sábado, 31 de maio de 2025

Agradecimento



Jorge Morais, amigo de longa data, presente na minha vida desde crianças. 
Sempre pronto para ajudar. Companheiro das patuscadas que íamos fazendo de vez em quando, juntamente com o Teófilo, o Ernesto, o Jacob, o Vitor Alves e outros.  
Sempre simpático, sereno, trabalhador, excelente pintor, excelente fotógrafo.
Tirou, ao longo da sua vida, milhares e milhares de fotografias.
Fotografou o meu casamento e agora este evento comemorativo dos meus 70 anos.

Muito obrigado Jorge.


Marcolino Cepeda


quarta-feira, 14 de maio de 2025

Meu 70º aniversário o "Discurso"

 

José Rufino Cepeda e Emília Raquel Teixeira nasceram em plena 1ª Guerra Mundial. Tiveram oito filhos, três dos quais faleceram enquanto bebés. Os restantes sobreviveram e floresceram.

O mais velho é o Amílcar. Seguiu-se o José Emílio, o António José, mais conhecido como “Tojé”, a Maria Jacinta e, finalmente, eu, corria a década de 50 do século XX, com todas as voltas e contravoltas que lhe estavam destinadas.

Os meus pais depois de muitas noites mal dormidas a pensar no futuro dos filhos, decidiram que não podiam condená-los a uma vida de muito trabalho e de pouco dinheiro. A questão era como iria um agricultor, dos melhores, transformar-se num vendedor de peixe?

A resposta a esta pergunta, não a tinham. Estava nas mãos de Deus. Sabiam apenas que queriam um futuro melhor para os quatro filhos, que em breve seriam cinco.

O mês de fevereiro de 1955 trouxe a minha família para um mundo completamente novo. Os meus pais tomaram posse de uma banca de peixe na Praça do Mercado, que pertencera até então, aos tios Emídio e Constança, irmã da minha mãe, que estavam prestes a embarcar para o Brasil, mais precisamente, São Paulo.

O meu pai sempre fora agricultor. Quem o conhecia, enaltecia as suas qualidades de trabalhador incansável e dedicado. Para além dessas qualidades, reconheciam-lhe um sentido de humor inigualável.

Conta-se que certo dia, o meu pai e o seu sobrinho Gil decidiram fazer duas belas carradas de lenha para acautelar os frios do inverno. Cada um com o seu carro de bois tinha de passar numa rua onde mal cabiam em fila indiana. Azar dos azares, por mais cuidado que tivessem, o carrego era tão alto que levou uma fiada de telhas de uma das casas da rua.

Em alvoroço, lá veio a dona da casa a gritar e a queixar-se de que lhe tinham partido as telhas e que alguém teria de as pagar e correu a perguntar, primeiro ao meu pai e em seguida ao Gil, quem é que tinha feito aquilo:

- Ò que desgraça! Estes malandros, já é a segunda vez que me fazem isto! Quem foi tio Zezinho, que me partiu as telhas?

- Ò ti Maria, eu não sei de nada! Pergunte ao meu sobrinho.

- Ò menino Gil, foi o seu tio não foi?

- Ò ti Maria, eu não vi nada! Estava a olhar para a lenha para que não caísse. Pergunte ao meu tio.

E assim, a culpa morreu solteira. Segundo ouvi dizer, foram poucas as telhas que caíram, três ou quatro.

Contava a minha mãe que, certo dia, preparou a merenda para o meu pai que pretendia demorar-se no campo o dia inteiro e como sempre, contava com a companhia do Piloto, o cão da família. O trabalho era muito e era necessário fazê-lo. Chegada a hora do almoço o meu pai lembrou-se que tinha deixado o farnel na primeira terra onde tinha andado e voltou para o ir buscar, sempre acompanhado pelo fiel amigo.

Lá chegado, olhou para todo o lado e não conseguia encontrar o saco da comida. Ouviu um latido do cão e viu-o sentado junto de alguma terra revolvida. Pareceu-lhe ver o cordão do saco de linho. Para lá se dirigiu, ao mesmo tempo que ouviu um novo latido do Piloto. Sentou-se, puxou pelo baraço e lá veio o saco com a merenda. O cão começou a ladrar e a saltitar à volta do dono que não conseguia acreditar no que tinha visto. O primeiro bocado foi para o Piloto que bem o mereceu. Comeram os dois. Ao chegar a casa, o meu pai contou à minha mãe o que se tinha passado. Parece impossível…      

A minha mãe cuidava de nós. Convém dizer que ela e o meu pai se davam muito bem. Segundo me contaram, o meu pai, fosse no inverno ou no verão, na primavera ou no outono, nunca saía para o campo sem deixar o lume aceso e as batatas descascadas para a minha mãe.

Dividiam tarefas. Foi ela que tratou da compra da banca de peixe com os meus tios. Venderam o que tinham na aldeia e certo dia, meteu-se na carreira para Bragança a fim de acertar as contas, alugar uma casa e combinar o tempo necessário para aprender o ofício. De peixe, nada sabiam.

A mãe, no regresso, veio de comboio até à estação ferroviária de Castelãos, onde o Amílcar e o Zé Emílio estariam à sua espera com a égua. Ao chegarem à estação, o comboio apitou. A égua assustou-se, saiu a correr e eles atrás dela e não havia maneira de a alcançarem até que um senhor, que de tudo se tinha apercebido, lhe pôs a mão e, depois de a acalmar, lhes entregou o animal. A nossa mãe, depois de muito agradecer ao bom samaritano, lá foi a cavalo na égua até Gebelim.

Chegou o dia da mudança para Bragança. Foi no dia 13 de fevereiro de 1955. Segundo o Tojé, era noite escura e chovia que Deus a dava. Vínhamos duas famílias na carrinha do tio Emídio. O motorista, a minha mãe grávida de mim e a tia Constança, vinham no habitáculo. O meu pai, o tio Emídio, os três filhos dos meus tios e os meus quatro irmãos vinham na carroçaria tapados com uma lona o que não impediu que ficassem completamente encharcados. Para trás, deixaram toda uma vida e, também, o Piloto que chorou a noite toda por nós.         

Nasci em Bragança, na rua Almirante Reis, no dia 8 de maio de 1955. Dizem que nasci muito pequeno e magro e que foi um bocado difícil aguentar-me por cá nos primeiros meses da minha existência terrena. Tanto assim foi que o meu irmão Tojé chama-me “Escapou” duas vezes.

Fui o menino que seguiu, completamente despido e descalço, atrás da Banda Filarmónica dos Bombeiros Voluntários de Bragança até à Capela do São Bartolomeu.

Fui o menino que quando teve sarampo exigiu um guarda-chuva aberto pendurado no teto do quarto.

Fui o menino que quando ia com o Zé Emílio até à estação do comboio, lhe matava o bicho do ouvido com todas as perguntas que fazia.

Fui o apanha-bolas nos jogos de ténis de mesa quando a bola corria para debaixo da cama e nenhum dos meus irmãos a conseguia tirar.

Fui o menino que o Amílcar angariou com 25 tostões para torcer pelo Futebol Clube do Porto…   

Tinha eu dez anos quando mudamos para uma casa um bocadinho maior. Os meus irmãos foram saindo de casa. O Amílcar para estudar e trabalhar; o Zé Emílio para cuidar da sua saúde e mais tarde estudar; o Tojé para jogar futebol e depois para a guerra do Ultramar. Recordo-me, como se fosse agora, que acompanhámos o Tojé à estação. Nunca tinha visto o meu pai chorar até àquele dia. Foi realmente um dia muito triste. Felizmente, passado o tempo regulamentar, o Tojé voltou, são e salvo. A Maria Jacinta saiu para estudar; eu fui o último a sair.  

As histórias de cada um escreveram-se e escrevem-se nas linhas do infindável livro do universo. Algumas gravitam ao nosso redor para não serem esquecidas. Outras são mais discretas, mais serenas.

E é aqui que me compete fazer alguns agradecimentos especiais. Aos meus pais que Deus tenha, agradeço a vida. À minha mãe em particular, as lágrimas que derramou por mim.

À Adeliza, à D. Filomena e ao Amílcar nunca poderei agradecer o suficiente pelo que fizeram por mim e pela minha mulher. Foram, juntamente com o Luís e o Zé Manuel, o nosso esteio, o nosso porto seguro no meio da tempestade que se abateu sobre nós.

Com o Zé Emílio aprendi a coragem de resistir. Ao Tojé, à Piedade, ao Jorge e à Márcia, ao Pedro e à Ana, agradeço a vontade imensa de viver e a prontidão da ajuda certa.

À Maria Jacinta e ao Santos, agradecemos o aconchego e os miminhos; à Raquel, uma força da natureza, uma super mãe, agradecemos a linda Inês; ao Rui agradecemos a Daniela, mãe do Afonso e do Dinis que são os descobridores do sótão dos avós e a alegria da casa.

Aos meus sogros, José e Natália agradeço o maior presente que me podiam dar: a minha mulher.

Aos meus cunhados, David e Sandra com os seus dois lindos milagres, Mariana e Catarina, agradeço a certeza de conseguir; à Mariana agradeço a calma e a doçura; à Catarina agradeço a força e a atitude; à Maria Antónia, mãe da Sandra, agradeço o cuidado e o carinho com que me trata.

Aos meus cunhados Elizabete e Galbas, agradeço o Guilherme, que está sempre disponível para nos ajudar e a minha linda afilhada Natália, que sai ao padrinho no que à música diz respeito. Felizmente, ainda não saiu em pelotas atrás da banda.

Aos meus cunhados Eduardo e Helen agradeço a paciência de nos aturarem e a linda Carolina, a menina mais doce do mundo.

À Irene e ao Pedro Fernandes agradeço a delicadeza, o cuidado e o carinho com que me tratam.

À Isaura Videira agradeço a disponibilidade, a certeza de poder contar contigo e as gargalhadas que damos juntos com as nossas maluqueiras.

Ao Eduardo Videira, agradeço a presença, a boa disposição e a certeza de poder contar consigo, assim como com a Elisabete e o Pedro, pais do Gabriel, do David e da Adriana, seus maravilhosos e inteligentes netos. Também ao Sérgio e à Rita, pais da Ana Raquel e do José Eduardo, agradeço por poder contar convosco sempre e poder usufruir de toda a alegria que os teus filhos demonstram.    

Agradeço aos meus queridos primos Olímpio, Nelly, Laida, Joana, Gina, Telmo, Vicente, Isabel, Rui, Emília, Manuel, David o favor de estardes aqui para comemorar comigo os meus 70 anos de vida. Muito obrigado. Não fazeis ideia da alegria que sinto.

Agradeço aos meus amigos a paciência com que me aturaram ao longo destas décadas, com quem sempre pude contar. Obrigado por estarem aqui. Tenho muita pena de não poder contar com o Teófilo que nos deixou tão precocemente.

Há pessoas, que ao longo da nossa vida, nos marcam indelevelmente e que eu não posso deixar de referir. O Dr. Arnaldo Rodrigues, Dr. Horácio Correia, Dr. José Guilherme Monteiro, Dr. Rui Fernandes, médicos.

         O Padre Sampaio, diretor do “Mensageiro de Bragança” durante a minha juventude que, por minha causa não cumpriu uma ordem direta do Senhor Bispo: “Este garoto não escreve nem mais uma linha para o jornal.” e me aconselhou a escrever com pseudónimos, José Valverde e Bernardo Faria; o Dr. Eduardo Carvalho que me ensinou a ser jornalista e escritor; o Engenheiro José Luís Pinheiro que era uma pessoa excecional. Foi Presidente da Câmara Municipal de Bragança durante três mandatos e foi com ele que aprendi a ser político. Vou contar um pequeno episódio. Depois do AVC e de ter tido alta hospitalar, mal falava e mal andava. Entrámos, eu e a minha mulher que me amparava, para o hall da câmara pela entrada principal e, ao mesmo tempo, ele entrava por uma lateral. Colocou um pé no primeiro degrau e virou a cabeça para nós. Reconheceu-nos, caminhou até mim, abraçou-me e começámos os dois a chorar. Não posso esquecer que ele era um militar de carreira.

         Resta-me falar da pessoa que me acompanha há 36 anos, quase 37. Começámos a namorar numa noite de Ópera, no teatro da Torralta, no dia 3 de Abril de 1987. Nesse dia nevara. Os flocos que foram caindo encheram a noite de poesia. Levei-a a casa e ficamos durante algum tempo a conversar. Namorámos um ano e três meses. Ao fim desse tempo, casámos. Ela é o meu rochedo, o meu abraço, a minha estrela guia.

Cumpre-me dizer que a vida não foi condescendente comigo. Pregou-me muitas partidas difíceis de lidar. Conheci um mundo para o qual não estava preparado. Senti-me sempre cercado de amor incondicional. Perdi a esperança, tantas e tantas vezes, principalmente quando via escapar a luz dos meus olhos, literalmente. Lutei contra todos os percalços que tive de suplantar e nunca estive sozinho. Tive sempre uma mão a segurar a minha, uma palavra de conforto, uma ténue luz de esperança a acompanhar-me. Nunca me deixaram desistir. Sou o que sou por ter a felicidade de vos ter aqui comigo. Muito obrigado.

Marcolino Cepeda


70º aniversário do Marcolino

 








Estas  três fotografias ilustram a passagem do tempo e diferentes momentos da nossa vida. Estamos a celebrar a vida e a vontade de viver. 

Maria Cepeda

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Jorge Morais - Tempos que já lá vão...

Antigo mercado municipal

Um misto de oferta, convívio e festa de produtos, cores e sons no centro da cidade.

 

Alicerces de edifício porticado, do período romano


            Quem diria que, por debaixo de um tradicional mercado no centro de Bragança, havia os alicerces de uma construção bem lançada arquitetonicamente e de consideráveis dimensões e de eminente traça romana. 

            Ali junto ao muro poente do mercado e virados para a atual biblioteca municipal, antigo ciclo preparatório, alicerces que estiveram pouco tempo a descoberto aquando das intervenções Polis. 

            Um dia com a minha Nikon Fm2, consegui captá-las antes de serem soterradas ou destruídas para construir o atual parque de estacionamento.


Fotos e textos de Jorge Morais

Há, na vida de todas as pessoas...


    Há, na vida de todas as pessoas, uma fase interessante, conturbada, sofrida. Um dia pode ser o mais lindo de todos os tempos e, ao mesmo tempo uma angústia sem fim à vista. Podemos amar tudo e todos e no momento seguinte, votá-los a uma indiferença atroz.
    Há dias que não passam nunca e dias que acabam mal começam. O amor acontece e é violento, redemoinho de emoções desencontradas, medo de não saber... mas também, há dias e noites serenos.
    Serenos, mas não perfeitos; calmos, mas não amenos. As noites são mais propensas a estes estados de alma que tanto nos afetam. Na minha adolescência, em certas noites, encaminhava-me para a Capela de Santo António e, sentado nos degraus que a circundam, olhava para as estrelas e sonhava.
    Sonhava tentando decifrar os enigmas de que são e somos feitos. Todos os porquês da minha infância bailavam estrepitosamente na minha cabeça e eu tentava colocar um pouco de ordem no salão de baile.
    Só que estes porquês, agora mais e mais transcendentes, faziam com que as respostas não fossem tão simples e lineares como a maioria das que são feitas na primeira infância. Para a maioria delas, não achava resposta que me satisfizesse e, então, quase me apoquentava.
    A noite era estrelada, destes milhares de estrelas que tão nitidamente vemos no nosso céu de Trás-os-Montes, e que na escuridão, quase parece azul... E, então a Lua, uma enorme esfera, Lua cheia, aquela que os lobos e os cães celebram com os seus uivos agourentos que, dizem os velhos, anunciam desgraças.
    Outro mistério, dos muitos insondáveis mistérios para os quais eu não tinha nem tenho respostas. Sei apenas o que vejo; não sei quem ou o quê os colocou lá. Sinto apenas uma aragem fina, diáfana como a vida de todo o ser humano em comparação com a vida do universo ou com a vida do planeta a que chamamos nosso.
    E agora? Sonharei com ela? Não. Sonharei com o princípio de todos os tempos. O que não sei, é quem foi que puxou os cordões para que tudo acontecesse. O porquê das estrelas todas que a olho nu vejo e as que, estando tão distantes, não posso ver.
    Quando o homem chegou à Lua com a Apolo 11, em 1969, preguei os olhos no televisor e não despeguei um instante. Acompanhei a par e passo, tudo aquilo que estava à nossa disposição e o grande fascínio que senti por aqueles homens é comparável ao que sinto pelos nossos Descobrimentos. 
    O que o universo me transmite, em todas as noites de céu estrelado, quase azul, com a Lua a brilhar nas noites de Bragança, em campo aberto, o que aprendi nas noites serenas da minha adolescência, não consigo explicar. Sinto-o profundamente.
    Sei que o Universo é o conjunto de tudo o que existe; o conjunto formado pelo espaço com todos os astros; é o mundo; é a universalidade dos homens. Mas o que será, efetivamente, o Universo? Como se terá ele formado? Há quanto tempo existirá eo que o terá levado a seguir o rumo que seguiu? Por quanto tempo mais existirá?
    É, no conjunto de todos os astros, que encontramos o Sol, a estrela que é o centro do nosso sistema planetário, uma estrela de quinta grandeza que, por acaso ou não, se encontra na nossa Via Lactea.        

Marcolino Cepeda

terça-feira, 22 de abril de 2025

Foto pessoal


Desta vez sois vós os protagonistas da foto. Foi há uns anos quando se organizou um encontro de velhos amigos no restaurante Académico.

Saúde e até um dia destes

Jorge Morais


P. S.: Quando o artista é bom, as fotos fazem-nos mais bonitos.

Eram tempos felizes e amigos verdadeiros. 

Obrigado Jorge


quinta-feira, 27 de março de 2025

Transparência


O sol, serenamente, aquece horas vãs
que insistentemente presenteiam as manhãs
que não são minhas nem tuas...
não são de ninguém
 
De mãos dadas, caminho, talvez, mais um dia
fecho os olhos como se fosse dormir...
Espero. Não sei o que devo esperar
se a infinitude do tempo
se uma hora de magia...

E a água, lampeira, galga pequenos remansos
do pequeno rio que corre apressado
coberto de diamantes,
 lapidados pelas fadas das fontes

Onde ficam as minas das almas risonhas,
que querem ser colares de gotas transparentes?

 Se a transparência existe
porque é que insiste, este meu coração,
continuar triste, quando eu digo que não?

Fotografia e texto: Maria Cepeda

quarta-feira, 12 de março de 2025

Continuação da entrevista realizada ao Dr. Fernando Calado


          (F.C.): Eu disse-lhe, por favor, tenho sete anos de música no seminário, mal será que eu não saiba ensinar uma nota. “Queres vir para Bragança?” No dia seguinte estava em Bragança a leccionar Música. Entretanto, na Escola do Magistério, faltava um professor. Não arranjavam um professor de Movimento e Drama. Ninguém sabia muito bem o que era isso.

(M.C.): Acho que aí está o teatro, não é? (Risos)

(F.C.): O teatro de Milhão, mais o curso de teatro que eu tinha feito com a Seiva Trupe no Porto.

(M.C.): Ah! A vida é cheia de coincidências. Estava tudo preparado para calcorrear o caminho. Maravilha! 

(F. C.): Encontro o diretor do Magistério Primário e dou-lhe a informação sobre a minha ligação ao teatro. Ele diz-me que também tenho que pedir ao Padre Marcelino para ir para o Magistério. Deixo o ciclo, onde dei três ou quatro horas e fui para o Magistério. Então, essa é a minha vida profissional com o curso de movimento e drama no Magistério. Entretanto, comecei no ensino oficial. Corri meio mundo. Um professor no ensino... O ensino no ciclo preparatório, no ensino secundário. No Penedono, Macedo de Cavaleiros, Valpaços, Chaves. Meio mundo. 

(M.C.): É o que acontece aos professores, não é?

(F.C.): O que aconteceu é que eu estava na escola secundária Abade de Baçal que se chamava Escola Secundária da Sé e no ano seguinte abriu o estágio. Comecei a trabalhar no estágio que se chamava Formação em Exercício. Ao cabo de dois anos, tinha o estágio feito. Pedi uma vaga para professor e disse ao diretor que se eu fosse para a Escola Secundária da Sé, agora Abade de Baçal, que eu iria abraçar a profissão de professor, como professor efetivo.

(M.C.): E na sua área?

(F.C.): E na minha área eu seria o mestre. Andei lá vários anos até que fui convidado a exercer o cargo de Delegado dos Assuntos Consulares.

(M.C.): E o que é que faz um Delegado dos Assuntos Consulares?

(F.C:): Sobretudo acompanhava as questões da imigração. Os imigrantes, ao invés de tratarem determinados assuntos nos consulados da Europa ou nas embaixadas, podiam tratar aqui em Bragança na Delegação dos Assuntos Consulares. 

(M.C.): Podiam fazer o mesmo agora… 

(F.C.): Exatamente. E portanto, sobretudo no verão fazíamos uma ação interessantíssima com algum regionalismo (24:05) na fronteira de Quintanilha. Comprávamos uma vitela e estávamos lá oito dias recebendo os imigrantes, fazendo publicidade, dando cartazes, dando informações e oferecendo a carne assada. (24:24) 

(M.C.): Eu recordo-me disso. Falavam sempre na rádio e na televisão. Foi uma ação extremamente interessante porque os imigrantes sentiam-se acarinhados, não é?

(F.C.): Era uma organização pequeníssima. Só era eu como Delegado e uma secretária que funcionava na Almirante Reis. Mas foi importante porque era um espaço onde os imigrantes podiam tratar, não de todos os assuntos, mas de determinados assuntos. Entretanto, a Dr.ª Olema que era a Coordenadora do Centro da Área Educativa de Bragança (CAE) aposentou-se e convidou-me para aceitar o lugar. Aceitei e estive cinco anos no CAE como Coordenador. A partir daí voltei ao ensino e fui para a Escola do Magistério onde estive quatro ou cinco anos como professor de pedagogia. Fui para o Instituto Piaget também a lecionar durante alguns anos. Acabei por regressar à escola Abade de Baçal até que me propuseram ir para o Centro de Formação Profissional (CFP) organizar o serviço. Dar alguma ajuda e eu aceitei. Só que em vez de ter sido meio ano, foram oito anos como diretor de uma empresa.

Entretanto, cheguei à fase, em que, pela idade,  me podia aposentar. Regressei à escola secundária Abade de Baçal onde me aposentei e terminei a minha vida académica.

Portanto, além da atividade como docente e em várias rádios, também dirigi uma revista que o Marcolino tão bem conheceu e onde tanto trabalhou, Os “Amigos de Bragança”, onde colaborei assiduamente no “Mensageiro de Bragança” com artigos de opinião, enfim… Tive uma boa vida no concelho da Bragança. Enfim, foi uma vida bastante preenchida, muito rica. 

(M.C.): Sem dúvida uma vida muito interessante. Os seus dias deviam ter mais horas do que os nossos. Foi uma vida bastante intensa. Publicou com assiduidade artigos de opinião e textos literários em vários jornais e revistas. Participou em programas de rádio, realizou diversas palestras, conferências, ações de formação e foi ainda diretor e proprietário da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”. Fale-nos dessa experiência…

(F.C.): De facto, a minha vida literária começou, efetivamente, no “Mensageiro de Bragança”. Na faculdade, publiquei um livrinho pequenino, de poesia “Bragança” que me trouxe alguns dissabores… fui considerado revolucionário para a altura. A doutrina social da igreja, que, efetivamente, na altura, tinha alguma dinâmica que depois chamaríamos… censura(?)Depois disso, colaborei com assiduidade no “Mensageiro de Bragança”, e, mais tarde, fiz os “Amigos de Bragança” que teve uma história interessantíssima e que se perdeu. 

CONTINUA...

domingo, 9 de março de 2025

Continuação da entrevista realizada ao Doutor Fernando Calado

(F.C.): Vinte contos era uma fortuna!

(M.C.): Uma fortuna!

(F.C.): Nós ficámos com o cheque, mas ninguém acreditou que aquilo tivesse algum valor. Só quando vimos o dinheiro na mão é que acreditámos. Portanto, foi, de facto, a raridade. Portanto, em Trás-os-Montes não havia tantos grupos de teatro assim, o que significava que era uma raridade. E, portanto, foi um património importante na aldeia. Ainda hoje, os mais idosos falam no teatro e na saudade que têm desse tempo do teatro.

Hoje, com o progresso que temos, com as possibilidades que há, não seria possível manter um grupo de teatro em vez de uma cadeia? Na altura era uma pequena fortuna. Mas é pena que não haja quem pegue outra vez na ideia. Aliás, há um organismo que capitulou e teve uma importância enorme na divulgação do teatro e da cultura em Trás-os-Montes, que foi o FAOJ (Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis). E o FAOJ foi, de facto, um organismo que criou muitos grupos de teatro, muitos grupos folclóricos, muitos grupos de leitura, mas não só. Hoje, praticamente, a dimensão cultural, a divulgação cultural é inexistente nas nossas aldeias.

O que é que existe? Uma casa do povo, com um bar, com umas festanças, com umas jantaradas, com um pouco mais do que isso. 

(M.C.): Faz-se a festa dos santos que são os oragos e mais nada.  

(F.C.): O aspecto cultural, praticamente, é inexistente.

(M.C.): O que é uma pena. Era bom que alguém lhe pegasse novamente.

(F.C.): Que lhe incutisse uma dimensão cultural, uma política de dimensão cultural… Não há. É uma pena. 

(M.C.): Continuando. Enveredou pela Filosofia, como já disse. O que o levou a seguir esse caminho, veio do Seminário? 

(F.C.): Sim, sim. Aliás, o seminário tinha três secções. Quando se entrava para o seminário, fazia-se o curso de humanidades. No sexto ano passava-se para a secção de filosofia. Portanto, sexto, sétimo, filosofia. Depois, oitavo, nono, décimo segundo, filosofia. Portanto, embora a filosofia que se ensinava nos seminários, embora fosse uma filosofia tomista, ou seja, a filosofia de São Tomás de Aquino, na tradição aristotélica, mas era levada muito a sério. E não há dúvida nenhuma que, embora a filosofia fosse inspirada na filosofia grega, mas dava muita bagagem em termos de formação filosófica. E, portanto, para mim, era mais do que natural tendo eu o sétimo ano do seminário, que a saída natural seria ir para a Faculdade de Filosofia de Braga, onde fiz o primeiro ano. Com a bagagem que eu levava do seminário, consegui fazer num ano, em Braga, dez cadeiras. O que significa que no segundo ano pedi transferência para o Porto e a grande maioria das cadeiras da Faculdade de Filosofia do Porto já as tinha feitas, o que significa que depois passei mais quatro anos no Porto e vim fazendo umas cadeiras ou seminários, etc.

Mas a minha formação verdadeira foi o Seminário e a Faculdade Filosofia de Braga dos Jesuítas, que é onde se aprende Filosofia.

(M.C.): Também os jesuítas. Ora, muito nos ensinou já. Permita-me que passe à próxima pergunta. A sua vida profissional está profundamente ligada ao ensino e à coordenação de órgãos diretivos relacionados com a sua formação académica, mas não só. Fale-nos do seu riquíssimo percurso. 

(F.C.): Eu terminei o curso na Faculdade de Filosofia do Porto. Entretanto, interrompi para ir fazer o Serviço Militar e quando saí do Serviço Militar, ainda me faltava uma cadeira ou duas para ter a licenciatura. Já tinha o bacharelado. Portanto, fui terminar a licenciatura e foi curioso como comecei a minha vida profissional. Estava no Porto a terminar o curso e apareceu lá o Padre Marcelino, o Diretor do Ciclo Preparatório que não era capaz de arranjar um professor de música.


CONTINUA

quinta-feira, 6 de março de 2025

Dr. Jorge Ferreira lança dia 13 de março mais um livro...

 Jorge José Alves Ferreira nasceu em 18 de janeiro de 1959, na aldeia de Dorna, na freguesia de Póvoa de Agrações, concelho de Chaves. 



quarta-feira, 5 de março de 2025

O PÃO BRAGANÇANO (DEIXAR O PÃO FALAR)Texto e fotografias retirados de: www.cm-braganca.pt

O Auditório Paulo Quintela foi palco, esta manhã (2025/03/03), da Conferência “Pão Bragançano - Deixar o Pão Falar”, uma iniciativa que reuniu especialistas, padeiros e chefs para debater o presente e o futuro da panificação em Portugal.

Integrado no Festival do Butelo e das Casulas & Carnaval dos Caretos, o debate destacou o papel essencial do pão na cultura e identidade nacional, com particular destaque para a tradição do pão transmontano.

A sessão de abertura contou com a intervenção de Miguel Abrunhosa, Vereador da Câmara Municipal de Bragança. Seguiu-se uma entrevista conduzida por Paulo Amado a Elisabete Ferreira, recentemente distinguida como “Melhor Padeira do Mundo”, pela União Internacional de Panificação e Pastelaria, e galardoada com a Medalha Municipal de Mérito, pelo Município de Bragança. Depois, teve lugar uma apresentação do investigador e gastrónomo transmontano Virgílio Gomes, sob o mote “O Pão Bragançano”. Posteriormente, André Magalhães moderou uma conversa com Amândio Pimenta, membro dos Ambassadeurs du Pain. O encerramento ficou marcado pelo debate “Pensar o Pão em Portugal”, moderado pela jornalista Catarina Moura, com um painel de especialistas, composto por Olga Cavaleiro (investigadora de gastronomia), Luís Afonso (proprietário da Moagem do Loreto) e Lídia Brás (chefe do Stramuntana, em Vila Nova de Gaia, com raízes em Miranda do Douro).

A iniciativa procurou reforçar a importância do pão, não apenas como alimento, mas como património cultural, cuja preservação e valorização são fundamentais para a identidade gastronómica das regiões.



 

 



DEIXAR O PÃO FALAR

Organização Edições do Gosto com o apoio da Câmara Municipal de Bragança


terça-feira, 4 de março de 2025

Jorge Morais - Personagens (12) - Carnaval 1997



Acho oportuno regressar a um carnaval de há quase 30 anos aqui em Bragança (exatamente do ano de 1997): São pessoas locais com atitudes ou poses de participação, cansaço ou resignação após uma grande folia.

Jorge Morais



Carnaval 1997 - Foto1

    Neste animado carnaval na Bragança dos anos 90, aonde ainda havia amostras de carnaval popular de características mais ou menos espontâneas, fotografei este rosto espreitando do interior de um grande saiote de flanela preta que correspondia à parte inferior de um enorme gigantone que o portador fazia agora descansar em plena praça Cavaleiro de Ferreira. Quis o transportador, nesse momento, certamente também apreciar o que se passava à sua volta, aonde havia outros protagonistas e povo que observava com interesse, embora, ele próprio mostrasse um certo recolhimento ao encobrir todo o resto do seu corpo. Este Bragançano fazia-se notar amiúde pela sua militância nas festividades da cidade e, muitas vezes, incentivado ou angariado para tal fim pela própria Câmara Municipal de Bragança. 

    Uma pessoa também criativa que um dia me abordou e, delicadamente me entregou um cartão pessoal bem impresso e concebido em que se apresentava como executor de serviços de "limpa-chaminés". E esta?... Talvez o primeiro que formalmente se apresentava como tal numa cidade aonde as procuras e as ofertas neste sector de serviços domésticos a particulares eram tipo passa-palavra.




Carnaval 1997 - Foto 2

    Para esta foto e a seguinte ocorreu-me de imediato um título para elas: "Restos". Efetivamente era quase o final da tarde fria daquela terça-feira de há 27 anos quando este personagem, de que não sei a identidade, após correr e esgalhoufar pelas ruas da cidade foi, finalmente, ancorar o costado e o rabo num grande vaso de cimento que servia de separador mais do que de floreira ou base de um raquítico arbusto. A sua atitude corporal, com a fatiota e a máscara simiesca, em conjunto, denotando um certo e estranho alheamento à sua volta e cansaço também, o que parecia até contraditório, com o espírito de um dia de carnaval (talvez não tanto assim, pois que a quaresma está à porta e há quase que um aviso de pecado ou soturnidade associado também ao dia e tempo, que quase sempre aqui em Bragança estás climaticamente careta - falemos então de uma ressaca do próprio tempo de carnaval...). 
    Este sentir e observar despoletou em mim, num reflexo, o interesse visual desse antagonismo, acrescentado ainda pela atitude do fotografado olhar para o tomador da imagem também contraditoriamente: patenteando um certo laxismo do corpo em repouso mas, ao mesmo tempo, um enfoque frontal da sua máscara algo intimidatória e remetendo-me para o universo de algum filme como "O Planeta dos Macacos", aonde pululam grupos de macacos agressivos (embora também outros grupos civilizados, diríamos).




Carnaval 1997 - Foto 3


    Esta foto é aquela que mais me conduz para o título de "Restos". Efetivamente o rosto da criança e o molho de serpentinas que a mesma angariou lentamente do chão da praça, fala-nos de uma certa apatia emocional talvez abandono e que aquele molho parece suprir na condição de um pequeno troféu festivo. Efetivamente era uma criança que se via muitas vezes sozinha.
 

No momento certo, na hora exata!
              
Três imagens elucidativas do carnaval de outros tempos, feito com o que se podia arranjar e com o intuito de brincar, esquecendo regras.

Era preciso ser feliz pelo menos três dias por ano. Na quarta feira de cinzas haveria a penitência e o perdão. "És pó e em pó te tornarás".

Obrigado Jorge pela contextualização das fotografias. É muito interessante a forma como "nos explicas" estas imagens cheias de pormenores significativos que nos transportam, sem dúvida nenhuma, para outros tempos tão diferentes dos de agora.  

Maria e Marcolino Cepeda

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

25/02/25


Se hoje não fosse o dia 25/02/25 com a musicalidade inerente às repetições sonoras... não escreveria isto.

Amanhã não escreverei com certeza sobre o mesmo. 

O dia é outro, novo, único ou não, se houver coincidências. 

Mesmo assim, não será irmão.

Não demora a meia-noite neste país, agora. No Brasil, quatro horas demora ainda. 

Poderei falar com a minha prima Armandina que vai jantar agora... mas não será o mesmo, não.

Aqui é inverno. 

Lá é verão. 

Tenho saudades dela e do seu irmão. 

Tenho saudades do verão.


Maria Cepeda

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Jorge Morais - Personagens (11) - Jovens pastores no parque de Montesinho


Numa destas manhãs gloriosas de geadas e até neve a luzir no cume do monte espanhol próximo de "La Tejera", apanhei estes dois jovens pastores das aldeias de Maçãs e Fontes Transbaceiro que se amparavam ao respetivo cajado enquanto o sol intentava romper a bruma dessa manhã gélida. 

A simetria dinâmica com que se encostavam chamou-me de imediato a atenção e, apresentando-me, pedi-lhes se podia tirar-lhes a foto o que aceitaram sem se descomporem, isto é, ficaram tal como estavam, o que foi bom. 

Digo com franqueza que o momento lumínico e ambiental vivido era ainda muito mais cativante do que a foto poderá transmitir. A geada no chão mais branca e texturada, o sol de nascente e muito baixo iluminando o rosto dos jovens, as varas e o dorso das ovelhas com muito contraste, as árvores do souto no montículo de fundo apresentando a evidência de alguma neve criavam uma atmosfera tipicamente do nosso reino, quer dizer do Trás-os-Montes a sério, aquele a que desde há muito nos habituáramos.

Os rostos e o corpo dos jovens também caracterialmente e compositivamente interessantes. A postura muito semelhante em ambos embora em contraponto, destacando-se ainda o modo como replicam o mesmo modo de sujeitar o cajado por debaixo dos braços cruzados; no rosto, o mais velho, evidencia um sorriso frontal e de confiança (apesar do pau na mão...); o outro, mais novo, ligeiramente atrás, não consegue desmascarar um olhar mais franzido e semblante algo carregado, como que perguntando: 

- Quem é este? 

Pois bem este era o Jorge Morais com a sua velha nikon FM2 que quis madrugar tanto, pelo menos, como estes pastores, e digo, estava um frio de rachar. Felizmente a máquina era robusta e o filme que eu próprio revelei minimamente cumpriu.

Jorge Morais


P.S.: Olá meninos, aí vai uma foto a combinar com os tempos de inverno que agora aparece, nomeadamente a geada e a neve. Espero que gosteis. (Jorge Morais)

Olá Jorge. Linda fotografia. Conseguiste captar o momento exato, perfeito, único da inocência camuflada de uma manhã gélida, na franqueza do olhar ofertado pelos dois jovens pastores. Assim nascem momentos únicos que fazem a diferença e nos tornam felizes e agradecidos pelo privilégio de estarmos aqui. (Maria e Marcolino Cepeda)