos por tudo aquilo que fez pelas nossas famílias e por nós. Julgo que o facto de o Marcolino ainda estar entre nós se deve, em parte, a este homem.
Obrigada Senhor Doutor
Mara Cepeda
O Dr. Arnaldo é natural de Vinhais, portanto meu conterrâneo. Nasceu em Tuizelo, lá para os anos de 1935 ou 1936 já que não nos quis desvendar o mistério.
Foi, sempre, um homem bom, no entanto, quando se zangava era melhor afastarmo-nos um bocadinho...
Queremos que seja uma singela homenagem que aqui lhe deixamos por tudo aquilo que fez pelas nossas famílias e por nós. Julgo que o facto de o Marcolino ainda estar entre nós se deve, em parte, a este homem.
Obrigada Senhor Doutor
Mara Cepeda
sábado, 1 de outubro de 2011
Tormenta
A tormenta que invade a minha alma é tremenda
Desenvolve-se em mim um tsunami violento e cruel
Com o objectivo de apenas revoltar aquilo que penso ser
Nem sei se sofro
Estou para além do puro sofrimento
Vivo um sentimento novo
Único
Impossível de controlar por almas tão ténues como a minha
Vislumbro um titubeante andar de menina que só agora andou
Sou virgem ingénua aniquilada por este sofrimento que não domino
Sou pura e mulher
Expulsa do paraíso
Traída
Enganada
Feita Homem
A tormenta insiste em ser.
Mara
Entrevista com Jorge Morais - Professor da ESE de Bragança
Vamos chamar a esta entrevista “À procura da Fotografia”. Nasceu em Samões, concelho de Vila Flor. Como foi a sua infância?
Foi uma infância assim um bocado mexida, um bocado de ambulante. Nasci em Samões, Concelho de Vila Flor de facto e, posteriormente, fui parar com os meus pais, que eram pessoas simples, para as barragens de Bemposta e depois Picote que ofereciam, talvez, uma via económica e de trabalho aceitável para a altura, e que era uma alternativa ao trabalho do campo. A região era bastante pobre, havia limitações e lá fui atrás dos meus pais com a trouxa às costas, muito pequeno. Essas experiências foram interessantes porque de certa maneira me abriram horizontes de luz nomeadamente a partir do contacto com novas paisagens… Samões é ali perto do Vale da Vilariça, junto a Vila Flor, e muito diferente de Miranda, da Meseta Ibérica, chamemos-lhe assim, com planuras diferentes das montanhas e na verdade foram experiências interessantes ir de um lado para o outro e posteriormente para Bragança, quando acabei a quarta classe em Samões que, era o destino daqueles que tinham a sorte de poderem continuar os seus estudos para além da primária, como era então designada e muita gente vinha das vilas de todo o distrito para Bragança… então, aos dez anos, também vim para aqui, a minha infância foi uma infância, sei lá… essa qualidade de andar de um lado para o outro também me deu uma vontade, uma curiosidade, creio que ainda persiste, de olhar para as coisas, de olhar para o mundo, para aquilo que me rodeia, para as populações etc., etc.
Estudou em Bragança, como já o referiu, na actual escola secundária Emídio Garcia. Que recordações guarda desses tempos?
Certamente, recordações de carinho, sendo que a juventude se classifica sempre como uma etapa muito importante no crescimento de uma pessoa e realmente eu passei a partir dos dez, onze anos… realmente passei todo o tempo no liceu embora começando nas antigas instalações ainda ao pé da Policia, na chamada “Secção”, foi aí o meu primeiro ano (actual 5º ano de escolaridade). Com essa tenra idade tinha que fazer um percurso enorme, ia do Loreto onde habitava com a minha mãe (estava, naquela altura, só com a minha mãe), ia e vinha lá acima quase junto a São Sebastião para ter aulas logo de manhã e regressava para almoçar e voltando à tarde, etc. e depois, claro, mudaram-nos para o actual, recém inaugurado, Centro Cultural Adriano Moreira, ali na praceta Camões, onde, depois de passado um ano ou dois, continuei os estudos e, posteriormente, tive a sorte também de inaugurar, digamos assim, de frequentar o denominado Liceu (a actual escola Emídio Garcia), justamente no ano em que abriu, em 1968 sendo que, pelo meio, certamente, aconteceram coisas interessantes… cito por exemplo, um facto curioso, especialmente para os jovens de hoje, por estranheza, que foi justamente o facto de, com a ida para o Liceu, lá em cima na Boavista, ter passado a haver turmas mistas, isto é, passarem a conviver rapazes e raparigas e isso para um jovem de quinze, dezasseis anos era uma alegria… era muito bom e entusiasmante, mesmo que às vezes os estudos andassem um bocado perturbados.
Havia naquela altura, em Bragança, uma grande consciência política no meio estudantil, ou nem por isso?
Havia, sobretudo a partir de 1970… havia juventude que tinha, talvez por não haver tantas distracções… a televisão não tinha o peso tutelado, o peso monopolizador que hoje tem e os jovens, as pessoas, interagiam mais, particularmente os jovens que conseguiam escapar e defraudar a vigilância que nesse tempo se fazia, nomeadamente, nas reuniões aos grupos de pessoas como é sabido: a história da PIDE, não deixava assim “ajuntamentos” de pessoas confraternizarem, conviverem, discutirem, mas para os jovens havia sempre maneira de trocarem opiniões e de facto isso aconteceu a partir de 1970. Talvez devido à conjuntura ou então por coincidências várias, havia jovens que se revelaram, em Bragança, pessoas de valor, jovens que na altura discutiam entre si, comungavam ideais de ordem política, falavam da existência, falavam de muitas coisas que devem ser consideradas também hoje e presentes às pessoas, ao homem, ao género humano… possivelmente alguns valores se perderam. Nessa altura, curiosamente, os jovens encarnavam esse sentido confiante e aguerrido e então havia discussão, havia troca de opiniões, havia escrita, havia arte, poesia, havia uma série de actividades.
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