Nasceu em Dine, uma pequena aldeia do concelho de Vinhais. Como foi a sua infância e juventude?
Sou uma pessoa do campo. Nasci na aldeia. Os meus pais eram agricultores e, desde sempre, estive ligado à aldeia, à vida rural, que é uma vida realmente diferente daquilo que é a vida actual da cidade e mesmo a vida actual das aldeias. Eu cresci numa altura em que as aldeias eram pujantes, eram agradáveis, bonitas, cheias de crianças, cheias de barulho. As pessoas vinham do trabalho, divertiam-se, depois, em conjunto. Havia uma verdadeira vida comunitária e é isso que eu recordo essencialmente da minha infância: é a vida comunitária, é a vida alegre das aldeias, esse tal barulho dos carros de bois, aquelas histórias do serão, à noite… Sabe, eu nasci em Dine mas, depois, com cinco anos a minha família mudou para a aldeia da minha mãe que é nas Peleias também no concelho de Vinhais e o que eu recordo é que, sobretudo no Inverno, os Invernos eram grandes as pessoas guiavam-se pelo sol, guiavam-se muito menos pelo relógio e, de Inverno, havia menos que fazer nas aldeias. Havia menos trabalho, as pessoas tinham mais tempo para o convívio e sobretudo durante a noite, as pessoas juntavam-se em casa dos amigos e em minha casa. Era tradicional, todas as noites, as pessoas juntarem-se e jogarem a sueca, contarem histórias, aquelas histórias imensas que nunca mais acabavam. Havia uns contadores de histórias fantásticas e as pessoas sabiam conviver, sabiam falar. Não se precisava, de facto, da televisão.
Histórias que faziam as crianças ir para a cama com um bocadinho de medo…
Sim, sim e depois, durante a noite, vivenciávamos, em sonhos, essas histórias fantásticas de mouros, de cavaleiros, de termos muito engraçados que, de facto, nessa altura, se usava a história do mama na burra, do arranca pinheiros, do arrasa montanhas. Essas histórias que eu depois fui guardando e que são fantásticas porque representam elas próprias um património imenso que era a alma do nosso povo. A forma como se vivia nessa altura traduzia-se nessas histórias por isso eu, às vezes, tenho dito: Cada idoso que morre é um património nacional que se vai embora e que nós perdemos na nossa região e que não se tem sabido aproveitar porque, esse património traduzia-se em pessoas que sabiam muitas histórias, os contos tradicionais populares, o cancioneiro popular, aquelas cantigas populares que, quando morrem essas pessoas, que neste momento ainda são portadoras desse património deixam, digamos, de existir. Deixam de se conhecer porque, conforme vão morrendo essas pessoas, e eu tenho assistido à morte dessas pessoas mais idosas que com elas vão levando esse património genuíno e que era a alma do nosso povo, e isso entristece-me. Não temos sido capazes, não digo essa forma de viver antiga, que é uma forma, se calhar, com aspectos muito negativos porque envolvia aspectos de pobreza alguns de extrema miséria, dificuldade na acessibilidade às aldeias, o isolamento imenso que havia.
Esse aspecto não nos interessa voltar a viver mas, ao mesmo tempo, envolvia um conjunto de valores, de formas de ser, de formas de viver, de formas de sentir as coisas, de sentir o mundo que eram muito próprias dos transmontanos, até formas de falar, a própria pronúncia das palavras, a forma como nós nos relacionávamos nessa altura através da própria forma de falar, era diferente e, como era diferente, em tão poucos anos, como isto mudou! Como as coisas mudaram!
As aldeias, neste momento, são aldeias isoladas e aldeias silenciosas, tristes, onde o carro de bois já não se sente. Ainda recentemente, no meio de uma consulta numa aldeia, numa extensão de saúde, ouvi um carro de bois a cantar e pedi à doente: “Olhe, vamos parar um bocadinho e vamos ouvir ali aquele carro de bois a passar:” e abri a janela. Se calhar, a doente também convidaria um pouco a isso e ouvi o que é o prazer de ouvir esse som que ficou gravado na minha memória de infância.
Como transmontana, nascida numa pequena aldeia de Vinhais, entendo perfeitamente a sua saudade. Dela partilho e também a valorizo, sempre com pena de não podermos juntar o melhor de dois mundos… É o mais novo de uma família numerosa. Deve ter sido muito difícil, para os seus pais, educarem os filhos.