quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Natureza



Intolerância

Estou triste, tão triste, tão triste, que quase a consigo tocar, a tristeza que insiste no meu olhar.
Sinto a angústia de não saber quase nada, de ter desaprendido o amor nas pessoas, a harmonia de sentimentos, a solidariedade, a sã convivência, o respeito pela vida...
Só vejo medo, insegurança e dor.
Em Paris chora-se.
Espreita-se por cima do ombro à procura de tudo e nada, sem saber o que procurar, sem entender o que encontrar.
Pensamos que se pode escapar à morte, que a podemos dominar... mas ela é autónoma, rude, sem escrúpulos. Mata e pronto. Nas desculpas se escondem os terroristas, as doenças, as causas naturais, as catástrofes da natureza...
Somos frágeis como recém nascidos.
Quando alguém se faz explodir, não se ama. Não existe amor no seu coração. Não existe inteligência na sua mente. Nada existe. Nem mesmo a maldade. O seus corpos são caixas ocas, sem alma, sem espírito.
Mata-se por um deus de guerra, de ódio. Um Deus de amor não espalha corpos mutilados pelo chão.
Se o meu livre arbítrio é o que me comanda, porque me deixarei comandar pelo fundamentalismo?
Como é possível transformarem-se em monstros cruéis e assassinos que não fazem distinção entre homens e crianças, entre inocentes e culpados?
O que se passou pelo caminho? O que aconteceu a esta humanidade? Onde se afogou a tolerância?
Até quando o mar poderá suportar tantos corpos naufragados?
Até quando terão os solos capacidade de absorção do sangue derramado?
Quanto tempo conseguiremos, ainda, olhar diretamente para os olhos de um estranho sem vacilar?
A morte não perdoa pecados. Não cria paraísos. Não abre alamedas verdejantes de amor universal, puro, desinteressado...
Ah, se eu pudesse fazer a paz e acender a luz de um novo dia!   

Maria Cepeda

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Outono

Os dias cinzentos e macambúzios cercam-nos, acabrunham-nos, ensombrecendo o nosso olhar.
É verdade que a alegria se reflete no colorido das folhas que cobrem o chão ou balançam docemente nas árvores, mas é uma alegria pisoteada por quem têm de se fazer à vida.
Depressa, as folhas amarelas, vermelhas, verdes, castanhas que o vento espalha a esmo, se transformam numa massa informe, embora, nutriente valioso da natureza que em nada contribui para o brilho radioso e solar dos olhos quase tristes de quem passa.
Gosto do outono. Interioriza-me. Remete-me para o conhecimento de mim. Torna-me melancólica, ligeiramente triste e as lágrimas são mais fáceis e verdadeiras. Puras, porque da alma emanam.
Hoje a cidade acordou envolta em nevoeiro húmido. Estava fresco, não frio, como ao outono convém. 
Chove. As folhas não revoluteiam com o vento. Não há vento. Algumas deitam-se à volta da árvore a que pertencem e esperam que algo as desperte deste sono mortal. Sabem que nada mais resta para além de esperar a volubilidade de zéfiro ou uma outonal ventania.
As castanhas caíram já e jazem inertes à espera de mãos que as apanhem. Cumpriram.
Cumprem, também, os homens e mulheres desta Terra Fria, que passam os seus dias curvados na apanha do bem mais precioso de Trás-os-Montes, a quem chamam "petróleo", as humildes e despretensiosas castanhas.
As minhas mãos enluvadas apanham-nas. Não conseguem fugir aos picos dos ouriços que as contiveram no seu, para elas, acolhedor ventre.
Forram o chão abandonadas ao seu básico destino de serem comida para homens e animais. As castanhas têm uma manha, vão com quem as apanha, sem relutância alguma, sem peso na consciência, que esse ficará com quem as leva não sendo suas. Estavam no chão...
E como o outono foi tempo de uvas, é também, tempo de dióspiros. A sua cor alegra, o seu sabor  estranha. Gosto deles pela sua extravagância.
Também gosto do outono quando o nevoeiro adensa turvando o dia, metamorfoseando a noite em tristes e serenas melodias e nos molha os cabelos lentamente, como se apenas os acariciasse.
Chove tristezas, muitas e interioriza-me.
Paris é ali, tão perto que agonia. Tão longe que ludibria. Tão universalmente minha e tua que ali deve reinar sempre, a fantasia do amor que não perdeu, envolto em pura magia e luz, muita luz.
 

Maria Cepeda     
   
   

Parecem meninos...



parecem meninos
calcorreando poeiras
cósmicas, talvez,
pois só os meninos
sabem os porquês

os montes observam
em mudo silêncio
todas as palavras
levadas pelo vento

todas consumidas
pela escassez do tempo
sussurram segredos
nas lufadas de vento

quantos segredos
escondem as palavras!
impacientes
cuidam de pensar
que o tempo se esgota
em horas de calar

e quais borboletas
batem as asas
fingindo flores
de incertezas tantas
e a noite cai
entoando cantos

caem palavras
como se folhas fossem
uma por uma, penduro-as
nas árvores
dançam ventanias
sem fazer alarde

parecem meninos
calcorreando poeiras
cósmicas, talvez,
pois só os meninos
sabem os porquês

os montes observam
em mudo silêncio
todas as palavras
levadas pelo vento

todas consumidas
pela escassez do tempo
sussurram segredos
nas lufadas de vento

quantos segredos
escondem as palavras
ansiosas
de se fazerem entender

e quais borboletas
batem as asas
fingindo flores
que não podem ser

caem palavras
como se folhas fossem
em revoluteios
rubicundos ais

Maria Cepeda